segunda-feira, 20 de julho de 2015

Rui Tavares e o Sr. Schäuble

Na última semana, Rui Tavares (RT) dedicou dois dos seus textos no Público ao Ministro das Finanças alemão, a quem apelidou de “Sr. Anti-Europa”, considerando-o como “a maior ameaça que paira sobre a Europa”. Quem levar à letra os textos de RT fica convencido que o Sr. Schäuble é hoje o principal responsável pela austeridade e pelas tendências antidemocráticas na UE, os quais “destroem países e instituições, a confiança dos cidadãos na política e a crença dos europeus nas possibilidades de futuro em paz e dignidade neste continente”.

Schäuble não é, decididamente, um personagem simpático. O seu ar mal-encarado, as suas tiradas de humor duvidoso, a forma despudorada como explicita o preconceito dominante na Alemanha sobre os povos do sul – tudo isto são ingredientes que acentuam o mal-estar que se vive actualmente na UE. Daqui a transformar o ministro alemão no principal obstáculo a uma resolução das tensões que se vivem na UE é um passo de gigante.

Schäuble não é responsável pelo Acto Único Europeu, nem pelo Tratado de Maastricht, nem pelo Tratado de Amesterdão, nem pelo Tratado de Nice, nem pela transformação da Agenda de Lisboa num programa ultraliberal, nem pelo Tratado de Lisboa. Não é responsável pela política de concorrência europeia, nem pelo Pacto de Estabilidade e Crescimento, nem pelo Acordo de Schengen, nem pelo TTIP, nem pela ausência de harmonização fiscal ou dos direitos sociais na UE.

Ao longo dos últimos 30 anos não faltou quem alertasse para as consequências expectáveis da UE que estava em construção: o aumento da instabilidade financeira, os crescentes custos sociais do ajustamento na sequência de choques económicos, o acentuar da divergência entre países deficitários e excedentários, as crescentes tensões políticas decorrentes de interesses nacionais irreconciliáveis, e o reforço das forças de extrema-direita como resultado de tudo isto. Não foi preciso Schäuble para que isto acontecesse – e, seguramente, não será a saída de cena deste senhor que transformará a Europa.

De resto, o Rui Tavares sabe disto. Escreveu várias vezes que a UE e a zona euro só poderiam ser compatíveis com a sua própria visão de uma Europa democrática e socialmente justa caso fossem introduzidas alterações de fundo no processo de integração, incluindo: a criação um Tesouro Europeu com possibilidade de emitir dívida em nome da União, uma efectiva união bancária, a coordenação fiscal entre Estados Membros, a criação de uma agência de relançamento da União, a implementação de um grande plano de investimentos de nível europeu, uma profunda reestruturação das dívidas, etc.

E sabe também o quão longe estamos disto tudo. Como escreve no seu livro “A Ironia do Projecto Europeu”, para se concretizar um plano que parece simples no papel seria necessário “mudar os Tratados. Para mudar os Tratados seria preciso reunir uma Convenção com o Parlamento Europeu e os Parlamentos Nacionais. Para reunir uma Convenção seria preciso receber um mandato do Conselho. No mundo real, o Conselho não nos vai dar um mandato para fazermos uma revolução democrática na União Europeia.” (p.183)

No entanto, nestes dias de tormenta para o ideal da integração europeia, RT opta por fazer de Schäuble o alvo dos seus ataques, deixando para outra ocasião a reflexão sobre as dificuldades que se colocam ao desenvolvimento das periferias da zona euro dentro das regras vigentes. Como noutras ocasiões, opta no texto de hoje por discutir no abstracto possíveis soluções para a reestruturação das dívidas soberanas que contornam os argumentos de Schäuble, abstraindo das dificuldades práticas da concretização de qualquer uma dessas soluções ou da relevância do seu impacto potencial.

Não são de agora as minhas divergências com RT sobre a possibilidade de regeneração, através dos mecanismos instituídos, de uma UE que ambos concordamos ser intrinsecamente antidemocrática e destruidora de direitos sociais conquistados a custo. Na verdade, estas divergências são o que me preocupa menos na actualidade. É que Rui Tavares não é apenas um intelectual público: é o líder de um partido e o cabeça-de-lista por Lisboa nas eleições legislativas. Neste contexto, interessa-me pouco se algum dia conseguiremos ou não convergir nas nossas crenças sobre o futuro da UE.

Se RT for eleito deputado terá de decidir até ao final do ano como votará as propostas de Programa de Governo e de Orçamento de Estado para 2016. Com grande probabilidade, o próximo governo será pressionado pelas instituições europeias (e não apenas pelo Ministro das Finanças alemão) a cortar na despesa com educação, saúde e protecção social, bem como a desregulamentar ainda mais a legislação do trabalho. Interessa-me muito saber como Rui Tavares - ou qualquer outro potencial deputado - votará neste tipo de questões fundamentais. Importam-me menos as suas diatribes contra o Sr. Schäuble.

