domingo, 13 de março de 2011
Ponto de situação
Que surpresa maravilhosa ontem: cerca de duzentos mil manifestantes em Lisboa, oitenta mil no Porto, milhares por outras cidades do país, jovens na maioria, jovens que não caem na armadilha da luta de gerações. A unidade intergeracional faz-se com a luta contra a precariedade e os salários baixos, uma combinação que é a expressão de um capitalismo medíocre porque sem contrapoderes legais e sociais robustos, contra o desemprego de massas, a consequência de políticas de austeridade destrutivas. Um protesto espontâneo e pacifico mostrou um país digno, um país de cidadãos que não se deixam atemorizar pela chantagem antidemocrática dos mercados financeiros sem trela, de cidadãs que sabem que só a acção colectiva, o tal nós, pode contrariar os planos de contínua regressão, formulados e instituídos pelos doutrinários do choque e do pavor, os que nos querem conformados e amedrontados porque isolados. Seguir-se-á outra manifestação no dia 19. Que sejamos cada vez mais: a esperança contra o medo.
O PEC adicional
O governo anunciou mais um pacote adicional de austeridade, o PEC IV, na linha dos anteriores: cortes nas pensões, «poupanças adicionais» na saúde, «redução adicional» da despesa com prestações sociais, revisão adicional das indemnizações por cessação do contrato de trabalho e das condições de atribuição do subsídio de desemprego. Entre outras medidas de redução adicional da despesa figuram ainda as «reformas no sistema educativo» e no «sistema científico e tecnológico», feitas respectivamente em nome - pois claro - da «melhoria do sucesso escolar» e do «perfil competitivo da economia portuguesa».
Os economistas da recessão congratulam-se com a manutenção do rumo e, tal como em episódios passados, não tardarão a vaticinar a necessidade de novos PECs - à imagem e semelhança deste e dos anteriores - para que o abismo austeritário prossiga a sua marcha. Para além das omissões quanto à desigualdade na distribuição dos sacrifícios, às disfuncionalidades da governação económica europeia e à face especulativa do sistema financeiro, estes economistas persistem em não responder a algumas perguntas simples: Como pode o reforço imparável da anemia económica, do desemprego e da quebra do consumo gerar crescimento? Como se supõe que a trajectória recessiva inspire confiança nos mercados, de modo a fazer descer os juros da dívida e criar condições para cumprir as metas do défice? Como explicam que a terapia doentiamente obstinada que defendem (e que tem sido seguida desde o início da crise) contrarie de forma sistemática os resultados esperados?
(*) Tendo em vista uma melhor visualização dos dados, as percentagens relativas ao «indicador de clima económico» e «perspectivas de poupança das famílias» foram convertidas numa escala de 0 a 10. Os dados são do INE e do Banco de Portugal.
sábado, 12 de março de 2011
Globalização, euro e "geração à rasca"

Uma observação fria da situação na União Europeia em 2008 conduz assim à constatação de que ela não está, de modo nenhum, a progredir em direcção a uma zona económica e monetária unificada, mas antes está a recuar para um aglomerado de regiões sem solidariedade, em que os ricos não querem transferir recursos para os pobres. Nesta Europa, as regiões pobres vão tornar-se mais pobres e as regiões ricas ainda mais ricas. Nisto, a mundialização é uma centrifugadora que pode acabar por fazer explodir o euro e, por que não, a Europa."
sexta-feira, 11 de março de 2011
Parabéns
A banca tem de ter cuidado com a austeridade que desejou

Além dos cortes orçamentais e das alterações na legislação laboral já analisadas pelo José Guilherme aqui abaixo, vale a pena olhar com atenção para os planos do Governo em relação à banca. O governo fala da necessidade de melhorar as suas necessidades de financiamento. Num contexto de elevado endividamento externo e face ao novo contexto macroeconómico recessivo e de turbulência nos mercados financeiros, boa parte da banca portuguesa deixou de ter acesso aos mercados de capitais de que dependia para financiar as suas operações domésticas. O BCE surgiu como salvador de última instância na concessão de crédito, evitando assim o colapso.
Enganam-se se pensam que este é um problema somente dos países periféricos. A banca da zona euro vive problemas generalizados de financiamento. Além da sua exposição à crise dos títulos de dívida pública, a banca europeia enfrenta problemas de financiamento dos seus activos denominados em dólares: com a desvalorização do dólar em relação ao euro, os bancos precisam de mais euros para financiar as suas posições. O apoio do BCE tem-se revelado essencial para que se evite uma nova crise bancária. No entanto, a situação de escassez de crédito na zona euro torna a situação dos bancos periféricos muito mais aguda.
Face à escassez de liquidez e com problemas de solvabilidade à espreita (graças ao aumento do crédito malparado num contexto de recessão), o Governo (BCE?) obriga os bancos a encolherem os seus balanços (vendendo os seus créditos e amortizando a sua dívida) e a aumentarem o seu capital, de forma a torná-los mais robustos e assim conseguirem recuperar a confiança que perderam nos mercados. O Estado português tenta assim a todo custo evitar o cenário espanhol, onde a banca, graças à implosão do sector imobiliário, necessita de angariar 15 mil milhões de euros até Setembro. Caso contrário, será capitalizada (nacionalizada) pelo Estado, com evidentes consequências no endividamento público.
Esta desalavancagem do sistema financeiro terá como efeito previsível uma contracção do crédito à economia com os efeitos recessivos associados. Corremos assim o risco de estarmos perante uma pescadinha de rabo na boca: os bancos emprestam menos para melhorar a sua posição, com menos crédito o investimento e o consumo diminuem, com uma contracção do produto o crédito malparado aumenta, enfraquecendo os bancos…
A fuga para frente deste imbróglio poderia estar na venda dos bancos portugueses a investidores estrangeiros a preço de saldo. Contudo a posição das elites nacionais, até agora poupadas à austeridade, é imprevisível neste cenário, já que é através da banca que os grandes interesses estão organizados nos mais diversos sectores.
A Grécia ao fundo do túnel

