Ontem ficámos a saber que o novo presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, defende a flexibilização das regras orçamentais da UE, bem como o lançamento de um vasto programa de investimentos para relançar o crescimento à escala continental. Esta notícia trouxe alento a quem acredita na possibilidade de uma saída para actual crise portuguesa (e de outras economias da periferia da zona euro) que não passe por soluções traumáticas – sejam elas no sentido de uma reestruturação (potencialmente conflituosa) da dívida pública, ou no sentido de um acentuar da estratégia de austeridade (o que passaria por acelerar o desmantelamento do Estado Social).
Quem tem presente a tese do “triângulo das impossibilidades da política orçamental” que aqui defendi, intui com facilidade o sentido da diferença que as propostas de Junker podem fazer. Por um lado, um dos vértices do triângulo – as exigências do Tratado Orçamental – deixaria de constituir uma restrição tão severa. Por outro lado, a redução da austeridade e o programa de investimentos tornariam mais credíveis as previsões de rápido crescimento económico. Logo, seria mais fácil reduzir a dívida sem necessidade de reestruturação e sem desmantelar o Estado Social.
Importa notar, no entanto, que Juncker não defende o fim da ‘consolidação orçamental', apenas a sua flexibilização. Se formos optimistas, podemos esperar que tal signifique que, durante alguns anos, ‘apenas’ será exigido aos Estados que mantenham défices orçamentais abaixo dos 3% do PIB (em vez de reduzir o défice estrutural para 0,5% do PIB e de reduzir a dívida pública excessiva em 1/20 por ano). Dado que Portugal paga cerca de 4,5% do PIB em juros todos os anos, isto implicaria manter saldos orçamentais primários (i.e. após pagamento de juros) positivos superiores a 1%, durante mais de uma década (assumindo que a benesse de Juncker estaria em vigor até lá).
Em segundo lugar, Juncker ainda não explicou de onde virão os fundos para o seu programa de investimentos, sendo certo que a participação dos Estados estará limitada pelo objectivo de “consolidação orçamental”. Se formos muito optimistas (i.e., se ignorarmos os elevados níveis de endividamento privado em Portugal e a fragilidade do padrão de especialização da nossa economia), podemos assumir que o 'Plano Juncker' conduziria a um saudável crescimento real do PIB na ordem dos 1,8% ao ano, a partir de 2016 (o valor referência utilizado pelas instituições internacionais para o crescimento de longo prazo em Portugal).
Se continuarmos nesta linha de optimismo, podemos assumir que a deflação será eficazmente combatida a breve trecho e Portugal poderá regressar aos 1,8% de inflação anual, habitualmente apresentados como valor “normal” de longo prazo.
A pergunta seguinte é: com estas perspectivas optimistas, em que medida se altera a severidade das escolhas que aqui foram discutidas? A resposta é, muito pouco.
A probabilidade de se verificarem as condições atrás referidas passa de cerca de 6% (30 casos em 504 observações), nas anteriores estimativas, para 7,5% (38 casos). Se considerarmos as previsões do DEO para o crescimento do consumo privado, passamos de uma probabilidade de 2% (10 casos) para 2,7% (14 casos).
Note-se ainda que,
tal como anteriormente, aqueles valores correspondem à probabilidade de se verificarem as condições previstas num único ano. No entanto, tais condições teriam de ocorrer não apenas num ano, mas todos os anos ao longo de pelo menos uma década.
E, tal como nos meus cálculos anteriores, em nenhum dos casos identificados o país em causa apresentava uma dívida externa líquida superior a 100% do PIB – como é o caso actual da economia portuguesa.
Que diferença fazem, então, as propostas de Juncker? Em suma, muito pouca.
Consiga ou não Juncker convencer os governos europeus (em particular o alemão) da bondade das suas propostas, ainda estaremos perante a necessidade de fazer escolhas traumáticas.
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1 comentário:
O início esperançoso do artigo ainda me fez questionar se o Ricardo estava a ressacar o almoço. Felizmente para o fim mostrou que não. Em particular com a parte do não desmantelar o Estado Social. Devem-se contar pelos dedos de uma mão (e sobrarem) os comissários que dariam uma mão em troca de uma vaga noção de Estado Social. O que todos defendem é um Estado Social Mas. Basta ver que o Katainen é o responsável máximo para os temas económicos e estamos esclarecidos sobre o que Juncker pensa.
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