segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Quando é que poderemos dizer nas urnas aquilo que queremos que seja a UE?

«Era insustentável manter uma União Europeia com instituições dos anos cinquenta, quando hoje, com vinte e sete membros, se tornava indispensável criar condições para que o interesse comum europeu e a vontade dos cidadãos pudessem ser garantidos». Este é o argumento fundamental apresentado por Guilherme d'Oliveira Martins (hoje no Público) para apresentar o novo Tratado da UE como uma vitória. É um avanço face a grande parte dos comentadores e jornalistas, para quem a grande vitória consiste em ter um tratado europeu com Lisboa no nome. E é mais honesto do que a falta de argumentação que caracteriza algumas intervenções (ver post anterior do João).

Mas a defesa que G.O.M. faz do Tratado de Lisboa é envergonhada e o autor não o esconde: «No futuro teremos de ser mais audaciosos quanto ao governo económico da União, quanto à coordenação de políticas económicas e sociais (de acordo com a actualíssima Estratégia de Lisboa) e quanto à cidadania europeia - para que fique claro que a legitimidade europeia é dupla, dos Estados e das pessoas». O que fica por dizer é que este Tratado torna praticamente inviável uma alteração no rumo que a UE vem tomando desde Maastricht. Os domínios em que as decisões são tomadas por maioria dos votos do Conselho (permitindo que as decisões sejam tomadas contra a vontade de alguns países) são aqueles que visam garantir o funcionamento de um mercado interno livre da interferência dos Estados, inviabilizando assim a adopção de políticas públicas de desenvolvimento ao nível nacional. Pelo contrário, mantém-se o princípio do consenso (que garante a possibilidade de qualquer Estado vetar uma decisão, mesmo que os restantes 26 estejam de acordo) em todos os domínios em que a UE poderia fazer a diferença enquanto projecto de desenvolvimento de natureza democrática e social - leis laborais, direitos sociais, harmonização dos níveis de imposto sobre os lucros. Qualquer avanço no sentido da democratização da UE - que hoje tem um Parlamento eleito que pouco pode propor ou decidir, uma comissão europeia não eleita que propõe o que quer, e um conselho de ministros que quase tudo decide à porta fechada, muitas vezes sem estar mandatado para tal - está também ele dependente de um acordo entre todos os 27 estados.

Ou seja, a UE está blindada numa trajectória neoliberal e com este Tratado são cada vez menos as possibilidades de poder ser algo diferente do que é - mesmo que essa fosse a vontade da generalidade dos europeus. Esta Europa de mercado e anti-democrática desencanta cada vez mais. E seria bom que nos fosse dada uma oportunidade para o afirmarmos nas urnas. Demasiado bom, ao que parece.

1 comentário:

Ricardo G. Francisco disse...

Caro Ricardo,

A UE está em um trajecto mas não será liberal...social democrata, isso sim.

Ainda fazemos campanha do mesmo lado...por razões diferentes mas unidas...