quarta-feira, 26 de outubro de 2022

Mike Davis (1946-2022)


Morreu ontem um grande geógrafo, historiador e economista político, um notável marxista que desafiou barreiras disciplinares e nos deu a ver as distopias urbanas de um “planeta de bairros de lata” ou de enclaves marcados pelo porno-riquismo mais intenso, sem esquecer cidades como a sua Los Angeles. 

Crítico das utopias liberais, escreveu sobre os “holocaustos vitorianos” do final do século XIX, fomes maciças, onde o imperialismo de comércio livre e as suas instituições monetárias (Padrão-Ouro) desempenharam um papel crucial, num contexto de secas causadas pelo El Niño. 

Para lá de tudo, do conhecimento enciclopédico ao radicalismo, Mike Davis escreveu mesmo bem, ensaios que se lêem de um fôlego. Tendo trabalhado como motorista de camiões e recebido a prestigiada MacArthur Fellowship Award, escapou a um certo estilo académico que torna a teoria crítica tantas vezes intragável. 

Naturalmente, no ideologicamente enviesado panorama editorial português, a sua vasta obra não está traduzida.

Já agora: uns aldrabões falam de marxismo cultural, mas a cultura marxista é praticamente inexistente no espaço público deste país. Eu sei que o país é pequeno, mas a comparação com o Brasil ou com a Espanha, por exemplo, não deixa de ser chocante.


2 comentários:

Anónimo disse...

* Planeta Favela *

Óscar Pereira disse...

Que descanse em paz. O seu "Late Victorian Holocausts" deu-me a conhecer toda uma história -- talvez devesse dizer tragédia -- que ainda hoje é desconhecida para muitos indianos (e não só). Oxalá houvesse mais pensadores deste calibre. Parte demasiado cedo.