Quem ainda não percebeu que a austeridade no contexto de uma recessão pode aumentar o défice público, e não diminui-lo, olhe para a Grécia. Como noticia o Jornal de Negócios, o défice Grego em finais de Fevereiro deste ano foi de 1.028 milhões de euros. No mesmo período do ano passado (antes da austeridade) era inferior (944 milhões). As receitas caíram 9% e as despesas aumentaram 3,3%.
Em 2010 a economia grega encolheu 4% sobre uma contracção de 2,3% em 2009. E nos dois primeiros meses deste ano tem continuado a recuar. As receitas fiscais diminuíram 9% e as despesas aumentaram 3%.
Como é possível um défice aumentar com tanta austeridade? É simples: uma economia nacional não é a economia de uma família. Uma família que chega ao fim do mês com mais despesas que receitas pode reduzir o défice cortando as despesas (se não poder aumentar as receitas). Mas a redução das despesas de um estado (e o aumento das receitas com mais impostos) tem como efeito, em contexto de recessão, a contracção da procura, das vendas de bens e serviços, do emprego e do rendimento. A sua capacidade de cobrar impostos diminui e algumas despesas (nomeadamente prestações sociais) aumentam automaticamente.
Isto poderia não ser assim se as exportações aumentassem muito, ao mesmo tempo que diminuiam as importações. Mas numa Europa em que todos praticam a austeridade (inclusive os que dela não precisam) e que cresce pouco, as exportações não podem aumentar tanto quanto o necessário.
Faz de facto todo o sentido dizer que quando se quer reduzir o défice, nem sempre é uma boa ideia cortar o gasto público. Assim como me parece fazer sentido voltar a lembrar, em dia de PEC IV, que no fim do nosso túnel está a Grécia.
A ideia é bater no fundo

O Ministro das Finanças apresentou hoje o PEC IV. Já tinha ameaçado, hoje bateu. E bateu nos mesmos de sempre. As "negociações" com a Sra. Merkel produziram efeitos mais depressa do que o esperado.
O corte na despesa social abrange pensões (incluindo pensões mínimas e de sobrevivência), prestações sociais, custos com medicamentos. Estão ainda previstas reduções no investimento público, de forma directa, através das empresas públicas e através das autarquias. Ao nível da fiscalidade, são introduzidas novas mexidas nas taxas do IVA e aumentos dos outros impostos sobre o consumo. Ou seja, cortes sociais, política económica recessiva, política fiscal regressiva. A santa trindade de quem dirige a Europa e o nosso país.
Mas talvez o aspecto mais grave deste novo pacote seja a alteração na regra dos despedimentos. O número de dias de indemnização por ano de serviço desce de 30 para 10, um dos valores mais baixos da Europa (só não é o mais baixo graças aos países de Leste). Ou seja, num contexto de 11,2% de desemprego, o Governo abre a época de saldos nos despedimentos, com um desconto de 66%. Uma opção apetecível para muitas empresas, mas ruinosa para a economia, como já foi indicado inúmeras vezes neste blog.
O Governo repetiu dezenas de vezes que esta medida se aplicava apenas aos novos contratos. Já seria suficientemente grave, mas agora o Governo anuncia uma avaliação do impacto desta medida no mercado de trabalho. Se esse impacto não for significativo, generalizará a regra aos contratos existentes. Como é bom de ver, a avaliação está feita. Como se pode avaliar uma medida que só se aplica aos novos contratos em caso de despedimento num prazo de oito meses? Do que se trata é da introdução em dois passos de uma medida que abala os alicerces do direito do trabalho.
A ideia é a que assiste a toda a ideologia da precariedade: se for mais fácil despedir, os empresários contratarão mais e o emprego aumentará. Simples e claro, primário até. É uma pena a realidade desmentir esta teoria tão cabalmente. É que quando uma economia não cresce, ninguém contrata. Se há menos procura, a economia não cresce. E se as empresas despedem com maior facilidade, os trabalhadores consomem menos. É menos simples (e já simplifiquei muito), mas tem mais suporte na realidade.
Vêm tempos negros para este país. Hoje saberemos o que sai da cimeira europeia. Mas se a atitude das economias periféricas for a de pedir batatinhas à Alemanha, a coisa vai acabar muito mal. Para portugueses, gregos, irlandeses... e alemães.
Mudar


A primeira imagem é da autoria de gui castro felga. A segunda imagem é da CGTP. Definitivamente, só a convergência política das lutas sociais pode superar este círculo vicioso, criado pela economia política da austeridade, que destrói o Estado social e a economia: Governo anuncia novo PEC com mais austeridade já para 2011.
quinta-feira, 10 de março de 2011
Leituras

