quinta-feira, 30 de outubro de 2014
À esquerda, tempo de rever a estratégia
As recentes declarações de António Costa (AC) sobre a dívida pública são um verdadeiro programa de governo: "Não nos distraiamos daquilo que é essencial e que está ao alcance da nossa mão, que é reforçar o investimento através dos recursos que estão disponíveis. É necessário naturalmente fazer o outro debate [sobre reestruturação da dívida] e é necessário que os consensos técnicos alargados se vão estabelecendo ao nível europeu, porque só uma solução ao nível europeu seria possível e admissível." ("Económico"/Lusa, 24 Outubro).
Imagino a decepção dos sectores da esquerda que fixaram como objectivo estratégico para o combate político a reestruturação da dívida, de certo contando com o apoio de AC. O que este lhes disse é claro: não contem com o PS para um braço de ferro com a UE. No PS já se faz contas a uma maioria absoluta, meta que tentará alcançar apresentando uma candidatura inclusiva, aberta a personalidades de diversos quadrantes políticos. AC traçou uma linha vermelha: "Só uma solução ao nível europeu seria possível e admissível." Portanto, a saída da crise em que estamos mergulhados não depende de nós e terá de ser encontrada no plano da UE, num processo negocial algo parecido com o das recentes negociações de Hollande e Renzi que conduziram ao reforço da austeridade nos respectivos orçamentos para 2015.
AC admitiu também que se chegará a um compromisso com a UE que, mesmo sem tocar na dívida, nos permitirá receber os recursos financeiros correspondentes a uma hipotética reestruturação. Tendo presente a agressividade do debate sobre os acertos de contas no orçamento da UE, é preciso ter muita fé para acreditar que os países do centro estão dispostos a contribuir com transferências para a periferia da zona euro, em montantes que dispensem a reestruturação das suas dívidas. Convém não esquecer que o tratamento dado a Portugal seria reivindicado pelos outros países devedores, e que tal acordo generoso teria de ser aprovado pelos parlamentos alemão, austríaco, finlandês e holandês. Não sei de onde veio esta ideia, mas uma coisa é certa: não passa de um sonho.
Aliás, a insistência de AC no potencial de crescimento associado aos fundos comunitários, os do QCA já negociado, é também reveladora de grande optimismo. De facto, a execução do QCA depende da candidatura de projectos de iniciativa privada ou pública. Ora o actual clima de depressão, em Portugal e na zona euro, criou problemas de liquidez que tolhem os promotores privados e geram expectativas pessimistas quanto ao futuro, a curto e a médio prazo. Daí um inevitável arranque lento na componente privada do QCA. Por outro lado, a necessidade de conter o défice dentro dos limites impostos pela CE conduz o investimento público a um nível insuficiente para, mesmo com elevada comparticipação comunitária, produzir efeitos significativos no crescimento económico. Ao contrário do que AC sugere, não há boa administração do QCA que substitua uma política orçamental keynesiana e uma política industrial, ambas proibidas na UE.
Este é o impasse em que nos encontramos: à espera de um milagre orçamental europeu, por bondade da Europa rica; à espera que o BCE salve o euro, imitando a Reserva Federal americana.
Pelo menos os economistas sabem, ou têm obrigação de saber, que mesmo uma política monetária agressiva como a que os EUA têm praticado já não chega para salvar a zona euro da deflação. Vem tarde e terá uma escala limitada porque não pode correr o risco de um veto do Tribunal Constitucional alemão. Por isso, a zona euro está condenada a passar por sucessivos colapsos-relâmpago nos mercados financeiros, como o da semana passada, até que chegue o colapso final. AC e seus assessores têm dado sinais de que não percebem isto e, portanto, acabarão por ir a reboque dos acontecimentos. Quanto às esquerdas, chegou o tempo da reformulação estratégica: a dívida não pode ser um refúgio para evitar reconhecer que o euro já não funciona e acabará um dia destes.
(O meu artigo no jornal i)
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15 comentários:
António Costa está a anunciar ao que vem, e isso é sempre saudável, nas ultimas eleições legislativas parece que houve muita gente enganada, suspeito que esses mesmos enganados se vão voltar a enganar...
Quando um candidato a primeiro ministro apenas compreende a lógica da subjugação, neste caso europeia, expõe em absoluto a sua incapacidade para o cargo.
as esquerdas devem se unir. na opinião do livre devem aplaudir e fazer tudo o q costa determinar. até as frases a usar devem ser identicas ao que diz napoleao. tipo "cada um mobilize as forças que tem". patético. mal vai a esquerda que depende de um antonio costa. por outro lado, até o nome do partido vao mudar (o nome era o melhor q tinham) pq oliveira determinou. um partido feito do externo. uma esquerda "livre" q é tudo menos livre.
À esquerda, tempo de rever estratégia: outra vez? Com tantas revisões e divisões, e à medida que as ditas "alternativas" vão sendo eliminadas, ainda vão chegar à conclusão que afinal "não há alternativa à austeridade". Ainda lá vão chegar, mas devagar e passo a passo.