15 comentários:

João disse...

Se é para tornar pragmático um debate ideológico, também seria interessante que se focasse nos prós e contras de, por um lado, sair do Euro, e, por outro, tentar transformar o mesmo a partir de dentro.

Anónimo disse...


Diz Ricardo no 4.º parágrafo:
" Ao longo dos últimos 30 anos não faltou quem alertasse ...."
É verdade ! O PCP previu e preveniu o que iria acontecer !

João Pedro

Anónimo disse...

"Se RT for eleito deputado..."

Deus nosso Senhor, ajude-nos por favor!!!
Faça com que nenhuma moleta do PS ganhe um lugar que seja no parlamento!!!

jaime crespo, disse...

"Deus nosso Senhor, ajude-nos por favor!!!
Faça com que nenhuma moleta do PS ganhe um lugar que seja no parlamento!!! "
Valendo a afirmação o que vale, quer do ponto de vista religioso quer da perspectiva ortopédica, o senhor não quer na assembleia ninguém de esquerda e que possa fazer aliança com o PS. Ou seja, está a esfregar o rosário pedindo à vigem maria mais um governo de direita.

Anónimo disse...

Na minha opinião, é puro oportunismo aproveitar a imagem negativa do sr. Schäuble para evitar a discussão dos temas que deveriam ser debatidos, nomeadamente, o estudo e eventual preparação do agora chamado "plano B" de que o PCP já fala há muito tempo. As recentes propostas do sr. Hollande demonstram que o fim da UE e da Zona Euro pode estar mais próximo do que se espera.

João disse...

Meu caro Jaime, quando fala em alguém de esquerda para fazer alianças com o PS, tem mais ou menos o quê em vista? Por exemplo, sei lá, se o ex-candidado a secretário-geral socialista Vítor Constâncio formasse um movimentão tipo "Constância e Constâncio", é do parecer que as nossas almas podiam dormir em paz, porque tínhamos esquerda por todos os poros, ou seria preciso avaliar mais qualquer coisa? É que de vez em quando e voltando à fé, tirando a religiosa (eu que até sou crente) não vejo razões para tanta crença, sobretudo em ídolos com pés de barro. É que isto de ser de esquerda, implica não dormir com a direita e isso - andar pelo lado certo do caminho - é que é o cabo dos trabalhos.

Rogério G.V. Pereira disse...

Há fulanos que passam a vida a fulanizar!

Anónimo disse...


Mas, Jaime Crespo, o PS não precisa de muletas para fazer a política da direita; o PS é um partido ao serviço das mega-corporações. Há muito que deixou o lastro republicano, laico e socialista. Não persista, por favor, na ideia de que o PS é de esquerda, invocando mesmo, em vão, o nome da Virgem Maria...Aleluia !

João Pedro

Anónimo disse...

Pois... Agora, o grande e único causador do descalabro europeu é Wolfgang Schäuble. Afinal de contas, tudo isto foi obra de um maléfico espírito singular. Invertem-se os dados da equação e não foi o preconceito alemão e o seu desdém pelos povos do Sul que promoveram Schäuble ao lugar e à aprovação quase geral (na Alemanha, claro está) que agora detém; não, foi o simpático dr. Strangelove das finanças alemãs que criou toda uma atmosfera de mal disfarçado ódio ao Sul e aos seus povos em boa parte do bom "volk" alemão. E disto tudo, an-do-li-tá quem está livre livre está, saem completamente inocentes os inenarráveis incompetentes de "esquerda" e de direita que tiveram em mãos, até à data, o brilhante e bem sucedido "projecto europeu".
Como se vê pela recente proposta de Hollande, há quem se sinta muitíssimo bem na companhia de Schäuble e do seu povo, desde que isso signifique a desgraça dos outros e não a sua própria desgraça. Conclusão: é correr com Schäuble e a Europa voltará a ser o paraíso na terra que outrora foi. É isto o sintoma de uma percepção dos processos políticos inusitadamente simplista ou será um preventivo sacudir a água do capote em pretéritos erros de análise?

Anónimo disse...

Tudo isto me faz lembrar a caótica confusão de um rebanho numa cerca uma vez nela introduzida uma alcateia. Os lobos hão-de comer as ovelhinhas e, quando já as não houver e, apesar do sangrento banquete, ainda existir apetite para mais carnificina, hão-de devorar-se uns aos outros até só sobrar um deles. Ser o lupino macho alfa um "Schäuble", um "Gunther" ou um "Hans" é indiferente para a adivinhada sorte das ovelhas. Aliás, há agora um lobinho que, querendo agigantar-se, pretende ditar o número de efectivos da alcateia e que dá pelo pouco germânico nome de "Hollande".
Com cara de cachorro apanhado no meio da borrasca ficou o Messias de Massamá, o nosso querido Primeiro: julgava-se, dada a sua canina solicitude para com os poderosos da alcateia, um membro dos componentes do feliz grupo dos predadores de topo, mas mandaram-no ir brincar com os do seu escalão: os cachorrinhos de Espanha e da Grécia. A ele, coitado, que não se cansava de protestar que não era grego. Não se faz. E nem um carinho da mamã loba Merkel ele recebeu... Chocante.

