Público, 19/6/2013 |
Há dez anos, o governo de direita PSD/CDS dava sinais de agitar-se.
O programa de austeridade, defendido então como programa político da coligação, tinha produzido os efeitos esperados, embora não anunciados à população, antes ou depois das eleições legislativas de 2011.
A preocupação de levar a cabo uma desvalorização salarial - tida como única forma de aumentar a competitividade externa do país no contexto da moeda única - orientou a política económica para uma contenção da procura interna (consumo e investimento). Esse objectivo foi ainda acentuada pela austeridade orçamental, asfixiando a despesa e o investimento público a níveis então nunca vistos. Esta política gerou uma explosão do desemprego e, consequentemente, uma explosão de pobres e de emigrantes, muitos deles qualificados. Já os ricos - como explicava o Bartoon - pouco sentiram a “crise”.
A degradação da situação social do país abalou os parceiros da coligação e levou o então presidente da República Cavaco
Silva a pronunciar-se: "Não podemos resignar-nos", disse quase apelando à rebelião. Miguel Poiares Maduro, recém entrado no XIX governo, saiu a terreiro para negar qualquer desunião na coligação:
Público, 19/6/2013 |
Acrescente-se que, como ficou provado por estudos posteriores, este empobrecimento salarial enquistou-se na nossa economia. Porquê? Porque o programa de desvalorização acentuou a deriva na actividade produtiva - que já se vinha verificando desde o início do século XXI, coincidindo com a criação do euro - para sectores de baixa produtividade, necessariamente de baixos salários. E isso explica a persistência dos baixos salários, tido presentemente - mesma pela direita, pasme-se! - como uma praga a debelar.
Curiosamente, quase dez anos depois, o mesmo Miguel Poiares Maduro - que, como se viu, integrou o XIX Governo cujo programa económico provocou essa desvalorização - surge muito preocupado com esta "nova" realidade. O Fórum Futuro da Fundação Calouste Gulbenkian, a cuja Comissão Científica Poiares Maduro pertence, convidou em 2021 alguns centros de investigação para a produção de estudos sobre o que se estava a verificar com o salário médio em Portugal.
Por estranho que possa parecer, apenas o Centro de Estudos Sociais (CES) - com o seu trabalho Especialização produtiva e salários: propostas para qualificar Portugal - identificou como a mais funda causa o afunilamento da especialização produtiva, fruto das políticas de austeridade seguidas e patrocinadas pelo hegemónico neoliberalismo europeu. Causa essa, aliás, que ainda produz efeitos para a desvalorização salarial, mas cujos efeitos a direita (e até a direita do PS) evita debater ou pôr em causa. E percebe-se porquê: até o Bartoon sabe identificar que os mais ricos lucram com a desigualdade na distribuição de rendimento.
Pode haver efeitos sem causa? Se não, qual é então, para a direita, o “mistério” dos baixos salários em Portugal? A direita nunca o diz...
2 comentários:
A lei universal CAUSA e EFEITO e imutavel. Por isso nunca ha Efeitos sem haver uma causa.
Caro João Ramos de Almeida,
«Pode haver efeitos sem causa? Se não, qual é então, para a direita, o “mistério” dos baixos salários em Portugal? A direita nunca o diz...»
Permita-me discordar neste ponto: há alguma direILta que aponta uma causa: impostos muitos altos. É treta, é certo, mas não se pode dizer que a IL não aponte uma causa. Aliás, nas suas diversas formas, para essa agremiação, a causa de todos os males é sempre a mesma: demasiado estado.
Como eu dizia, é treta, mas boa sorte a tentar explicar-lhes isso. Eu já tentei, e já (quase) me deixei disso...
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