Até quando?
Segurança, uma necessidade básica que o neoliberalismo ignora

"Os estados liberais de bem-estar na Europa não foram construídos a partir de uma visão utópica do futuro; foram construídos como barreira à Europa do século XX tal como tinha acabado de ser vivida.
Tenha-se em conta que a maioria dos homens que construíram os estados de bem-estar na Europa não eram jovens social democratas. A maior parte das pessoas que de facto implementaram este programa depois de 1945 na Europa Ocidental eram Democratas Cristãos ou liberais e não socialistas de qualquer filiação. (...)
Todos estes homens eram adultos antes de 1914. Tinham crescido na geração Edwardiana reformista dos finais do século XIX, mas também se lembravam da Europa antes da catástrofe, antes dos eventos cataclísmicos de 1914-45. Viam-se a realizar não só a conclusão dos grandes projectos de reforma liberal do fim do século XIX, mas também uma barreira, na sua maneira de ver, contra o regresso da depressão, da guerra civil, da actividade política extremista. Todos partilhavam o ponto de vista de Keynes, formulado imediatamente antes da sua morte em 1946, de que após a experiência da 2ª Grande Guerra haveria na Europa um anseio de segurança, social e pessoal. E houve. O estado de bem-estar foi construído antes de mais como uma revolução de segurança e não como revolução social."
(Ver aqui o texto completo, magnífico, de Tony Judt)
quarta-feira, 9 de março de 2011
Dividir para reinar

Mas não se pode esticar a corda indefinidamente. O crescimento exponencial do crédito ao consumo, sobretudo à habitação, permitiu disfarçar a expropriação e mitigar o descontentamento durante algum tempo – mas tal como o sol não se tapa com a peneira, também a desigualdade não se resolve através do crédito. Agora, ao esgotar-se a possibilidade do recurso generalizado ao crédito enquanto mecanismo temporário de acomodação das tensões sociais, estas agudizam-se – nas ruas, nos locais de trabalho, na batalha das ideias. Aumentam a indignação e a mobilização populares e, com elas, as esperanças de um movimento generalizado de resistência à barbárie.
Ao mesmo tempo, surgem também as tentativas de deflectir a indignação e a revolta para alvos que assegurem a manutenção do status quo: os imigrantes, que supostamente estão na origem da deterioração da situação dos nacionais; os funcionários públicos, que supostamente gozam de regalias indevidas; as gerações mais velhas, que supostamente quiseram tudo e enquistaram nas posições alcançadas. Dividir para reinar: nacionais contra estrangeiros, trabalhadores do sector privado contra funcionários públicos, precariado jovem contra as gerações anteriores.
Conhecemos a estratégia e não nos deixamos enganar por ela. Jovens precários, desempregados, imigrantes, funcionários públicos ou trabalhadores em geral, a nossa luta é a mesma: contra a desigualdade, contra o abuso, por uma sociedade decente. Se temos um inimigo, são as elites medíocres que beneficiam deste estado de coisas e os ainda mais medíocres apaniguados que articulam o discurso que convém a estas. Por isso estaremos na rua no dia 12 e, depois, no dia 19. E não pararemos por aí.
(Imagem retirada de http://oblogouavida.blogspot.com/ )
Igualdade de género e trabalho digno: paradoxos do poder
"Há uma corrente de pensamento que evoca a passagem à sociedade pós-salarial para escrever os tempos presentes, anunciando a progressiva morte do trabalho assalariado e a generalização da iniciativa empresarial. Inspirada nos ideais do neoliberalismo, esta tese – muito em voga – transfere a empregabilidade para o foro da responsabilidade de cada um e de cada uma, a quem cabe, ao longo da vida, investir na respectiva carreira profissional, dotar-se de espírito empreendedor e fazer-se vencer.
Embora valorize muito o esforço e a iniciativa individual, não posso seguir uma perspectiva que faz tábua-rasa dos constrangimentos ideológicos e materiais, das desiguais oportunidades na esfera económica e na sociedade em geral, onde, como sabemos, as desigualdades de género se colocam de uma forma ainda muito saliente. As mulheres são sub-remuneradas em relação aos homens e ocupam os postos de trabalho mais precários, mesmo quando exercem funções idênticas e detêm os mesmos (ou superiores) níveis de qualificação escolar. É comum depararem-se com barreiras, nem sempre visíveis (os designados “tectos e paredes de vidro”), mas que as impedem de aceder aos lugares estratégicos de poder e decisão. Possuem menos recursos económicos e financeiros ao longo de toda a trajectória de vida, além de disporem de menos tempo – realidade que remete para a necessidade de renegociação das relações de género no espaço doméstico/privado. (…)
As mulheres são detentoras de elevadas qualificações, de saberes formais e informais que importa orientar para bem da reabilitação do tecido empresarial, da economia e do desenvolvimento sustentado do país. Este só se constrói de mãos dadas com a promoção do trabalho digno, que inclui protecção laboral, qualidade de vida, diálogo social e oportunidades iguais e justas. Mas onde está a referência ao trabalho digno no instrumento de política em vigor? Por que não mereceu acolhimento esse conceito tão nobre, referenciado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), no Plano Nacional para a Igualdade – Género, Cidadania e Não Discriminação (2011-2013)? Diria que expirou como se não tivesse validade, mesmo antes de vir à luz dos dias… Apesar de serem estes os dias que lhe deveriam conferir centralidade. É que há temas fáceis, superficiais, ofuscantes... Outros nem tanto. Paradoxos do poder que esmorecem a igualdade…"
Professora do ISEG-UTL, Departamento de Ciências Sociais. Ex-presidente da Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género (CIG).
terça-feira, 8 de março de 2011
Liderado pelos credores ou pelos devedores?
Um horizonte carregado de núvens

