terça-feira, 14 de junho de 2022
Espiral invisível
Nos últimos meses, tornou-se frequente ouvir a ideia de que nos encontramos perante o risco de uma "espiral inflacionista" causada pelo aumento dos salários num contexto em que o preço de algumas matérias-primas, como a energia, tem subido consideravelmente. Foi esse o argumento utilizado pelo governo português para recusar aumentos salariais na função pública - que servem de referencial para o setor privado - em linha com a inflação esperada para este ano, tendo contado com o apoio da Iniciativa Liberal.
A ideia subjacente à restrição salarial é a de que, no contexto atual, não se pode sobrecarregar as empresas, que já se encontram pressionadas pelo aumento de outros custos. É uma história apelativa, não fosse o facto de os dados apontarem precisamente no sentido contrário. Uma análise publicada em maio pelo Bank of International Settlements mostra que, nos EUA e em alguns países da UE (incluindo Portugal), a experiência das últimas décadas tem sido outra: com as taxas de sindicalização em mínimos históricos e a erosão do poder negocial dos trabalhadores, o que tem aumentado verdadeiramente é a margem média das empresas.
Não há evidência empírica que suporte a ideia de que uma espiral salários-preços está ao virar da esquina. Com a restrição salarial imposta pelo governo, o que teremos é uma quebra acentuada do poder de compra da maioria das pessoas.
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