quinta-feira, 6 de outubro de 2022

IL, Chega, centro, periferia

Surge um padrão interessante quando se analisa a distribuição dos resultados dos «novos» partidos da direita nas últimas legislativas, nas freguesias de Lisboa. De facto, se a Iniciativa Liberal (IL) obtém votações mais expressivas (acima da média da cidade) nas freguesias do centro, é em freguesias periféricas (como Santa Clara, Olivais ou Marvila) que o Chega mais se destaca (surgindo Belém com resultados acima da média para ambos os partidos).


Mas mais interessante ainda é constatar que este padrão de distribuição do voto está significativamente alinhado com a variação dos preços da habitação (venda), bastante mais elevados nas freguesias do centro, Parque das Nações e Belém - onde a IL obteve os melhores resultados -, sendo inferiores em freguesias onde o Chega se destaca (e onde a concentração de alojamento social, por exemplo, é mais elevada, como sucede nos casos de Santa Clara, Marvila e Beato).

Nada disto é novidade, claro. Mesmo não incluindo dados sobre rendimentos, o perfil dos eleitores destes partidos, traçado por João Cancela e Pedro Magalhães na sequência das últimas legislativas, permitia já intuir uma distribuição assim. Ou seja, de certa forma, com a direita rica da IL a viver no centro da cidade e o eleitorado do Chega, mais mobilizável pelo ressentimento, a sobressair nas periferias.

Não deixa de ser sintomático, aliás, que a IL defenda que o centro das cidades é um exclusivo de quem pode pagar, em linha com a lei da selva que preconiza para as mais diversas esferas da vida social, sem perceber sequer, para lá da ausência de sentido de comunidade, o disfuncional que essa visão de cidade comporta, em termos de economia urbana.

3 comentários:

Anónimo disse...

"...o centro das cidades é um exclusivo de quem pode pagar,...". Definição, "ipso facto". Óbvio.
Como assim é em todas as capitais europeias ou nas grandes cidades por esse mundo fora, nos EUA, na Federação Russa ou na China, em Cuba, Angola ou Moçambique....

Nuno Serra disse...

Caro Anónimo, não é assim tão linear como parece. Mesmo na estrita lógica de mercado, em sociedades menos desiguais o acesso ao centro não está reservado a um universo restrito. E em sociedades que regulam a oferta, e que asseguram provisão pública, essa «lei natural» não é um fatalismo nem uma prerrogativa (como a IL defende).

TINA's Nemesis disse...

Posso dizer que na cidade de Viena não se nota tanto essa divisão zona rica e zona menos rica. A muito maior homogeneidade de Viena em comparação com outras cidades deve-se a públicas públicas. Em Viena há vontade em criar uma cidade com qualidade de vida de uma ponta à outra, ao contrário de outros países com mentalidades retrógradas onde os políticos, incluindo "socialistas", querem os pobres e a classe trabalhadora longe deles...

O enorme bairro social Karl Marx Hof está completamente integrado numa zona rica da cidade (não que eu tenha reparado em alguma zona degrada em Viena), agora comparem isto com exemplos em Portugal, como o bairro da Bela Vista...

Há aqueles que se dizem "socialistas" para ludibriar os pobres e a classe trabalhadora, e depois há outros que põem em prática o Socialismo...