sexta-feira, 23 de junho de 2023

Querido Diário - Depois não digam que não foram avisados...

Público, 22/6/2013

Há dez anos, o poderoso analista Luís Afonso mostrava o que os portugueses sentiam: que tinham já sofrido um rombo nos seus rendimentos. Mas poderia ter sido hoje, não é?

Recorde-se que a política então seguida (pelo Governo Passos/Portas) visou cortar nos rendimentos salariais e pensões como forma de ajustar aquilo que consideravam ser a fonte dos nossos males: o desequilíbrio das contas externas e da competitividade nacional. A culpa era dos "custos" salariais que nos estavam a fazer "viver acima das nossas possibilidades" (uma expressão muito FMI). 

Ninguém avisou os portugueses de que a política ia ser essa. Mas bastava ouvir Passos Coelho, Paulo Portas ou Vítor Gaspar para a perceber. E se não a anteciparam, acabaram por senti-la. Cortou-se nos rendimentos, o que levou a uma contracção no consumo privado, a qual se repercutiu no corte de rendimento das empresas, as quais cortaram no investimento e no emprego. E entrou-se numa espiral recessiva que só foi invertida quando se atenuou e inverteu esta política neoliberal. 

Os novos neoliberais (da extrema-direita da IL e do Chega, e do PSD) agora defendem - não o corte de rendimentos nominais, como defenderam há dez anos - mas o corte na tributação, colocando o Estado a subsidiar indirectamente as empresas. Assim, numa conjuntura inflacionista, o Estado ajuda as empresas a não terem de subir tanto os salários, ao mesmo tempo que forçam a redução da despesa pública, abrindo "mercado" ao sector privado…   

Os efeitos dessa política - de décadas perdidas! - é sintetizada neste gráfico: 

Fonte: INE, Contas Nacionais, dados em volume


Qual é a política actual?

A política actual não difere muito da anterior. 

À parte: se as nossas políticas nacionais vão à avaliação prévia da Comissão Europeia é para que se aplique a "mesma" politica independentemente de quem está no poder e de quem os elegeu. Parecem dizer: "Votem à vontade que, no final, aplica-se a mesma política". A margem nacional de manobra - assente apenas no sector privado, como defende a Comissão Europeia - é, pois, muito estreita.

A política actual visa, pois, manter o equilíbrio externo, que é muito instável numa pequena economia. Essa pequena economa - sem uma política pública alternativa de fomento da produção nacional, hoje condicionada e impedida pelas regras neoliberais europeias - vai se degradando cada vez mais. Vai afunilando para sectores de actividade cada vez menos produtivos, exportando os seus quadros mais qualificados e, a prazo, vai degradando cada vez mais as contas externas, apenas compensadas pelas receitas de turismo (estatisticamente tidas como "exportações"). 

Estamos estagnados e isso significa, a prazo, um terreno inclinado.


Como se mantém esse equilíbrio instável? Pois, já se está a imaginar: mexendo-se pouco. 

Manobra-se a política para que o consumo e investimento privados, bem como os gastos públicos nos serviços e investimento público, não subam muito para que não exerçam uma pressão externa excessiva, numa dimensão que as receitas de turismo possam cobrir. 

Por isso, a política orçamental e de rendimentos é extremamente cautelosa desse ponto de vista ("contas certas"). Ou seja, é extremamente apertada. Os salários não são para crescer significativamente. E por isso se mantêm todos os canais abertos para que o turismo e o investimento estrangeiro - mesmo especulativo, como no imobiliário - continuem a bombar. Esse é o fim da política europeia. Que o investimento estrangeiro seja privilegiado. 

E os seus efeitos fazem-se sentir.

Público, 22/6/2023

Na degradação dos serviços públicos de educação, saúde e de protecção social (abrindo novas áreas de mercado para o investidor estrangeiro); na limitação da capacidade de investimento público e privado (idem, idem); na ausência de promoção da cobertura do poder de compra dos salários e pensões (mantendo barata a "mão-de-obra" nacional e, se necessário, substituindo-a por imigrante). 

O que acha que está a acontecer ao peso dos salários no PIB? Acha que o Governo vai conseguir recuperar o seu peso como ficou acordado na Comissão Permanente da Concertação Social (ver aqui, procurar 2022)?

Fonte: INE, Contas Nacionais, hoje divulgadas

E a política vai continuar assim ou agravar-se, se um dia a direita - e a extrema-direita - chegarem de novo ao poder. Esse é o fim da política da direita - nacional e europeia. Por isso, não se ouve uma palavra sobre as políticas que a direita defende. Por isso, a sua política é "casos e casinhos". E atoardas e insultos.

E a esquerda, enquanto não souber como resolver este imbróglio, pouco melhorará.

Por isso, os portugueses sentem que cada vez mais que têm menos dinheiro. E vão continuar assim, se estes condicionalismos continuarem a exercer-se sobre a economia e a vida dos portugueses. E se nada for feito para que se dê uma volta nesta queda no abismo.

1 comentário:

Anónimo disse...

No exame nacional de Economia, realizado hoje, aparece uma questão de escolha múltipla cujo enunciado diz que o BCE "foi obrigado" a aumentar as taxas de juro. O desafio proposto aos alunos foi o de identificar os objectivos de tão racional e inevitável medida... Não há dúvida: isto anda tudo ligado.

RF