quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011
Tudo depende de nós.
O Governo corre contra o tempo. Procura desesperadamente obter financiamento fora do “mercado”. Mas a autonomia financeira para alguns meses de pouco servirá. O BCE tem nas mãos o financiamento dos bancos portugueses e, por conseguinte, tem o poder de precipitar a qualquer momento o telefonema que o Primeiro-Ministro fará a pedir ajuda a Bruxelas.
Uma vez que Angela Merkel não tem margem de manobra para aceitar um acordo sobre o Fundo de Estabilização que abra a porta à mutualização da dívida dos Estados-Membros, começa a ficar claro que não só vamos ter de aceitar um empréstimo em condições gravosas (taxa de juro incomportável, austeridade selvagem, degradação adicional do Estado social), como nem sequer serão tomadas decisões que acabem com a especulação contra o euro. Arrumado Portugal, segue-se a Espanha.
Tudo indica que a Eurozona está presa do discurso populista contra os “países despesistas” da periferia da União, um discurso com grande aceitação junto das classes populares dos países ricos do centro que há muito estão sujeitas à política de “moderação salarial”, com deslocalizações da indústria e cortes no Estado social, para responder à pressão competitiva da globalização sem freio. De pouco importa que o problema da dívida soberana seja sobretudo o resultado da especulação financeira desenfreada e dos inevitáveis desequilíbrios macroeconómicos entre países de muito desigual nível de desenvolvimento integrados numa zona monetária sem integração política. O que importa é que a narrativa neoliberal é hegemónica nos meios de comunicação social.
Muito provavelmente pela mão do PSD, os Portugueses terão de suportar uma deflação (austeridade selvagem no Estado, privatização de sectores do Estado social, redução dos salários também no sector privado) imposta por Bruxelas e mais que desejada pelos "falcões" do PSD. É uma fatalidade? Não, não é. Está nas mãos dos cidadãos portugueses dizer NÃO por (pelo menos) três grandes razões: 1) Com uma deflação não conseguiremos pagar as dívidas, como os exemplos da Grécia e Irlanda sugerem; 2) Os bancos alemães, franceses e outros tinham obrigação de avaliar melhor a sustentabilidade do crédito que concederam anos a fio, sabendo muito bem que o país não tinha capacidade competitiva para crescer e permanecer solvente; 3) Quem deve pagar a crise deve ser quem mais beneficiou das suas causas, as classes de mais elevados rendimentos e a finança.
E então? Se nos mobilizarmos como os cidadãos do outro lado do Mediterrâneo, podemos eleger um governo que atenda a estas razões, um governo que reestruture a dívida pública e promova uma política de crescimento apoiada por uma fiscalidade corajosamente progressista. Ao fim de um ano teríamos um crescimento que nos daria força negocial para negociar a reestruturação da dívida para um montante e calendário suportáveis. E teríamos posto Bruxelas no seu lugar. Mais importante, teríamos evitado um desastre social e estaríamos em melhores condições para exigir algumas derrogações aos Tratados que possibilitem políticas de desenvolvimento industrial (política orçamental activa, política industrial, discriminação fiscal para a produção de bens transaccionáveis).
Tudo depende de nós.
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6 comentários:
Jorge concordo contigo.
Só acho que devias escrever que, provavelmente para fazer tudo isso era preciso sair do euro, tipo a Argentina quando deixou de pagar a divida e teve que renunciar a paridade com o dólar.
Digo isto porque não estou a ver "Bruxelas" (pronto, pronto a Alemanha)a dar o visto prévio a orçamentos expansionistas ou pelo menos que não alinhem com a ortodoxia da austeridade da ideologia dominante.
Dentro do quadro europeu um post como este parece-me difícil, oxalá esteja enganado.
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http://www.guardian.co.uk/
news/blog/2010/jun/14/charlie-skelton-bilderberg-2010
"Bruxelas" quer, antes de tudo, manter o poder. E enquanto ninguém respingar pode continuar como tal. Óbvio.
O Kadafi também pensava ter tudo sob controlo, e de um dia para o outro...
Caro Pedro Rodrigues,
Romper com a austeridade significa rejeitar o visto prévio do Semestre Europeu.
Como não há nenhuma cláusula que preveja a expulsão de um membro, abrir-se-ia o caminho para uma negociação que poderia (ou não) desembocar numa saída do euro, organizada e de comum acordo o que não seria nenhum drama. Afinal há vários países da União que não estão na moeda única.
A menos que as esquerdas estejam dispostas a que Bruxelas nos transforme numa nova Letónia, é preciso começar a pensar num plano B a sério.
Tudo depende de nós, é verdade. por isso Manuel Alegre teve 19%. Nós não concordamos com esse tipo governo e votamos noutros partidos. É a vida.
Jorge Rocha
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