Anónimo disse...

O RT nunca dirá ideia nenhuma sobre nada. É um medíocre a querer brincar à política. As únicas ideias que se conhecem sobre o Livre/Tempo de Avançar é sobre tática. Unir as esquerdas e primárias são todo o seu programa político. Unir as esquerdas o RT já disse que é fácil. Basta o PS dar-lhe um pézinho no Conselho de Ministros. Quanto às primárias, já deu barraca. O Daniel Mota foi afastado (tinha ganho no Porto) com uma verdadeira chapelada - de filme - porque o Ricardo Sá Fernandes (que se presta para este papel?) não podia perder e levou uma tareia em número de votos. A Comissão Eleitoral do Porto achava que deviam haver novas eleições mas Lisboa (Rui Tavares) disse que não: Ricardo Sá Fernandes passava a primeiro lugar.
E depois não compreendem como é possível que, mesmo levados num andor pela comunicação social, estejam a desaparecer do mapa eleitoral. Cada sondagem nota-se uma maior queda do Livre/Tempo de Avançar. As pessoas querem ideias, não estes políticos de faz de conta mais preocupados com o como devem ser do que com o que efetivamente são (talvez porque o que sejam seja mesmo toda esta mediocridade que transparece do LTA - e a Ana Drago e o Daniel foram lá se meter, mesmo depois de dizerem nos jornais que nunca isso ia acontecer. O povo não gosta destas cenas).

Anónimo disse...

Para avaliar a profunda perspicácia política de Rui Tavares e alguns dos seus companheiros de aventura no LTA, basta puxar pela memória. A sua voluntariosa fé libertária levou-os(corrijam-me, se me engano) a crer em histórias da carochinha nos casos da Líbia e da Síria. Acreditaram, esses anjinhos idealistas, na bondade de "revoluções" populares levadas a cabo por gente de sólidas credenciais democráticas. Essas sólidas credenciais democráticas não demoraram a mostrar as suas verdadeiras naturezas sanguinárias. Consumado o desastre, nem um esboço de "mea culpa" lhes ouvimos. Estou certo que, agora, tal gente lamentará muito a autêntica catástrofe humanitária que tem o Mediterrâneo como horrendo palco, contudo as lágrimas ora derramadas não passam de sintomas da mais pura hipocrisia dadas as suas pretéritas tomadas de posição. Essa gente foi parte integrante do aparato ideológico e mediático do eixo EUA/Bruxelas que possibilitou a destruição da Líbia e da Síria. Aquilo que agora criticam na Grécia, tirando a ausência de bombas, não é, nem na sua essência nem nos seus objectivos, muito diferente daquilo que se passou na Líbia ou na Síria: trata-se de destruição pura e simples daqueles que resistem a andar no carreiro previamente traçado por aqueles que se acham senhores do Mundo. Lá diz o velhíssimo ditado "Diz-me com quem andas, dir-te-ei quem és": quem anda com companhias destas muita coisa poderá ser, mas de esquerda é que não é de certeza absoluta.

Anónimo disse...

Schauble é apenas um agente reaccionário da Alemanha e da aberração que constitui a zona Euro. É evidente que foram os Tratados imperfeitos que deram origem a esta aberração. A moeda unica é inviável tal como foi concebida e apenas serve de instrumento de dominio de uns países sobre outros.Isso foi visto pelos países nordicos que não aderiram ao Euro.O unico que aderiu foi a Finlandia que está a pagar caro por isso.

Anónimo disse...

O Euro, é uma armadilha da qual Schauble é um dos membros da equipe que procedeu à sua montagem.

Unknown disse...

Não é a personalidade de Schauble que interessa, é a sua posição política e ideológica, Schauble é o homem da negociação da reunificação alemã, ele guiou o conceito que deu cabo da alemanha oriental para além do necessário, instaurou o cambio fixo 1bundesmark=1ddrmark, criou um fundo de venda de activos da DDR, privatizou, fechou, etc, depois de 25 anos de reunificação, uma parte da Ostdeutschand continua estagnada, houve uma migração da população, do ost a west brutal, ha zonas que sem ajuda federal estavam em polvorosa ha tempos, etc.
Na crítica RT se coloca a questão de como iria a votar propostas de cortes ao Estado sial, eu acho, é nisto baseio-me em outros exemplos, que o trabalho completo a fazer desde a direita vai mais por diminuir o peso do estado, privatizar zonas do estado que dem lucro, obrigando as pessoas a pagar mais por saúde e educação, aumentando as contribições para a solidariedade social, ou mesmo privatizando zonas delas, com isto se alcança um outro objetivo que é retirar pressão social sobre o estado, as relações sociais são mais privadas, como acontece na Suiza, nos USA, no Chile.