Há dez anos, no mesmo jornal, havia duas peças que deveriam quadrar. E no entanto, a sua contradição é clara. Mas não para a direita nacional.
JornalPúblico, 11/3/2012 |
A redução do número de trabalhadores abrangidos pela contratação colectiva foi o resultado, primeiro, da aprovação em 2003 de um Código do Trabalho, apresentado então por um ministro próximo do CDS (Bagão Félix), num governo PSD/CDS (Durão Barroso). Essa lei previu, entre muitas alterações à legislação laboral, a caducidade das convenções colectivas e a redução do papel dos sindicatos na salvaguarda dos salários dos trabalhadores. Os sindicatos passaram a ter de negociar sob a espada da caducidade das convenções. Em 2008, essa lei foi aprofundada (desta vez através da iniciativa do PS no Governo), nomeadamenmte ao reduzir a oposição dos trabalhadores aos seu despedimento, ou seja, contribuindo para engrossar o desemprego e, com isso, pressionando para a descida dos salários.
Em 2012, já se sentiam os efeitos dessa legisação na cobertura - cada vez menor - da negociação colectiva. Cada vez menos trabalhadores eram abrangidos pela negociação colectiva. E, como tal, cada vez mais trabalhadores ficavam com salários mais baixos. O efeito pretendido com essa redução do papel dos sindicatos foi esse: a redução salarial. A caducidade das convenções colectivas mantém-se, aliás, em vigor.
Segundo recorte:
O então dirigente do CDS e "soldado disciplinado" António Pires de Lima, que chegou a ministro da Economia em julho de 2013, manifesta-se contra a ideia de que "baixar salários é a única receita que há para sermos competitivos". "Isso é um disparate". Mostra-se contra o que está na base da queda do consumo privado. Defende uma "austeridade selectiva e inteligente". Nem um ano antes, a direita no Governo Passos Coelho/Portas abraçava o Memorando de Entendimento com a troica como uma "base de trabalho", sustentava que era preciso "ir além da troica", aplicando a austeridade entusiasticamente, como não havendo alternativa. Depois, quando o desemprego chegou aos 25% da população activa em 2013, disse que não tinha sido bem assim.
Mas o ponto é que, para a direita, há coisas que não jogam. Por um lado, achou-se por bem rebaixar e eliminar os sindicatos tidos como correias de transmissão política da esquerda nas relações laborais e não os vendo como a organização dos próprios trabalhadores numa relação desigual. Entendeu-se os sindicatos como obstáculos a uma flexibilidade laboral, defensores de "interesses corporativos retrógrados" a anular. Reduziu-se, pois, a cinzas aquilo que constituía um dos elementos chave da estabilidade salarial. Mas depois, quando os seus efeitos se fazem sentir, descartam responsabilidades, atiram-na para a troica e dizem não ver algum nexo de causalidade entre essas medidas e a baixa salarial.
Foi assim há dez anos. E continua a ser. Quando se suscita a necessidade de acabar com a caducidade das convenções, a direita cola-se à visão de curto prazo das conferações patronais e, no Parlamento, vota contra. Tanto o PSD, CDS, a IL e o Chega, como o próprio PS, temeroso como parece estar de pôr em causa compromissos europeus.
Veremos e esperemos que a maioria absoluta do PS o faça inclinar para o lado de uma efectiva revalorização salarial que não se fique por aumentar apenas os mais baixos salários, ainda por cima subsidiados pelo Estado ou pela Segurança Social.
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