Ora, como dizemos aqui, uma política de rendimentos destinada a assegurar que o peso dos salários na riqueza produzida se mantém, pelo menos, constante tem de garantir uma variação dos salários igual à variação do PIB.
Dito de outro modo, se o peso dos salários no PIB é um rácio em que o numerador é igual às remunerações por trabalhador e o denominador igual ao PIB por trabalhador, então, para assegurar que este rácio se mantém constante, a variação da remuneração tem de ser igual à variação do PIB.
Como o PIB varia em termos de quantidades (produtividade) mas também em função dos preços (inflação), uma variação equivalente dos salários obriga a que estes também variem de acordo com quantidades (produtividade) e com preços (inflação). Ou seja, medir o peso da retribuição do trabalho no PIB implica dividir remunerações nominais por trabalhador por PIB nominal por trabalhador ou, o que produz iguais resultados, dividir remunerações reais por trabalhador (remuneração nominal desinflacionada) por PIB real por trabalhador (produtividade).
Tendo estes conceitos em mente, em termos de rendimentos, o que prevê o OE para 2022? Prevê inflação de 4%, salários nominais no conjunto da economia a crescer 3,2% e, por isso, salários reais a recuar 0,8% e isto apesar de antecipar um crescimento da produtividade de 3,5%.
Assim, parece-me ser possível concluir que:
- Comparativamente com 2021, o poder aquisitivo dos salários vai recuar 0,8%,
- Para que a remuneração do trabalho mantivesse o peso de 2021 na riqueza nacional, um peso já então inferior ao da zona euro, os salários teriam de crescer mais 4,3% do que o governo prevê. Valor que resulta da diferença entre -0,8 (salário real por trabalhador) e 3,5% (produtividade), ou, o que é igual, da diferença entre 3,2% (salário nominal por trabalhador) e 7,5% (PIB nominal por trabalhador),
- Se este cenário que o governo aponta como provável se verificar, a diferença de 4,3% entre crescimento de remunerações do trabalho e crescimento da riqueza que o país produz é a maior a que assistimos, pelo menos, desde o virar do século,
- O cenário do governo é altamente improvável. Primeiro, não é expectável que a inflação não ultrapasse os 4% e, segundo, não é credível que os salários nominais no conjunto da economia aumentem 3,5%, com o desemprego oficial ainda na ordem dos 6%, com as leis subordinantes do trabalho impostas pela troika ainda em vigor e com o governo a aumentar os salários nominais da função pública em 0,9%,
- Assim sendo, o que é provável é que esta redistribuição da riqueza a favor do Capital às expensas do Trabalho, constituindo, no cenário do governo, a mais regressiva do século XXI, acabe, na prática, a ser ainda mais expressiva.
Para finalizar, recordemos que o governo é sustentado politicamente por um partido que ostenta a palavra socialista na sua designação oficial.
A meu ver, se a ideia é abrir caminho às direitas extremas, seria difícil fazer melhor.
5 comentários:
Ou,em alternativa,a iliteraçía económica que mostra não pode ser descartada,a menos que a estratégia seja a mesma de sempre,desde o inicio do século,ou seja,manter alguma competitividade através da contenção salarial,como alternativa à ausência de mecanismos de desvalorização da moeda.Assim sendo,o apelo de Costa à "boa consciência" dos empregadores é uma iniciativa simbólica e uma proclamação de impotência total.
É olhar para o gráfico e confrontar as declarações do porta-voz dos patrões...
Falem-me da produtividade dos serviços públicos.
A maior parte dos serviços públicos com os recursos que tem faz muito mais do que imagina...
O que o José diz não pode ser o melhor que sobre esta questão a direita tem a para dizer.
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