Bem, o Livre e a Convergência Democrática estão repletinhas de pessoal habituado a rever estratégias. Alguns vão redescobrindo agora (pois alguns até já o souberam antes desta última alteração de estratégi), o que há muito outros dois grupos algo mais antigos vinham dizendo sobre a natureza do Costa e do PS?
O anónimo das 20 e 42 tenta fazer passar, voluntária ou involuntariamente o arrolhar perpétuo neoliberal. O do caminho único e a "não alternativa à austeridade"
Baseia-se o dito anónimo nos debates que à esquerda se abrem,fecham,degladiam e persistem.
Várias coisas se podem concluir de tals "debates" e uma delas é sem dúvida a conclusão, por parte dum cada vez maior número de pessoas, que nada se deve esperar de relevante de Costa e do PS no arrepiar deste caminho suicidário.
Muitas outras ilações se podem tirar de tal debate.
O que (para infelicidade do referido anónimo) não é possível tirar como conclusão é a "rendição " para a qual nos empurra da forma sonolenta, matreira e à rapaz do regime austeritário.
Mas à medida que o debate se adensa, qualifica e singra, mais se torna claro o embuste do caminho austeritário.
É preciso ter galo para ao tentar fazer passar a mensagem troikista (desta forma à portas), virem-lhe chamar a atenção para a maior determinação no trilhar dum caminho oposto ao seguido pelos capangas que nos governam.
(E não é comum a direita ir a passo.
Geralmente os neoliberais estão mais próximos do passo de ganso, como a dupla pinochet/friedamn mostrou)
De
A alternativa é sair do euro, deixar a moeda flutuar livremente e converter a dívida pública e privada em novos escudos.
Aliás, o princípio lex monetae pode ser invocado pelo governo.
Portugal precisa:
1.Discussãoa, ampla, entre todos os que têm Ideias claras.
2.Políicos honestos e competentes.
3.Um Projecto, onde a Bioeconomia tenha um papel central.
4.Realização Económica, onde o Cooperativismo e Paricipação, sejam
Fundamentais.
5.Escrutínio permanente, via internet e debates públicos. José Gouveia
Para o amigo Bateira, que só fala maravilhas da saida do euro, deixo esta analise do eugenio Rosa:
http://resistir.info/e_rosa/saida_euro_vantagens.html
Caro DE
Eu não tentei fazer passar nada. Foi apenas um resumir (irónico e provocador, reconheço) do que se tem passado até este momento à esquerda do PS.
Por coincidência, o Unabomber deixou um link para uma análise de Eugénio Rosa que parece refrear os ânimos sobre a saída do euro.
Na minha opinião a esquerda à esquerda do PS está num beco sem saída e as constantes revisões de estratégia, a fragmentação, ... são apenas um reflexo disso.
O anónimo das 20 e 42
Ao "31 de Outubro de 2014 às 13:18"
acho que erra quando diz que "a esquerda à esquerda do PS está num beco sem saída e as constantes revisões de estratégia, a fragmentação, ... são apenas um reflexo disso."
Há dentro dela quem de facto tenha tentado mudar estratégias e convergir com o PS e que vencidos saíram para se meterem nos braços de Costa. Isso é fragmentação da estratégia da esquerda? Tenho dúvidas, quanto a que isso constitua uma fragmentação.
Se cada militante que saísse descontente e vencido fosse tratado como uma fragmentação...
O caminho estratégico da esquerda de onde saíram em nada se alterou, eles é que arredaram caminho. Já no PS podem ir aparentando mudar de estratégia, dos 38 PEC às austeridades fofinhas, dentro da trela da UE, (e há uns que enquanto não forem Governo até defendem coisas e estratégias próximas das da CDU e do BE) mas lá que não saem do partido lá isso não saem.
"Se cada militante que saísse descontente e vencido fosse tratado como uma fragmentação..."
Estado de negação.
4 anos passados sobre o início da austeridade (para simplificar) o que é que existe realmente à esquerda do PS:
- Estratégia minimamente consolidada?
- Coesão, convergência, ainda que mínima?
- Crescimento eleitoral ou perspectivas disso?
Nada. É preciso reconhecer e sair deste estado de negação.
O que sobra são algumas reflexões bem fundamentadas (por exemplo, aqui neste blogue) e algumas manifestações de rua (no início). É pouco para tanto tempo e para tanta austeridade. Não foram as elites da direita que falharam. Foram as da esquerda e o PS, que vai ganhar as próximas eleições com maioria absoluta, vai simplesmente continuar a alternância e rapidamente esquecer as promessas (repor os salários da FP em 2016?). Mais uma prova de que nada do que foi feito à sua esquerda teve qualquer influência ou mudou o que quer que seja.
E agora vem-se falar outra vez de rever estratégias? Haja paciência!!!!
