sexta-feira, 24 de junho de 2022

Governos que também eram contra "aumentos salariais inflacionistas"


Seguindo a orientação traçada pelo Eurogrupo - ou seja, aquele grupo sem existência legal na UE - o Governo recusa-se teimosamente a fazer subir os salários, mesmo que isso contradiga os seus próprios objectivos estratégicos de reforçar o peso dos salários na repartição de rendimentos. Tudo - segundo diz - para não gerar "uma espiral inflacionista"

As organizações patronais reagiram na mesma linha (ver aqui ou aqui). 

Não aumentar salários pelo menos tanto quanto os preços e sobretudo abaixo da subida da produtividade significa legitimar uma transferência de rendimentos dos trabalhadores para as empresas (digamo-lo, para o Capital, como António Costa apenas o disse depois de provocado por Pacheco Pereira

Ora, nesse combate, o Governo não esteve sozinho na História recente. Veja-se em 1992, aqui e aqui, a posição do então ministro das Finanças de Cavaco Silva, Jorge Braga de Macedo, quando se tornava difícil a assinatura de um acordo de rendimentos para 1993 na Comissão Permanente de Concertação Social, em que uma central sindical ameaçava abandonar a negociação - ... a UGT! - por achar que o Governo "fazia o jogo dos patrões".

A coisa complicou-se, quando o secretário-geral da UGT, Torres Couto, a acusou Braga de Macedo de autismo. Mas se o ministro das Finanças era autista, não era por acaso. Cavaco Silva recusava-se a aumentos salariais, porque "salários elevados provocam inflação". Quanto muito, poderia haver aumentos para alguns trabalhadores, mas não para outros (ver aqui). 


A História ilustrada dos diversos acordos está ainda por fazer. Mas o que é possível ver nos arquivos da RTP, é que nada se inventou. Já nos anos 90 se acertava acordos à custa das contribuições financeiras para a Segurança Social, ou seja, com recursos dos próprios trabalhadores, através da redução da taxa social única. (Veja-se aqui). 


E houve até casos estranhos.

Como aquele em que a direcção do PS de António Guterres protestou contra a UGT - central sindical em que o PS tem forte influência - por a central sindical estar então, em 1994, à beira de aceitar assinar um acordo de rendimentos com o Governo Cavaco Silva, o qual, segundo Guterres... iria prejudicar o peso dos salários no rendimento nacional! (ver aqui


 

Mas o próprio conceito de "espiral inflacionista" foi usado a miúde pelo PS e PSD. Foi o caso de Fernando Teixeira dos Santos, o ministro das Finanças de José Sócrates. Disse ele no Parlamento, a 21/2/2008: 

Permitam-me que alerte para os perigos de práticas de indexação generalizada dos salários à evolução da inflação, que, ao induzir efeitos de segunda ordem, provocaria uma espiral inflacionista penalizadora da generalidade dos portugueses. Nesta e noutras matérias, o Governo evitará políticas irresponsáveis. Não significa que, para as classes mais desfavorecidas, o Governo não tenha uma atenção especial. É neste sentido que se devem entender os novos mecanismos de actualização do indexante dos apoios sociais e das pensões, que tem por base a evolução do índice de preços observada e que, portanto, garantem que o poder de compra destas classes não se deteriora. 

Em 2013, foi já o então primeiro-ministro Pedro Passos Coelho quem usou a expressão "espiral inflacionista", citando - tal como António Costa - o que se teria passado na década de 70. Disse ele no Parlamento, sob protestos violentos do... PS então na oposição. Foi a 1/2/2013: 

E, Sr. Deputado, julgo — e com isto respondo a outros Srs. Deputados e à Sr.ª Deputada que colocaram a questão — que aqui não há nenhuma submissão. Ninguém é submisso quando defende as suas convicções. A minha convicção, Sr. Deputado, é que a Europa se deve distinguir justamente desses exemplos que têm gerado, desde finais dos anos 70, as espirais inflacionistas… 

O Sr. Pedro Jesus Marques (PS): — Espiral recessiva! 

O Sr. Primeiro-Ministro: — … e as maiores bolhas financeiras de que há memória na história económica moderna, que se deveram a essa política norte-americana e também à política que tem sido seguida por outros bancos centrais e por outras economias no mundo, que não é o caso europeu. 

O Sr. Pedro Jesus Marques (PS): — Espiral recessiva! 

Como se vê, António Costa pode não estar sozinho. E é normal que não esteja porque o condicionamento político institucional europeu conduz a que, qualquer que seja o partido que o aplique, a política seja a mesma. E o discurso também. 

Resta saber é se Costa e o PS estão bem acompanhados. E se assim querem continuar a estar.

1 comentário:

Anónimo disse...

No país de António Costa a pobreza é estrutural e é assim que se vai manter.