sexta-feira, 9 de junho de 2023

Por um lado e por outro


O presidente norte-americano Harry Truman ter-se-á queixado de não ter um economista só com uma mão, dado que os seus conselheiros económicos diziam sempre: on the one hand, on the other hand. Em português, por um lado e por outro lado não se prestam a este comentário jocoso. De qualquer forma, demasiados economistas portugueses tendem a ter uma só mão, a direita, a de mais Estado penal para menos Estado social (a mão esquerda), para usar a metáfora das duas mãos do Estado. 

Em defesa da mão esquerda, por um lado e por outro lado são absolutamente necessários se quisermos abordar o fim da linha E dos Certificados de Aforro, com maturidade de dez anos e uma taxa de juro nominal de 3,5%, substituída pela aparentemente ignominiosa linha F, com taxa de juro de 2,5% e uma maturidade de quinze anos. Há uma revolta na “arrasada classe média”, para usar os termos de Ana Gomes, pelo facto de o Estado pagar menos por emissões de dívida.

O resto da crónica pode ser lida no setenta e quatro.

Entretanto, não se compreende o que leva respeitáveis intelectuais de esquerda, como Alexandra Leitão, a defender que o pagamento de taxas de juro relativamente altas pelo Estado português é uma forma de promover a poupança. Não, é uma forma de promover o rentismo financeiro e a redistribuição regressiva.

Para lá de injusta, esta é uma ideia que se derrota a si própria na macroeconomia. O investimento depende sobretudo da moeda-crédito que os bancos criam do nada e as despesas de investimento, conjuntamente com as do consumo, geram rendimentos e alguns desses rendimentos são poupados num processo que torna o valor da poupança sempre inevitavelmente igual ao do investimento. Se as taxas de juro forem elevadas, há menos despesa e logo menos rendimento, dado que as despesas de uns são o rendimento dos outros e, consequentemente, menos poupança.

3 comentários:

Anónimo disse...

Não deixa de ser curioso ver como os bancos centrais estão tão preocupados com as taxas de juro dos empréstimos, que têm de aumentar para diminuir a inflação, ao mesmo tempo que não regulamentam o valor das taxas de juros dos depósitos e as deixam ser baixas como se isso não influenciasse a inflação.
Os bancos reguladores têm várias missões: 1º proporcionar lucros à banca, 2º proteger a banca privada, mesmo à custa dos depositantes e contribuintes (como se viu no caso do BES), 3º controlar a inflação. E eles nunca se esquecem das prioridades.

Anónimo disse...

Se percebi bem, estou de acordo consigo.

Apesar de se compreender os argumentos que recaem na ideia de que os certificados de aforro tinham vindo a servir, na prática, como o único "instrumento de poupança" em Portugal - o que por si só nos eleva para um patamar crítico que não se limita ao próprio certificado de aforro - não se percebe, no essencial, os aflitos comentários de responsáveis políticos da esquerda (não apenas de intelectuais orgânicos) em defesa duma percentagem de juros que, ao fim e ao cabo, significa rentismo.

Vi inclusive na televisão, do meu partido, um deputado encher-se de razões que, tratando-se de comunista, foi um caso raríssimo, a duas mãos: teve tempo e não foi interrompido. Posso depreender daquilo, respectivamente, uma séria preocupação com o endividamento externo, do lado comunista, embora seja insuficiente e uma crítica completamente mal dirigida; como também um sério interesse rentista, do lado burguês.

Do ponto de vista progressivo, os meios de financiamento do Estado (português, no caso) não se podem limitar a recompensar quem empresta dinheiro ao Estado, quando este último lhe havia criado antes o dinheiro, e deve, na verdade, ir buscá-lo por meio de impostos; repito, do ponto de vista progressivo. Ao recompensar aquele burguês que empresta o dinheiro que devia ser tributado, trata-se dum verdadeiro esquema de roubo, tipicamente burguês. Em todos os sentido isto mostra o quão insustentável é manter tamanha acumulação no topo da hierarquia social.

No mais, deve ainda o Estado - e, já agora, para onde a crítica da esquerda se deve dirigir - emitir a sua própria moeda; bem como regular o funcionamento bancário, pondo fim, por exemplo, ao monopólio no sistema de depósitos, dado que os bancos comerciais nem sequer estão interessados em recompensar esses depósitos.

Anónimo disse...

Porque razão o esclarecimento relativo à diminuição do pagamento dos certificados de aforro não foi feito de forma categórica já que é evidente para toda a gente que um estado deve tentar pagar o menor juro possível? O juro baixo potência o investimento mas que investimento, não deve estar a falar do público, certo?