Diz o El País: "A União Europeia e os investidores deveriam ter em conta que se levam ao extremo o rigor da austeridade, países como a Irlanda, Portugal ou Grécia podem ver-se forçados a reestruturar a sua dívida, e os investidores e respectivos países teriam de pagar as consequências."
Em vez de reuniões em Berlim, Zapatero já devia ter reunido com Sócrates e, no fim do encontro, deveriam ambos ter pronunciado esta frase do El País. Como argumento negocial, valeria muito mais que os resultados preliminares da austeridade. Infelizmente, o populismo que hoje domina a Alemanha não parece permitir decisões em Bruxelas que eliminem de vez a especulação contra o euro. Por isso, uma vez arrumado Portugal, os especuladores começarão a preparar o dia do juízo final da Espanha.
Quanto à eficácia da austeridade na redução da nossa dívida pública, talvez consigamos fazer um pouco melhor que a Grécia. Mas, como aqui disse, já não nos livramos da reestruturação porque o problema da Ibéria não é de liquidez; é de crescimento sustentável. Assim, de acordo com a figura, os nossos credores em Espanha que se cuidem. E os da Espanha também, porque é uma questão de tempo.
segunda-feira, 7 de março de 2011
Razões para o protesto

Auditoria na Grécia

Num dia em que a agência de notação Moody's reduziu a avaliação da dívida grega em três níveis, a reestruturação desta parece inevitável. Dada a profunda recessão que a Grécia atravessa e a recusa de mudanças no pacote de “ajuda” europeu, não surpreenderia que tal processo fosse mesmo antecipado. Para nós em Portugal, a Grécia tem a vantagem de servir como razoável bola de cristal para o que nos aguarda. Está na hora de começarmos a aprender e a antecipar.
domingo, 6 de março de 2011
Amartya Sen em Coimbra

sábado, 5 de março de 2011
Sem um pingo de Dignidade

Sócrates foi à Alemanha. Com a lição bem estudada, números cuidadosamente seleccionados e uma maçã para a professora. A maçã somos nós. Mais concretamente, os salários, as prestações sociais, o aumento dos impostos de quem vai pagar a crise por inteiro.
No fim do dia, Sócrates congratulou-se com a aprovação das medidas de austeridade por parte da Chanceler Alemã. Uma aprovação pouco surpreendente, tendo em conta que o Governo alemão está já hoje a preparar o agravamento da disciplina orçamental e das medidas de austeridade, atacando ainda mais serviços públicos, direitos do trabalho e prestações sociais.
Em primeiro lugar, não deixa de ser extraordinário o ponto a que chegou a suspensão do funcionamento das instituições europeias. O Primeiro-Ministro já nem disfarça e vai dar as explicações directamente a quem manda. Qual Comissão Europeia, qual Parlamento Europeu, qual Presidente da União Europeia (sabem como se chama?).
Angela Merkel também não fez muito por manter as aparências. Disse que nunca tinha dito que Portugal precisa de ajuda. Só disse quais eram as medidas que Portugal devia aplicar (sic). Não se sabe com que mandato a Alemanha dá instruções a Estados-Membros, mas sabemos quais são essas instruções. E já percebemos também que o nosso Governo continuará a seguir à risca as ordens superiores.
Sócrates saiu aprovado porque mostrou à Chanceler alemã o que ela queria ver: medidas de austeridade destinadas a garantir os interesses dos credores, a começar pelos bancos alemães. Mesmo que isso signifique destruir a economia portuguesa. Tivesse o Primeiro-Ministro levado uma reforma fiscal justa e talvez a reacção fosse diferente.
Para lá de toda a Realpolitik, o actual contexto da União mostra uma coisa a quem a quiser ver: aos países da periferia têm de se unir para exigir e impor uma política orçamental europeia, mecanismos solidários de resposta à crise. A estratégia do bom aluno produziu os resultados que podemos observar. E, se assim continuar o nosso Governo, ainda não vimos nada...
Publicado também em esquerda.net
sexta-feira, 4 de março de 2011
Rumo à tempestade perfeita
2. Os bancos franceses e alemães, principais detentores da dívida pública portuguesa, lá vão continuando a sua estratégia de se livrarem dos títulos portugueses junto do BCE. Os bancos portugueses, financiados pelo mesmo BCE, tomam o seu lugar. O Estado português vai assim perdendo a sua principal arma negocial junto da UE: ameaça de reestruturação da sua dívida e consequente efeito no frágil sistema bancário europeu. A inevitável reestruturação fica adiada até 2013, quando não existir risco de maior para os bancos do centro. Entretanto, dois anos de austeridade a marcar passo.
3. Os bancos nacionais estão cada vez mais nervosos. Dependentes do financiamento do BCE e com as taxas de incumprimento a aumentar no próximo ano, criticam o governo pelas novas exigências de capital e pedem “rentabilidade garantida para o accionista”, semelhante à existente no sector eléctrico. Relembrem-me: por que é que os bancos devem ser privados?
Do monstro...
Pedro Lains, Negócios.
O Estado produz bens e serviços úteis. As actividades de produção do sector público, tendencialmente muito intensivas em trabalho, somam-se às dos outros sectores, criam, e ajudam a criar, valor e contribuem para a riqueza de um país. Tudo isto é relativamente simples, mas pode ser ofuscado pela percepção selectiva gerada por certas ideologias. A produção do “monstro devorador”, a provisão pública, gera rendimentos. Os impostos, pagos pelo sectores público e privado, não são mais do que um “pagamento socializado” por um conjunto de actividades com valor, mas não necessariamente com valor de troca, dada a sua natureza geralmente não-mercantil, e que têm várias dimensões, incluindo a “distributiva” a que alude Lains. Leia-se sobre isto o esclarecedor artigo do economista Jean-Marie Harribey.
quinta-feira, 3 de março de 2011
O manifesto em livro

