Começam a chegar números dos efeitos económicos da pandemia e que são reveladores da necessidade de uma estratégia consistente, articulada e estrategicamente pensada. E não medidas tomadas à pressa, escritas sobre o joelho, anunciadas com um sorriso, sem acautelar o que fazer no futuro, nem uma justa repartição dos seus custos.
Ontem à noite, os responsáveis do Ministério do Trabalho elaboraram um um documento com informação relativa a 6 de Abril, para discutir com as confederações sindicais e patronais na comissão permanente da concertação social. Os números são bastante sintomáticos do que aí vem. E que não se vai compadecer com umas migalhas como as que estão a ser discutidas no Eurogrupo. E ainda por cima com um condicionamento de políticas recessivas para o futuro.
Desemprego
Esses números são o corolário de uma miríade de casos concretos, de vidas pessoais de milhares de trabalhadores, recolhidos nas páginas de denúncia dos partidos de esquerda (a CGTP aqui, do Bloco aqui, do PCP aqui).
Até dia 6 de Abril, foram requeridos mais 12.114 subsídios de desemprego, ou seja, mais 65% do que igual período de 2019. De 16 de Março a 6 de Abril, ou seja, em 22 dias, foram pedidos 41 mil subsídios, quando em igual período do ano passado, tinham sido cerca de 16 mil.
Desde o início de Abril, houve 35 despedimentos colectivos envolvendo 345 trabalhadores (mais 28 empresas e 255 trabalhadores do que no início de Abril de 2019). Já em Março, tinham se verificado 59 despedimentos colectivos envolvendo 843 trabalhadores, ou seja, 3 vezes mais os números de empresas e trabalhadores que em Março de 2019.
Lay-off (dados referentes a 7 de Abril)
Para apoiar as empresas e sob condição de não haver despedimentos - condição mal desenhada, como já se vê - o Governo aprovou um lay-off simplificado.
Como se pode ver no gráfico, o grosso dos pedidos de lay-off está no sector de alojamento, restauração e afins (24%) e no comércio e reparação automóvel (20%), reflexo em grande parte da retracção da actividade de turismo. Estes números são reveladores da fragilidade da estratégia nacional de aposta nesse sector.
Quase 40 mil empresas já pediram o apoio previsto, envolvendo 642 mil trabalhadores, num total de 655 milhões de euros de massa salarial mensal. A remuneração média é de cerca de mil euros, mas conforme o estipulado, os trabalhadores irão receber apenas dois terços desse valor (dos quais 70% pagos, não pela Segurança Social - como se tem dito -, mas pelo Estado, tal como é fixado pelo mais recente decreto-lei). Se o apoio ficar abaixo do salário mínimo, recebem o salário mínimo. Por outro lado, há um limite do apoio a três salários mínimos.Há já cerca de 117 mil trabalhadores independentes que declararam estar com redução de actividade e que pedem apoio.
Sem qualquer vigilância da ACT, o lay-off pode representar - como já começa a haver relatos - um expediente de subfacturação e de desvalorização salarial. Não é o mecanismo ideal de promover uma justa repartição dos custos sociais. E não impede o desemprego de subir.
Não se tenha ilusões. Vai assistir-se a uma subida significativa do desemprego e uma desarticulação contratual. E isso vai - como é habitual - representar um obstáculo à valorização salarial, que se estava a verificar, lentamente, antes da chegada da pandemia e cuja subida o patronato pretendia limitar. A recessão - caso não sejam adoptadas medidas que estanquem esse fenómeno - vai ser aproveitada para que a retoma, quando se verificar, se materialize numa nova desvalorização interna.
Os instrumentos políticos até agora aprovados são insuficientes. E arriscam-se a empobrecer ainda mais uma massa significativa de trabalhadores. O desemprego é o pior inimigo que temos pela frente. E a política económica a seguir deve tê-lo como objectivo a combater. Sob pena de acordarmos num país mais injusto.
1 comentário:
«o lay-off pode representar - como já começa a haver relatos - de um expediente de subfacturação e de desvalorização salarial»
Eis uma frase a requerer esclarecimento.
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