quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Escola Pública

Parece que as escolas privadas ficaram outra vez nos primeiros lugares nos rankings dos exames nacionais. A direita intransigente, com a ligeireza que a caracteriza, diz que isto é a prova da superioridade do ensino privado. Mas qual é o espanto? Nos colégios privados o trabalho já vem feito de casa. Esse é aliás um dos grandes vícios de uma sociedade desigual: a trajectória dos indivíduos é em larga medida definida pelo sitio onde nascem. A direita quer apenas que isto continue assim.

A grande virtude do ensino público, por seu lado, é que ele não selecciona. O dinheiro dos papás não é para aqui chamado. Nem as suas arbitrárias preferências - religiosas, políticas ou outras. A escola pública não impõe barreiras de classe, de género ou de etnia à entrada. Só assim se podem formar cidadãos tolerantes que percebem que os valores do mérito e do trabalho só podem florescer quando as pessoas se respeitam por aquilo que são e não por aquilo que elas ou seus familiares têm. Por isso percebo bem que a direita tenha como objectivo central acabar com a escola pública para todos. No dia em que o conseguisse teria conquistado a vitória mais importante. É que numa sociedade capitalista a escola pública é um dos poucos espaços onde se podem criar laços que transcendem as barreiras que nos dividem. É sobretudo por isso que o Estado não deve nunca, repito nunca, financiar escolas privadas. Isso seria ajudar a construir, com o dinheiro de todos, essas barreiras.

7 comentários:

NC disse...

Você acha mesmo que a escola pública forma «cidadãos tolerantes que percebem que os valores do mérito e do trabalho só podem florescer quando as pessoas se respeitam por aquilo que são e não por aquilo que elas ou seus familiares têm.»?

Acha que as faculdades públicas que recebem a maioria dos alunos saídos destes colégios e que prestam provas públicas, os admiem em função do dinheiro ou da classe social?

«É sobretudo por isso é que o estado não deve nunca, repito nunca, financiar escolas privadas.» Totalmente de acordo. É preferível que subsidie os cidadãos e lhes deixe a eles a escolha da escola (pública ou privada) que querem.

João Rodrigues disse...

Acho que só a escola pode fazer isso. Se não for a escola pública quem é que será?

Claro porque são públicas. É esse o ponto.

É a mesma coisa.

Rouxinol disse...

João rodrigues, considere o caso da Suécia: Um sistema de cheque-ensino onde as escolas não podem pedir mais do que o valor cedido pelo Estado, há um tecto portanto. Com este sistema conseguímos evitar que se crie essa teia segregacionista e abrangemos todos os alunos, minimizando o impacto de desigualdades como o orçamento familiar e a proveniência, de forma a patentear outras desigualdades como a genética. Por outro lado aproveitamos a eficiência e a dinâmica que o mercado nos proporciona, havendo escolas a competir para atrair os vouchers cedidos pelo Estado, melhorando o seu ensino pelo lado da despesa.

Cumprimentos

Tiago disse...

Na escola pública o trabalho já vem feito de casa: Se os pais tiverem a formação ou o dinheiro para pagarem a explicadores.

A desigualdade não tem forçosamente a ver com ser público ou privado.

"The devil is in the details".

A questão de fundo não é se é público ou privado. A questão de fundo é a desigualdade.

É claro que muitas vezes privado=desigualdade. Sobretudo desregulado=desigualdade.

Uma sugestão: veja como funciona o sistema de saúde holandês (baseado em seguros). Verá que, apesar disso, é bastante eficiente. É claro que é altamente regulado e subsidiado. Mas as regras do seguro holandes são certamente muito diferentes de, por exemplo, o seguro americano.

NC disse...

«Acho que só a escola pode fazer isso. Se não for a escola pública quem é que será?»

As famílias e essencialmente elas. Têm o papel mais determinante na educação. E cada uma tem os seus valores. Não há ensino público que consiga acompanhar tal diversidade e pluralidade.

«Claro porque são públicas. É esse o ponto.» Não percebeu o meu ponto. Se as escolas privadas só admitissem pelo critério socioeconómico e não fornecessem enino de qualidade, as taxas de sucesso de admissão às universidades públicas seriam baixas. Esses meninos iriam todos para as universidades que apenas admitem malta com dinheiro e fingem que ensinam. Não é isso que acontece na realidade.

«É a mesma coisa.» Emtermos de débitos e créditos é a mesma coisa. Em termos de liberdade de escolha, os ganhos são mais significativos.

João Rodrigues disse...

Caros rouxinol e tiago,

Os vossos comentários tocam em pontos essenciais da discussão. Concordamos nos fins a questão é de meios (sendo que os meios escolhidos podem modificar os fins, mas isso é outra discussão). Não percebo quais os mecanismos que podem fazer com que o ensino melhore com o cheque-ensino. A eficiência é um conceito vazio fora dos pressupostos irrealistas do modelo de concorrência perfeita. Mercado=eficiência é apenas um slogan sem conteúdo. Ainda menos na educação dada a natureza do bem e o facto das decisões serem tomadas em nome de terceiros (espero desenvolver esta ideia num futuro post).

Onde é que está a evidência sobre a "eficiência" do sistema de saúde holandês? Mais uma vez: será que é apenas uma questão de definição?

Trazan: cada familia terá os seus valores, mas há limites. Aliás reconhecidos. Por isso não se safa facilmente assim. Uma familia que recuse, pelos seus valores, que as raparigas frequentem a escola ou que decida inculcar nas suas crianças "valores" racistas? Somos assim tão relativistas? Já agora aproveito para dizer que acho que um dos erros da esquerda foi o de ter entregue à direita a discussão dos valores que têm de ser partilhados.

Quanto ao seu ponto das universidades, peço desculpa. Percebi mal. Bom, mas o seu argumento não é convincente.
As escolas privadas que aparecem no topo recrutam na "elite" por isso não é surpreendente que consigam obter bons resultados que se reflectem na capacidade dos alunos entrarem nas universidades públicas. capital económico, culural e social. A questão é comparativa e a origem de classe é um elemento relevante da avaliação. Isto para já não falar nos critérios de hierarquização das escolas...

Tiago disse...

Sobre a evidência sobre o sistema de saúde (e desculpem puxar a discussão para a saúde) holandês:

1. Uma resposta mais académica seria provavelmente um link para um qualquer estudo sobre ratings
2. Tenho no entanto evidência bastante mais importante (sem valor estatístico, apenas pessoal): O facto de ter usado o sistema enquanto "pobre" (seguro de Ziekenfonds).

Note uma coisa: Eu não estou a defender o sistema de seguros. Estou apenas a dizer que o diabo está nos detalhes. O sistema holandês, apesar de basedo em seguros aparenta ser mais eficiente (eficiente para mim é responder com qualidade e de uma forma, no essencial, igualitária) que o inglês e o português (infelizmente conheço os três sistemas pessoalmente).

Um bom sistema baseado em seguros (altamente regulado, etc...) pode bater um mau serviço nacional de saúde. Mesmo em termos de acesso igualitário.

Eu acho que muitas vezes se confunde o bebé com a água do banho. O essencial não é ser público ou privado. O essencial é ser igualitário e de qualidade. Infelizmente, para algumas pessoas, a coisa torna-se na religião do estado.

Em última análise isto pode ser um exercício intelectual e pouco mais. Pois o estado na saúde, regra geral, parece ser mais eficiente que o privado na saúde. Mas é um exercício intelectual importante: O que interessa, no fundo, para a esquerda só pode ser o combate à desigualdade. O debate estado/privado, neste contexto, é apenas instrumental.