quarta-feira, 2 de março de 2011
A austeridade é necessária para Portugal sair da crise? II

Do regime de crescimento económico anémico, que pressiona as finanças públicas, à inserção económica dependente, que se traduz num elevado endividamento ao exterior, uma parte fundamental dos nossos problemas chama-se euro disfuncional. Trata-se de uma moeda sem governo económico com a mesma escala, capaz de instituir políticas de combate à crise e de relançamento, em especial nas suas mal apetrechadas periferias. Neste contexto europeu, e com este ou outro governo de liberal submissão aos interesses dos "nossos parceiros", estamos condenados a um definhamento socioeconómico que só agravará o problema da dívida.
Por que é que quem apoia a austeridade, nunca apoia as políticas de austeridade realmente existentes?
Portugal imita, em 2011, a Grécia e a Irlanda: a austeridade já não é a conta gotas. A torneira abriu-se e a história repete-se. Os economistas pré-keynesianos ganharam politicamente em toda a linha. O refúgio na retórica vaga da "gordura do Estado" é uma fuga à ética da responsabilidade. É evidente que nenhum espírito isento discordará do combate ao desperdício, aos grupos económicos que parasitam o Estado e fogem às suas responsabilidades fiscais ou ao cancro da economia informal. No entanto, as politicas de austeridade exigidas pelos "mercados" e pelas "estúpidas" regras dos pactos europeus implicam em todo o lado fazer cortes abruptos, injustos socialmente e contraproducentes economicamente.
Por que é que a lógica intrínseca e as consequências inevitáveis das políticas de austeridade não são enunciadas?
Estamos já em plena política à FMI, mesmo que sem uma das variáveis, a desvalorização cambial, que tornou no passado estas políticas menos destrutivas. Neste contexto, vários estudos, incluindo do próprio FMI, reconhecem que a austeridade é sempre recessiva. Os cortes nas despesas sociais e nos serviços públicos, os cortes salariais na função pública e o aumento do desemprego, que se segue à compressão da procura, aumentam o medo na economia, levando à aceitação de cortes salariais no sector privado e, com as alterações regressivas da legislação laboral associadas, a uma diminuição do poder da esmagadora maioria dos trabalhadores. Esta é a inconfessada economia política da austeridade.
O resto do meu contributo para a segunda ronda do Frente a Frente sobre austeridade pode ser lido no blogue Massa Monetária do Negócios. O contributo de Álvaro Santos Pereira também.
terça-feira, 1 de março de 2011
O credo da "economia da oferta"

Num blogue do Jornal de Negócios, “75% dos leitores diz que a austeridade é mesmo necessária”. Aqui está um indicador da hegemonia que a “macroeconomia das trevas” exerce na mente dos cidadãos.
O argumento de Álvaro Santos Pereira (ASP) é duplamente revelador. Diz que “A austeridade é necessária mas não suficiente”. Diz que é necessária “para combater os desequilíbrios das contas públicas e o endividamento exterior.” Porém, conclui o depoimento (nº 5) dizendo que, estando a austeridade a ser aplicada a “conta-gotas” e “sem políticas que ajudem a economia a recuperar da crise e da estagnação”, acabará por induzir uma espiral recessiva.
Ponhamos de lado a inovação argumentativa da política a “conta-gotas” que remete para a ideia popular de que é sempre melhor fazer o mal todo de uma só vez do que aos poucos. Em última análise, ASP não quer que fiquemos a pensar que na sua teoria económica já não há lugar para efeitos multiplicadores da despesa pública corrente e de investimento. Tendo consciência de que perderia toda a credibilidade profissional se ignorasse os efeitos recessivos da austeridade, num contexto em que não é possível a desvalorização cambial, recorre à ideia (velada) de que faltam as “reformas estruturais”.
Bem sabemos o que são essas miraculosas políticas que, “fazendo o mal de uma vez só”, nos livrariam da “crise e da estagnação”. Na Letónia, durante os anos de 2008-2010, produziram uma quebra do PIB de 25%, superior à da Grande Depressão nos EUA, e uma emigração em escala dramática, superior às deportações do estalinismo. Se ASP pretende referir outro tipo de políticas que não sejam as da “desvalorização interna” (redução de salários, cortes selvagens nos serviços públicos) deveria ter a coragem intelectual de dizer quais são e onde é que produziram o resultado que refere – anulação dos efeitos recessivos da austeridade. Agora, não tem o direito de iludir os leitores menos informados ao dizer que a solução está em cortar no “despesismo”. O despesismo deve ser sempre combatido, mas ASP bem sabe que toda a racionalização da administração pública deve ser feita em período de crescimento. Nunca em recessão pois é contraproducente.
ASP não podia ser mais explícito porque o argumento não tem qualquer suporte na realidade. A corrente da "economia da oferta" em que mergulhou é o seu credo e remonta à Lei de Say. Com acesso privilegiado aos meios de comunicação de maior audiência, ASP faz parte de um grupo de economistas que recorre à ortodoxia económica para cobrir de respeitabilidade opiniões que são pura ideologia. Que a RTP, paga com o dinheiro dos contribuintes, também esteja colonizada por estes economistas pregadores de uma teoria económica pré-1929 diz muito da qualidade da democracia em que vivemos.
As ideias contam
O abismo do ciclo austeritário prossegue. Perante a evidência da catástrofe económica e social dos seus resultados, nenhuma ilacção se retira, nenhuma lição se colhe. A agenda económica neoliberal prevalece, coloniza o espaço mediático e bloqueia a discussão de alternativas. A crise económica é também uma crise da democracia.
Integrada no Ciclo de Debates Saberes em Diálogo, a sessão "As ideias contam: Economia, crise e democracia" realiza-se no Centro de Estudos Sociais, em Coimbra, no dia 3 de Março às 14.30h, contando com a presença de Ana Cordeiro Santos, Manuel Rodrigues, Cristina Andrade, Pedro Lains, Sandra Monteiro e Nuno Serra.
segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011
Quem controla o quê?
Ler Alejandro Nadal: O governo controla o gasto, não o défice.
Economia para todos

