quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

As lições de Chang XIII - Na maioria dos casos a propriedade intelectual promove os lucros privados, mas não o bem-estar social

Os medicamentos de combate à SIDA custam 10 a 12 mil dólares por paciente/ano, 3 a 4 vezes o rendimento per capita dos países mais ricos do continente africano. Perante isto, o governo sul-africano decidiu no final da década de 90 infringir os direitos de patentes detidos pelas grandes multinacionais do sector farmacêutico, produzindo genéricos no país com base nas fórmulas dos medicamentes existentes. A resposta das empresas farmacêuticas não se limitou à interposição de um processo em tribunal contra o governo sul-africano; o caso deu início a uma campanha massiva a nível mundial de justificação dos direitos de propriedade intelectual.

As empresas farmacêuticas argumentavam que o monopólio concedido através das patentes às empresas que criam novos medicamentos - o qual lhes permite determinar os preços de forma unilateral - constitui o principal incentivo para investirem em investigação. Sem esse incentivo, diziam, os recursos mobilizados para o esforço de inovação diminuiriam drasticamente, pondo em causa a descoberta de mais e melhores soluções farmacêuticas no futuro.

Este argumento tem sido utilizado para justificar a existência - e o reforço - do sistema de propriedade intelectual, não apenas no sector farmacêutico mas em muitos outros, constituindo hoje uma das principais preocupações dos países ricos nas negociações sobre comércio internacional na OMC.

Mas ideia de que a propriedade intelectual é essencial para o desenvolvimento da humanidade é, no mínimo, parcial. Por um lado, embora os incentivos materiais sejam relevantes, eles estão longe de ser o único factor de motivação para a produção de inovações: a curiosidade científica e a promoção do bem comum são forças tão ou mais poderosas do que aquela (por exemplo, 3/5 do financiamento da investigação farmacêutica nos EUA é garantido pelo Estado ou por organizações não-lucrativas).

Para além disso, na maioria dos sectores de actividade a propriedade intelectual é basicamente irrelevante enquanto motivação para a inovação - as empresas que inovam são sempre beneficiadas, seja porque a empresa tem uma reputação indisputada, seja porque a inovação é difícil de imitar, ou porque o tempo necessário a um concorrente para imitar garante que a situação de monopólio se estende por longos períodos. Isto garante ao inovador a realização de lucros suficientemente elevados para compensar os investimentos em investigação e desenvolvimento.

Nestes casos, os direitos de propriedade intelectual são desnecessários à promoção da inovação. O seu único efeito é o de permitir à empresa que os detém impor unilateralmente as suas condições de troca, reduzindo assim o grau de realização dos benefícios sociais potenciais da inovação.

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