domingo, 4 de novembro de 2012

Vemo-nos gregos


No século passado, Marques Mendes era o homem de Cavaco para os esforços de controlo da RTP e da restante comunicação social. Agora é apenas um dos barões do PSD que hegemonizam o comentário político na televisão e que servem de porta-vozes oficiosos, procurando também beneficiar da sua rede política para ficar à frente da concorrência dos tele-evangelistas laranjas. Muda a posição, mas a mediocridade é a mesma de sempre.

Esta semana, Mendes veio anunciar, em termos mais concretos, o que já se sabia desde o início em termos não muito mais abstractos: a troika será a alavanca externa, também do ponto de vista intelectual, de assessoria “técnica”, aspas muitas aspas, que os neoliberais portugueses e os sectores sociais que os apoiam – as fracções da burguesia que se especializaram nos chamados não-transaccionáveis e/ou que querem assegurar um quinhão nestes sectores –, precisam para conseguir desmantelar internamente o que resta de essencial da economia política do 25 de Abril: as funções sociais do Estado. Isto depois de terem conseguido, graças à viragem neoliberal da integração europeia, desmantelar grande parte das funções económicas, com todas as privatizações e liberalizações.

Numa coisa nos enganámos: pensámos que iriam deixar passar alguns meses antes de aproveitarem a “fadiga” fiscal para redobrarem os ataques ao sector público, um dos mecanismos disponíveis para ir ao pote. Afinal, foi mais rápido, o que faz sentido, tendo em conta que o tempo urge.

Bom, conjunturalmente, é preciso sublinhar que estes cortes são a pior forma de austeridade, já que são rendimentos certos que desaparecem, de salários que se evaporam, por via dos despedimentos, às prestações sociais reduzidas, passando pelo maior pagamento por serviços prestados em maior número por empresas privadas rentistas, ainda mais redução do poder de compra. É procura certa que desaparece, indicando pela enésima vez a interdependência entre sectores público e privado. Teremos ainda mais recessão, o que só ajuda a alcançar o objectivo de sempre.

Estruturalmente, a tese que avançámos em artigo recente parece confirmar-se: não há economia capitalista de mercado, economia mista com mercados é coisa diferente e pressupõe o controlo público dos sectores estratégicos e uma regulação adequada das relações com o exterior, que não dê origem a uma desigual sociedade de mercado, ainda para mais no contexto tão desfavorável do euro.

Conjuntural e estruturalmente, vemo-nos assim gregos.

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