sábado, 26 de fevereiro de 2011
Universidade "Estado Mínimo, Crise Máxima"
Transmissão em Directo e Gravações aqui
UNIVERSIDADE DE PRIMAVERA DO FÓRUM MANIFESTO
Estado Mínimo, Crise Máxima
25 a 27 de Fevereiro, Ovar
PROGRAMA
25 de Fevereiro, Sexta 21H
Conferência de abertura: ‘Estado e Sociedade’
Luís Fazenda e José Manuel Pureza
26 de Fevereiro, Sábado
10h – 12h30
Sessão de trabalho – Serviço Nacional de Saúde
Aula: Pedro Ferreira – Professor da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra
Mesa Redonda: com João Semedo
14h30 – 17h30 Sessão de trabalho – Educação
Aula: Manuel Sarmento – Universidade do Minho
Mesa Redonda: com Ana Drago e Maria José Araújo
18h
Mesa redonda ‘A nova esquerda e os novos na esquerda’
Com Hugo Ferreira, Gonçalo Monteiro, Pedro Feijó e José Miranda
Moderação de Daniel Oliveira
21h
Sessão de trabalho – Cultura
Com Catarina Martins
27 de Fevereiro, Domingo
10h – 12h30
Sessão de trabalho Segurança Social
Aula: Carvalho da Silva – Secretário-Geral da CGTP
sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011
A austeridade é necessária para Portugal sair da crise?
As ideias são uma força material...
"A autoridade, uma construção intensamente social, sobrepõe-se aos factos quando a correlação de forças é desfavorável à reforma. Os simples factos, mesmo que sejam factos no valor de 2 biliões de dólares, raramente vencem uma boa ideologia." O economista político Mark Blyth tem uma interessante reflexão no blogue Triple Crisis sobre a ausência de mudança no paradigma económico dominante. Blyth está bem posicionado para o fazer. Afinal de contas, trata-se do autor de um dos melhores livros que já li sobre a interacção entre as ideias e as transformações institucionais em contexto de crise económica: Great Transformations.
quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011
Tudo na mesma?

Governar para a estatística (III)
Não questiono a pertinência do tema: como aqui afirmei, a prioridade atribuída aos sectores transaccionáveis é uma boa intenção, que só peca por vir com 20 anos de atraso. Mas a fixação de uma meta artificial contém a mesma falta de racionalidade e riscos de efeitos perversos que as metas orçamentais ou de I&D.
A meta não é racional por três motivos principais: primeiro, ela não reflecte o que importa verdadeiramente medir – o valor acrescentado – ignorando que algumas importantes exportações correspondem a actividades fortemente importadoras, que deixam pouco rendimento em Portugal; em segundo lugar, o valor das exportações portuguesas depende menos da capacidade competitiva das empresas portuguesas do que da evolução dos preços nos mercados internacionais (não é por acaso que os produtos que mais contribuíram para o crescimento das exportações portuguesas na última década foram as matérias-primas e energéticas: a procura das economias emergentes e os eventos especulativos trataram de puxar para cima os preços desses bens, contribuindo para aumentar o valor das exportações… mas também das importações, pelo que a deterioração da balança comercial prosseguiu); em terceiro lugar, nos próximos dez anos o valor cambial do euro (que Portugal não controla) será muito mais relevante para o desempenho exportador do que os esforços internos.
Ou seja, se em 2020 atingirmos a nova meta para as exportações, isso pouco nos dirá acerca do reforço da competitividade externa das empresas domésticas – e ainda menos sobre a sustentabilidade da economia portuguesa. Não obstante, se se levar a sério aquela meta, iremos assistir ao longo da próxima década a fenómenos como a promoção de investimentos (nacionais e estrangeiros) de reduzida qualidade desde que em actividades fortemente exportadoras; a canalização dos apoios públicos para a produção de bens e serviços para exportação, mesmo que de baixo valor acrescentado e emprego criado; e, claro está, muita contabilidade criativa por parte de empresas que irão mascarar-se do que for preciso para acorrer aos dinheiros públicos.
quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011
O Elefante na sala

Tudo depende de nós.

