sábado, 11 de abril de 2020
Das euro-inteligências
Este é um padrão habitual: “Depois das palmas, soaram agora as críticas ao pacote aprovado no Eurogrupo”, ou seja, depois das palmas, batidas dentro da bolha, surge a realidade fora da bolha.
Em complemento a frio ao que aqui e aqui foi escrito a quente, trago a análise da Eurointelligence, o serviço noticioso capitaneado por Wolfgang Munchau, que escreve sobre assuntos europeus no Financial Times: “abaixo da relevância macroeconómica”, “os italianos [leia-se o governo italiano] foram dobrados”, “a batalha pelas euro-obrigações foi perdida” ou a “renacionalização da política vai de vento em popa”. Nem tudo é mau.
E, já que estamos a falar de euro-inteligências, foi naturalmente pouco notada, entre a imprensa europeísta nacional, a demissão do presidente do Conselho Europeu de Investigação (ERC, do acrónimo no obrigatório inglês): “Cheguei ao ERC enquanto fervoroso apoiante da União Europeia, mas a crise de Covid-19 alterou completamente a minha visão, embora continue a apoiar com entusiasmo os ideais de uma colaboração internacional”.
A UE não é tanto colaboração internacional, mas mais cooptação da ciência para certos propósitos políticos, onde avulta a superação do Estado nacional. Falharam e falharão, porque, felizmente, um certo conformismo académico com a escala supranacional, por exemplo nas ciências sociais e humanas, pode influenciar alguma coisa, mas acaba por não ser decisivo. Os passageiros frequentes acabam tantas vezes a falar de nenhures para nenhures, sendo permanentemente surpreendidos pela acção colectiva dos cidadãos com raízes. E, obviamente, a cooptação nunca é total.
Bem defendia o historiador Perry Anderson, num livro magnífico, que os estudos europeus são mais dinâmicos do outro lado do Atlântico, longe da bolha de Bruxelas, onde todo o pensamento crítico desaparece e onde a política, enquanto dissenso e alternativa, acaba.
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3 comentários:
Em que é que a constatação do Público é controversa? Ou trata-se de susceptibilidade excessiva?
Os nacionalistas estão de parabéns, porque a reacção à crise sanitária deixou bem patente até que ponto em situações de crise ainda é o nacionalismo que impera. Os egoísmos nacionais sobrepuseram-se a qualquer espírito de cooperação em toda a parte, incluindo na UE. Basta lembrar a imposição de limites à exportação de materiais de proteção entre os diferentes Estados. Costa foi dos poucos que se opôs a isto...
Esta crise deixa-nos um vislumbre do que serão as relações entre Estados Nacionais num cenário de desintegração da União e claro, invalidam, prima facie, a conversa sobre o internacionalismo entre Estados Soberanos.
A falsa ingenuidade e/ou o cinismo são universais, no fim de contas.
Regressaremos (já o estamos a fazer) a um mundo hobbesiano, que fará lembrar o sec. XIX. Todos sabemos bem o que se seguiu. A guerra.
Quanto ao papel da UE na Ciência Nacional, ela não existiria (não existia nos anos 80) sem as ajudas europeias e a colaboração internacional. Sempre gostaria de saber a que propósitos políticos o João Rodrigues se refere.
Se se trata do abandono da mediocridade que nos caracterizou durante séculos, tem toda a razão, mediocridade que infelizmente ainda caracteriza o pensamento de quem sonha com uma qualquer espécie de autarcia.
O Porfírio Silva escreveu um interessante texto sobre a regressão tecnológica que correspondeu à derrocada do Império Romano e de como ela constituiu uma perda de qualidade de vida sobretudo para a gente comum. Nada nos diz que terá sido a última vez...
O avanço do conhecimento sem peias é a exceção, infelizmente. Basta lembrar o paroxismo das doutrinas de Lysenko ou, em muito menor grau, a necessidade de adequar a intrepretação da Mecânica Quântica ao Materialismo Dialético na URSS. Isto sim, eram propósitos políticos...
Quando não pensamento crítico ou capacidade de gerar alternativa já não existe democracia nem liberdade, quem defende este estado de coisas é fascista seja-o convicto ou não mas é um fascista.
No outro lado do Atlântico é que podemos encontrar as dinâmicas de «cidadãos com raízes» pela accão de um melting pot de desenraizados.
O culto do poder forma indiferentemente revolucionários, nacionalistas ou os pots mais variados; é o que estiver mais à mão!
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