A tendência para o aprofundamento da política-espectáculo é inevitável, pelo menos enquanto permanecer a actual desregulação neoliberal dos media e o desinvestimento no serviço público de comunicação social. Berlusconi ascendeu ao poder político através da televisão liberalizada e o actual primeiro-ministro italiano fez carreira política, ganhou as directas no Partido Democrático e derrubou o seu primeiro-ministro, em grande medida graças a excepcionais competências mediáticas. A Itália atravessa uma gravíssima crise e boa parte do eleitorado italiano confiou em Matteo Renzi para se ver livre dela. Infelizmente, o máximo que os italianos vão conseguir é alguma tolerância no cumprimento das metas do Tratado Orçamental, tendo em conta a deflação que se instala na zona euro.
O que a habilidade mediática não poderá comprar é uma política keynesiana de relançamento da economia italiana porque esta foi proibida pela Alemanha como condição para abdicar da sua moeda. Um dia destes, muitos eleitores de Renzi perceberão o logro e, face à dramática falta de comparência de uma esquerda eurocrítica, lançar-se-ão nos braços de um qualquer salvador, mesmo que seja um palhaço. A mediatização da política tornou-se causa e consequência da degradação da democracia: a escolha das políticas há muito que não depende do voto dos cidadãos, mas as televisões e os jornais escondem essa realidade e criam a ilusão de que tudo se joga no dinamismo da liderança política.
Os sinais de que uma nova bolha financeira pode estar a atingir uma dimensão explosiva são abertamente discutidos nas colunas da opinião especializada (ver FT - 21 Set., "The glaringly obvious guide to the next crash"), mas em Portugal isso não é relevado. Além do futebol, a prioridade dos media foi o grande salto em frente na democracia portuguesa: as primárias do PS. É pena que tenhamos ficado sem saber como pensavam os candidatos reindustrializar o país com o novo Quadro Comunitário de Apoio, conhecendo-se bem o que aconteceu ao peso da indústria com os anteriores. O vencedor, como era de esperar, escondeu num discurso de piedosas generalidades a sua impotência para enfrentar a depressão em que estamos metidos.
Contando com o apoio da França, também ela necessitada da tolerância da Alemanha, António Costa e seus assessores esperam uma coligação das periferias para torcer o braço ao eixo Bruxelas-Frankfurt-Berlim e finalmente obter uma renegociação honrada da dívida externa, uma leitura flexível do Tratado Orçamental e, quem sabe, algumas derrogações que viabilizem uma política industrial.
Pela minha parte, admito que, para além dos interesses próprios, "as diferenças na história, língua e cultura dos vários estados impediram e continuarão a impedir os líderes de celebrarem os compromissos nas políticas orçamentais e de regulação necessários à viabilidade de uma zona monetária." (FT, 22 Set., "The fatal flaw that could doom the European project"). A rápida ascensão eleitoral do partido anti-euro, Alternativa para a Alemanha (AfD), reduzindo a margem negocial de Merkel, empurrará Renzi e Costa para o mesmo destino de Hollande, a queda em desgraça. Será esta a última ilusão a perder para, finalmente, Portugal enfrentar a realidade do fracasso do euro?
(O meu artigo no jornal i)
1 comentário:
Falhanço do euro? Já vi chamarem coisas menos simpaticas á má governação.Se não se tivessem esquecido da maquina de nevoeiro e as trombetas da epoca até podiamos crer que finalmente chegou o grande governante estilo sebastiao.
Enviar um comentário