O Governo corre contra o tempo. Procura desesperadamente obter financiamento fora do “mercado”. Mas a autonomia financeira para alguns meses de pouco servirá. O BCE tem nas mãos o financiamento dos bancos portugueses e, por conseguinte, tem o poder de precipitar a qualquer momento o telefonema que o Primeiro-Ministro fará a pedir ajuda a Bruxelas.
Uma vez que Angela Merkel não tem margem de manobra para aceitar um acordo sobre o Fundo de Estabilização que abra a porta à mutualização da dívida dos Estados-Membros, começa a ficar claro que não só vamos ter de aceitar um empréstimo em condições gravosas (taxa de juro incomportável, austeridade selvagem, degradação adicional do Estado social), como nem sequer serão tomadas decisões que acabem com a especulação contra o euro. Arrumado Portugal, segue-se a Espanha.
Tudo indica que a Eurozona está presa do discurso populista contra os “países despesistas” da periferia da União, um discurso com grande aceitação junto das classes populares dos países ricos do centro que há muito estão sujeitas à política de “moderação salarial”, com deslocalizações da indústria e cortes no Estado social, para responder à pressão competitiva da globalização sem freio. De pouco importa que o problema da dívida soberana seja sobretudo o resultado da especulação financeira desenfreada e dos inevitáveis desequilíbrios macroeconómicos entre países de muito desigual nível de desenvolvimento integrados numa zona monetária sem integração política. O que importa é que a narrativa neoliberal é hegemónica nos meios de comunicação social.
Muito provavelmente pela mão do PSD, os Portugueses terão de suportar uma deflação (austeridade selvagem no Estado, privatização de sectores do Estado social, redução dos salários também no sector privado) imposta por Bruxelas e mais que desejada pelos "falcões" do PSD. É uma fatalidade? Não, não é. Está nas mãos dos cidadãos portugueses dizer NÃO por (pelo menos) três grandes razões: 1) Com uma deflação não conseguiremos pagar as dívidas, como os exemplos da Grécia e Irlanda sugerem; 2) Os bancos alemães, franceses e outros tinham obrigação de avaliar melhor a sustentabilidade do crédito que concederam anos a fio, sabendo muito bem que o país não tinha capacidade competitiva para crescer e permanecer solvente; 3) Quem deve pagar a crise deve ser quem mais beneficiou das suas causas, as classes de mais elevados rendimentos e a finança.
E então? Se nos mobilizarmos como os cidadãos do outro lado do Mediterrâneo, podemos eleger um governo que atenda a estas razões, um governo que reestruture a dívida pública e promova uma política de crescimento apoiada por uma fiscalidade corajosamente progressista. Ao fim de um ano teríamos um crescimento que nos daria força negocial para negociar a reestruturação da dívida para um montante e calendário suportáveis. E teríamos posto Bruxelas no seu lugar. Mais importante, teríamos evitado um desastre social e estaríamos em melhores condições para exigir algumas derrogações aos Tratados que possibilitem políticas de desenvolvimento industrial (política orçamental activa, política industrial, discriminação fiscal para a produção de bens transaccionáveis).
Tudo depende de nós.
terça-feira, 22 de fevereiro de 2011
As Entorses do Pensamento

Os números da Execução Orçamental estão a originar um concurso de contorcionismo entre o Governo e a Direita. É bastante comum que toda a gente pegue pelo lado que mais lhe agrada e isso faz parte da política.
Acontece que os números de Janeiro deste ano se prestam particularmente a excessos de interpretação, sobretudo no que diz respeito à Receita. Sendo números relativos ao primeiro mês de um ano em que entram em vigor várias alterações fiscais por comparação com um ano que teve alterações fiscais a meio. Assim, há que ter em conta que:
1. Os dados de Janeiro de 2011 comparam com Janeiro de 2010, o que significa que expressam as alterações fiscais do OE2011 (IVA) e ainda as do PEC (IRS, IRC e mais IVA). Assim sendo, as variações homólogas de Janeiro nunca seriam uma boa medida do ajustamento no final do ano, já que o segundo trimestre comparará com meses em que já vigorava o PEC II.
2. O aumento da receita fiscal de 350 inclui 50 que dizem respeito à amnistia fiscal para repatriamento de capitais (a segunda deste Governo, que quer mostrar que quem deve, não tem nada a temer);
3. Os resultados são ainda influenciados de forma anormal pela entrada em Janeiro de receitas tributárias relativas a dividendos distribuídos que foram antecipados para o final de 2010, para evitar as novas regras de tributação.
4. Assim, os resultados da receita são marcados fundamentalmente por um aumento extraordinário de 125 milhões do IRC (amnistia e dividendos), 76 milhões de IRS (reflexo do aumento do IRS do PEC) e 60 milhões do IVA (+3p.p. do que em Janeiro do ano passado).
O Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, provavelmente por ser incapaz de fazer as figuras que faz o nosso Primeiro-Ministro, lá reconheceu que este arranque se diluirá ao longo do exercício. Com efeito, o que uma análise mais cuidada dos dados mostra é que não é possível extrapolar estes números para o conjunto do exercício. Nem na sua dimensão, nem no contributo relativo das várias componentes.
Há uma coisa, no entanto, que é muito evidente. Com o país novamente em recessão e com a diminuição drástica dos impostos que irão ser pagos pela banca, quem vai suportar o ajustamento orçamental são aqueles sobre quem irá incidir o aumento do IVA e do IRS e os cortes salariais e das prestações sociais, que são as duas variáveis que contribuíram para a contenção da despesa.
O que Sócrates considera muito positivo é um processo de expropriação dos expropriados do costume, num contexto que voltou a ser de recessão económica.
Querem pior?
A resposta da Direita é que o problema é o ajustamento ser feito do lado da receita. Só é pena não completar o raciocínio. Se não é pelo lado da Receita, é por onde? É que o desajustamento orçamental foi pelo lado da Receita, como se pode ver pelos dados das Contas Gerais do Estado (2008-2009):