A discussão sobre se "há alternativas" é estéril quando se percebe, e este post contribui de forma clara para essa percepção - "tempo de rever a estratégia" após 4 anos de austeridade!! - que isso pouco interessa para o cidadão se essas alternativas não têm viabilidade política, isto é, eleitoral.
É natural (e exigível) que Jorge Bateira, João Rodrigues e outros académicos continuem a sua reflexão e procurem com ela influenciar a opinião pública. E nesse sentido demonstram que há alternativas. Mas isso em nada diminui a conclusão a que chego: após 4 anos de reflexão (é muito tempo!), não há efectivamente alternativas (eleitoralmente) viáveis à austeridade. Após 4 anos, muita reflexão e muitas estratégias depois, a austeridade sobreviveu à prova de fogo: a próxima escolha eleitoral vai ser entre austeridade e austeridade e, como é natural, a austeridade vai ganhar e vai continuar. É um facto.
"31 de Outubro de 2014 às 17:19"
Essa ideia que nada existe, é a a conversa dos tenores que foram desaguar no Livre e na CD e de onde agora voltam a sair apelos a revisão da estratégia (veja-se Bateira que de todo enfio no saco dos Tavares, Dragos e Oliveiras). É a ideia dos que andam atrás do PS.
Mas não é a ideia dos que já desistiram de contar com o PS no imediato e que definem estratégias fora desse colete de forças.
Se o PS não cede na existência de PPP, nem de swaps, há quem prefira que haja quem com peso na oposição continue a erguer as ideia de um Estado Social público e solidário sem outsorcings, sem cedências a interesses não políticos.
É neste sentido, no sentido do objecto em que incide a análise que o comentador falha quando fala em processo de negação. O objecto é mais sofisticado do que aquilo a que o reduz.
Assim, fala o comentador de inexistência de
- Estratégia minimamente consolidada?
Não tem a dimensão, nem o nível de convergência e sentido, nem a visibilidade que eu desejaria, mas não têm cessado encontros entre BE e PCP. Que desagrade aos mais sonoros críticos (os Tavares, as Dragos, os Oliveiras) não quer dizer que não exista. A ausência de uma estratégia de que não gostemos, não implica a falta desta. E ela é até bastas vezes explicitada.
- Coesão, convergência, ainda que mínima?
Então não? PCP e BE têm defendido as mesmas coisas, têm votado dos mesmos modos, têm estado nas mesmas lutas, nos mesmos combates. Têm posições diferentes sobre o Euro e União Europeia? Sim, têm, mas são mínimas e nada que impeça entendimento. Qual o drama bloquista em preparar um plano de saída do euro just in case? Quero crer que nenhum. Tal como o PCP nunca vai impor uma saída pq sim.
- Crescimento eleitoral ou perspectivas disso?
O conjunto PCP e BE tem tido melhores resultados. Verdade que o BE caiu, que Costa terá melhor votação que Seguro mas já houve sondagens dando quase vinte por cento à esquerda. Não acredito em tanto nas próximas legislativas, mas também não acredito que a esquerda chegue já o poder.
Num post mais a baixo, João Rodrigues, um dos ladrões mais interessante, se não o mais interssante, cita Freitas do Amaral. «“Em 1974, 1976, 1980, era proibido a qualquer pessoa que não fosse desse setor dizer que eles [PCP e BE] tinham razão. Eu acho que eles têm razão”, disse Freitas do Amaral esta semana, defendendo a nacionalização de 1/3 da PT para assegurar o controlo público de uma empresa considerada vital para o desenvolvimento tecnológico do país.»
"31 de Outubro de 2014 às 19:03"
Estou desempregado desde meados de 2011, motivo de força maior para ter pressa.
Mas há quatro anos não havia alternativas. Que agora se escolha entre austeridade e austeridade já é uma avanço.
Se tem a varinha mágica que decida em contrário pq não a emprestou aos partidos (PCP e BE) que sempre disseram haver alternativas? Acho que a aceitariam de bom grado.
Freitas do Amaral dá razão ao PCP e BE, mas fale aí na rua e veja se há muitos assim.
"31 de Outubro de 2014 às 19:20"
É verdade que existe muita coisa mas nada constitui verdadeira alternativa eleitoral e é nesse sentido que eu afirmei que não há alternativas.
A um ano de eleições tudo ainda pode acontecer mas o efeito do voto útil (corporizado no PS) vai fazer implodir o BE, o Livre, o Marinho Pinto, ... Tudo se vai polarizar no confronto PS vs PSD/CDS ou seja austeridade vs austeridade.
Quanto ao PCP, independentemente do que propõe, da razão que possa ter, ... a verdade é que é dono de 12% que na prática não servem para nada em termos de alternativas de governação. Até o tema "verde" está completamente colonizado pelo PCP, de tal forma que ninguém se atreve a avançar com propostas ecológicas defendidas à décadas pelos mesmos.
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