segunda-feira, 13 de abril de 2020
Lições urgentes
No meio de uma terrível crise de saúde pública, há uma lição urgente de economia política e moral que importa desde já reter. Esta lição é há muito conhecida dos leitores deste jornal, mas só agora se tornou momentaneamente consensual: não há alternativa a não ser confiar no que resta do nosso Estado social, do Serviço Nacional de Saúde à Segurança Social, e nas virtudes cívicas dos nossos compatriotas, dos que estão mobilizados em casa, assegurando trabalhos assalariados à distância ou tarefas de reprodução social, e dos que também têm de estar mobilizados fora de casa, assegurando a provisão dos bens e dos serviços indispensáveis à vida. Afinal de contas, sabemos agora com mais clareza que, para lá das preferências individuais, há necessidades básicas quotidianas e que estas podem e devem ser colectivamente definidas e, já agora, asseguradas.
Por isso, é tão importante também saber o que pode minar esta confiança, sem a qual não pode haver um mínimo de segurança em face da incerteza mais radical gerada por uma crise mais severa do que a de 2008 em diante, como abaixo se verá.
Em primeiro lugar, sabemos que nas sociedades onde é maior a desigualdade económica, também é maior a desconfiança social, até porque é maior a insegurança económica em baixo e a discricionariedade económica em cima. Em sociedades desiguais não estamos todos no mesmo barco, dado que a crise é aí, com maior probabilidade, uma oportunidade para o despedimento, para a especulação financeira, para a degradação do salário directo e indirecto, outras tantas expressões de uma discricionariedade que pode e deve ser travada politicamente. Portugal é uma sociedade muito desigual.
Em segundo lugar, Portugal tem sido tratado pelas elites dominantes como se já não fosse um Estado, mas sim um protectorado, dado que permitiram o furto pelas instituições europeias de instrumentos vitais de política económica, da moeda à capacidade de controlar os capitais, passando pela política comercial e industrial. Sem estes instrumentos, o Estado social, já degradado, fica vulnerável, até porque a resposta à crise fica dependente da bondade de estranhos. E isto numa área, a das relações internacionais neste continente, onde os estranhos não são nada bondosos. Basta pensar numa palavra, hoje transformada numa sopa de acrónimos: Troika. E basta pensar ainda em dois dados da nossa insegurança económica: uma das dívidas externas mais elevadas no sistema internacional, o peso mais baixo do investimento público no sistema europeu (ambos em percentagem do produto interno bruto [PIB]).
Em 2020, estamos mais vulneráveis do que em 2008. O crescimento económico português dos últimos anos foi baseado no turismo e imobiliário, beneficiando de fluxos de capital internacional em busca de rendibilidade. O emprego criado, se bem que notável, é precário e mal pago, promovido pela não-revertida reforma laboral de 2012. Dada a dependência externa, Portugal encontra-se assim numa situação potencialmente muito mais complicada do que outros países europeus.
Excerto inicial do artigo que o Nuno Teles e eu publicámos na edição de Abril do Le Monde diplomatique – edição portuguesa. O artigo tem outras duas secções: “não estamos em 2008” e “o que fazer em 2020?” Inclui-se aqui a declinação, no campo da política económica, do incontornável momento soberanista.
Entretanto, aproveito para renovar o apelo: assinem o jornal, apoiem este projecto cooperativo.
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2 comentários:
«permitiram o furto pelas instituições europeias de instrumentos vitais de política económica, da moeda à capacidade de controlar os capitais, passando pela política comercial e industrial*
Fica então assente que sair da União Europeia é o caminho certo.
Seguramente que a ampla e qualificada colónia de investigadores na área económica terá um plano já escrito em qualquer lado.
Assim sendo, onde posso encontrar um guião que contenha um tal plano?
Não cabendo a minha actual actividade noutro âmbito, quereria assegurar-me que pratico «tarefas de reprodução social»: alguém me fornece uma lista adequada à circunstância?
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