O que a Direita propõe é que um desajustamento orçamental, criado pela quebra de receita decorrente da crise económica, seja corrigido através da despesa. Certamente que muito haverá a cortar em desperdícios mas, entendamo-nos bem, um ajustamento orçamental desta magnitude, ou se faz com crescimento e uma reforma fiscal corajosa, ou se faz com cortes nos serviços públicos, investimento público e prestações sociais e mais impostos para os mesmos. O Governo e o PSD fizeram as suas escolhas. Infelizmente, são demasiado parecidas.
Governar para a estatística (II)
Houve, desde o início, quem tenha chamado a atenção para o facto de as despesas em I&D dependerem fortemente da estrutura produtiva e de dimensão das empresas: só países sobreespecializados em sectores produtivos directamente baseados em conhecimento científico, e com uma forte presença de empresas de muito grandes dimensões, atingem intensidades de despesas em I&D tão elevadas.
Dez anos depois foram raros os países que atingiram aquela meta. Mas pelo caminho todos tentaram, com efeitos nem sempre acertados: prioridade dos apoios públicos para actividades intensivas em I&D, independentemente do seu contributo para o emprego e o produto, ou da sua relevância estratégica; fomento da oferta de recursos humanos e de actividades (públicas e privadas) intensivas em I&D, independentemente da capacidade de absorção do tecido produtivo (ou do sistema científico); e, como sempre, muita contabilidade criativa - no caso das metas orçamentais ainda há quem se apoquente com as práticas de contabilidade criativa, aqui nem isso é verdade (haverá mesmo quem acredite que as despesas empresariais com I&D em Portugal aumentaram de 0,31% do PIB em 2005 para 0,8% em 2009 em resultado de um excepcional ritmo de transformação estrutural?).
Mas como a moda tarda em passar, a nova 'Estratégia Europa 2020' insiste em manter intacta a meta dos 3% de despesas em I&D sobre o PIB. A falta de racionalidade e os riscos de efeitos preversos continuam a não ser uma preocupação fundamental - o fetichismo do número sobrepõe-se, uma vez mais.
segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011
A estrutura do desemprego

Marx, não Malthus
A propósito da actual crise dos preços dos alimentos, argumenta-se por vezes (inclusive nas nossas caixas de comentários) que esta mais não é do que um reflexo das condições da oferta e da procura no longo prazo. Segundo esta linha de raciocínio neo-malthusiana, o aumento dos preços dos alimentos é algo de inevitável dada a finitude dos recursos do planeta e o crescimento inexorável da população mundial. A actual crise – com todas as repercussões a que já estamos a assistir ao nível da incidência de fome e da emergência de conflitos - seria apenas a pálida antecipação de um futuro apocalíptico em que a humanidade finalmente pagará o preço da sua incontrolável prolificidade.
Acontece que esta linha de raciocínio é falsa. Primeiro que tudo, o crescimento da população não é inexorável. Embora a população mundial deva continuar a crescer durante ainda mais algumas décadas em resultado da inércia demográfica, é hoje em dia praticamente certo que a queda abrupta da fecundidade a nível mundial (sim, inclundo nos países em desenvolvimento, onde o número médio de filhos por mulher passou de seis para três nos últimos quarenta anos) deverá garantir a inversão da tendência de crescimento na segunda metade do século XXI.
Em segundo lugar, e mais importante, a produção alimentar mundial também tem crescido – na verdade, mais depressa do que a população. O gráfico em cima, construído a partir de dados da FAO, ilustra o crescimento da produção total mundial de arroz, milho e trigo (a título de exemplo) entre 1961 e 2009. Dividindo pela população mundial em cada ano, verificamos que a produção anual per capita de arroz passou de 70kg em 1961 para 99kg em 2009; a de milho de 67kg para 120kg; e a de trigo de 72kg para 100kg.
Nem a fome e desnutrição a nível mundial, nem a crise dos preços dos alimentos se devem à escassez actual ou futura de alimentos. A actual crise dos preços dos alimentos resulta principalmente da amplificação especulativa de flutuações de curto prazo e não tem nada a ver com a tendência de longo prazo ao nível da produção per capita de alimentos. Quanto à fome e à desnutrição globais, resultam, mais do que de qualquer outra coisa, do facto do acesso à alimentação por parte de uma parte crescente da população mundial ser mediada pelo mercado, no contexto de uma distribuição do rendimento extremamente desigual e iníqua.
Mas para entender melhor estas últimas questões, as categorias de análise mais úteis são as de um outro economista clássico que não Malthus…