O BCE confirmou esta semana a primeira subida das taxas de juro de referência em julho, outra em setembro e antecipou que com base na sua avaliação atual “uma trajetória gradual, mas sustentada de aumentos adicionais será apropriada”. Quando questionada sobre o impacto destas medidas num cenário em que a inflação é sobretudo importada, Lagarde, depois de basicamente concordar com a descrição, acrescenta: “Também estamos muito atentos aos salários, às negociações salariais e ao risco de efeitos de segunda ordem e uma potencial espiral. Não estamos a ver o risco de uma espiral, mas estamos a ver aumentos salariais que recuperaram particularmente desde março e que, como indicamos na declaração de política monetária, não seria totalmente surpreendente se fosse por efeitos de recuperação de rendimentos ou por meio de aumento salarial geral. Também estamos cientes de que a Alemanha, por exemplo, implementará o salário mínimo [mais alto] a partir de 1º de outubro.”
Em março, questionado sobre o mecanismo através do qual uma subida dos juros desceria a inflação que não pelo aumento do desemprego, Jeremy Powell também apontou para o mercado de trabalho e para as negociações salariais: “Os nossos instrumentos funcionam como descreveu… se diminuirmos as ofertas de emprego, teremos menos pressões para aumentar os salários, menos falta de mão de obra.”
Um artigo bastante interessante (mais pela sua origem que pelo conteúdo) publicado recentemente permite-nos dar algum enquadramento teórico e ideológico a estas declarações. Neste artigo, inspiradamente intitulado “Who killed the Phillps curve? A murder mistery”, dois economistas do Fed (Banco Central Americano) tentam perceber quem matou a curva de Phillips, uma peça fundamental na teoria dominante da inflação, que, na sua versão mais simples, estabelece uma relação inversa entre desemprego e inflação (a original não era bem assim). Para este efeito, os autores confrontam a teoria dominante que afirma que a política monetária controla a inflação e que portanto terá sido uma política monetária robusta nas últimas décadas a manter níveis de inflação reduzidos face a níveis de desemprego também bastante diminutos, com a teoria dos conflitos, que vê a inflação resultar sobretudo da luta de classes entre trabalhadores e capitalistas e portanto será na correlação de forças entre estas partes que estará a explicação da morte desta curva. Os autores concluem que os dados apoiam substancialmente a hipótese que a redução da inflação observada nas últimas décadas se deve sobretudo à redução do poder negocial dos trabalhadores através do desmantelamento das estruturas sindicais e não a qualquer política monetária seguida pelo Fed (claro que a política monetária do início dos anos 80 contribuiu significativamente para o enfraquecimento destas estruturas sindicais, sendo este um dos seus objetivos como reconhecido pelo próprio Volcker, mas isso é outra história que os autores não abordam).
A conclusão do artigo não é novidade para (quase) ninguém, o que surpreende, como já referi, é a sua origem. No entanto quero destacar dois pontos deste artigo que ilustram por um lado o enviesamento teórico da teoria dominante da inflação e por outro a forma imparcial e técnica como esta se vê e apresenta. O primeiro ponto é a centralidade da relação entre desemprego, salários e inflação na teorização da inflação, sendo toda a complexidade do processo inflacionário praticamente reduzida a este nexo de causalidade (esta pobreza teórica é disfarçada com um papel significativo das expectativas) que analogamente resulta num afunilamento e simplificação do leque de possíveis respostas onde a política monetária é sobrecarregada com uma responsabilidade para a qual não possui capacidade de resposta. O segundo é a ausência de conflitos, de relações de forças na conceptualização da teoria convencional que é contrastada no artigo com uma teoria que reconhece a existência destes conflitos. Aqui existe apenas um determinado nível de desemprego (ou de procura), a partir do qual, forças inflacionárias começam a fazer-se sentir e, portanto, é necessário esfriar a economia para reduzir a inflação. Não há interesses, nem disputas, há ciência e, portanto, por muito que custe aos executores, não há alternativa.
À luz destes dois pontos creio que se percebe melhor a lógica e ao mesmo tempo a tragédia das declarações com que iniciei este texto. Perante uma inflação de causas complexas, a única resposta concebida pelo aparato institucional desenvolvido com o respaldo de uma teoria que reduz o fenómeno da inflação a um excesso de procura tem como principal mecanismo esmagar qualquer pretensão salarial dos trabalhadores numa disputa que ao mesmo tempo nega existir. Como é isto possível? Parte da resposta poderá estar numa das mais incríveis notas de rodapé que já li, escrita por outro economista do Fed, Jeremy B. Rudd, num artigo onde põe em causa de forma bastante convincente o papel das expectativas na determinação da inflação: “deixo de lado uma preocupação mais profunda, a de que o papel principal da teoria económica convencional na nossa sociedade é fornecer uma apologética para uma ordem social criminalmente opressiva, insustentável e injusta.”
5 comentários:
A Alemanha vai aumentar o salário mínimo em 400 euros.
Em 400 €? Quando?
Para já, aumentou, em janeiro, 9.82 €. Prevê aumentar em julho 10.45€ e em outubro 12€.
Na suposta crise das dividas soberanas não encontraram o bode expiatório necessário para a expropriação dos mais fracos? Porque razão não irão fazer o mesmo agora? A lógica da culpabilidade é definida pelo mais forte, e não pelo mais justo ou pelo mais certo, os cidadãos todos os dias validam este sistema na expectativa que a desgraça só afecte o outro, é esta a noção de comunidade desta europa e deste país.
A 1 de Outubro passa a 12 euros por hora, passa de 1700 euros por mês para 2100.
Na Alemanha aumentam salários devido à inflação em Portugal não aumentam devido à inflação, António Costa já nem tem a noção do ridículo, apresenta teorias económicas que nada sabe e já nem se quer percebe para que serve o salário.
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