sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Pressupostos para uma base de entendimento à esquerda?

Considerem-se os seguintes pressupostos:

1. É errado passar o tempo tentando procurar exclusivamente um responsável interno por uma crise que é europeia. Trata-se de uma crise do euro nas suas várias vertentes: processo que levou à sua criação, regras e instituições disfuncionais, forma desastrada como a crise foi gerida e estratégia errada de resolução.

2. A diminuição do crescimento foi a causa dos problemas de contas públicas e não o contrário. O atual Governo ignorou este facto e alinhou a sua estratégia com a visão de que a única questão a resolver era o problema de contas públicas. A diminuição da despesa pública devia corrigir o défice público e garantir a redução da despesa interna e da procura de trabalho que, pelo aumento do desemprego, conduziria à diminuição dos salários. A redução da procura interna substituiria a desvalorização, contribuindo para reduzir as importações e para aumentar a competitividade, pela redução dos salários, promovendo uma aceleração das exportações. A rigidez do mercado laboral podia atrasar a descida dos salários e a redução do custos unitários de trabalho (CUT). Daí a prioridade dada à reforma da Lei Laboral e à liberalização dos despedimentos.

3. A realidade mostra que a teoria do empobrecimento não resultou. A correção do défice externo aconteceu, mas foi baseada crescentemente mais na queda da procura interna e das importações do que na expansão das exportações. O nível de recessão imposto à economia acabou por minar os esforços de consolidação orçamental. A redução do défice em 2012 e 2013 juntos foi metade da verificada em 2011. A economia caiu muito e o défice pouco. O empobrecimento da base fiscal assim o impôs. Apesar dos sacrifícios exigidos, o crescimento do rácio de endividamento não abrandou, puxado tanto pelo aumento da dívida como pela baixa do PIB. É preciso alterar as prioridades e perceber que só uma retoma sustentada pode permitir consolidar as contas públicas e estabilizar o endividamento.

4. O ajustamento seguido está a causar uma perda de capacidade produtiva. O País não está apenas a produzir menos num contexto de recessão. Nestes dois anos Portugal viu descer o seu PIB potencial. Como é que isso aconteceu? Portugal perdeu mão de obra, perdeu capital e perdeu confiança nas instituições. A retoma vai ser feita sem estes recursos, a partir de um patamar mais baixo. Afundar a economia não pode ser parte da solução, pois só agrava o problema.

5. Há algo que justifique que cortar ainda mais a despesa pública, sobretudo a de natureza social, seja a grande prioridade? Há evidência de que o modelo neoliberal subjacente à "reforma do Estado" é o que melhores resultados dá em termos de desenvolvimento das economias? A resposta a estas questões é não e não. A "reforma do Estado" é, um dia, pretexto para impor mais recessão cortando transversalmente na despesa pública, outro dia agenda para cumprir o velho sonho de privatizar serviços públicos.

6. O desenvolvimento do País requer mais investimento, mais qualificações, melhores instituições e sensibilidade social. Em termos de presença do Estado na economia, se olharmos sem cegueira ideológica para as experiências de maior sucesso nos últimos cinquenta anos (Alemanha, Coreia, Japão, China, etc.) verifica-se que o modelo dominante são economias mistas onde o Estado está presente na economia, seja como parceiro estratégico das empresas, seja mesmo enquanto acionista.

7. Em teoria, Portugal pode ultrapassar a crise se flexibilizar as metas orçamentais ao mesmo tempo que a Alemanha estimule a sua procura interna, se as regras do euro evoluírem, nem que seja gradualmente, no sentido positivo, se a Europa compreender a vantagem de um plano Marshall para Portugal desenvolver os sectores em que tem uma vantagem competitiva, se a requalificação dos adultos e a educação dos jovens tornar a ser a ser um objetivo prioritário, se for possível estancar a hemorragia de jovens a emigrarem para o estrangeiro, se não houver uma surpresa negativa no sistema bancário, se for dada importância à manutenção da coesão social recuando em várias medidas extremas que já foram tomadas. Se tudo isto acontecer, então em teoria é possível. O problema é a prática. O problema da Europa é político, não é económico.

8. É fundamental definir claramente a fronteira que o país não está disposto a ultrapassar.


Quem lê este conjunto de pressupostos sobre a situação actual pode chegar a pensar que são retirados daqui. Não é o caso: com pequenos arranjos (nada que desvirtue o essencial da análise), o texto acima reproduz passagens da série de cinco artigos que Manuel Caldeira Cabral (antigo assessor dos Ministros da Economia e das Finanças do anterior governo) e Manuel Pinho (ex-Ministro da Economia) escreveram esta semana no Diário de Notícias.

Daqui a um programa de governo de esquerda é um longo percurso, bem sabemos. Mas se fosse aceite de forma inequívoca pelo conjunto das forças que se opõe à estratégia actual, estes pressupostos poderiam ser uma boa base de conversa.

6 comentários:

Diogo disse...

Estou-me nas tintas se o governo é de direita ou de esquerda. O que eu não quero é um governo de criminosos a soldo de uma Banca Parasita.

adelinoferreira disse...

Diogo
Eu não sou Ladrão, nem mandatado das bicicletas, mas o que pretende só é possivel por um governo de esquerda.É que isto de esquerda e direita não é tudo a mesma coisa.

José Luís Moreira dos Santos disse...

Há neste post algo que me aborrece profundamente: qual é a razão que justifica que para fazer um caminho novo, tenha que se recuperar alguns desenhadores de vielas velhas e fedorentas? Onde está a clareza no que dizem? Com minimalismos teóricos, só se pode atingir grandes desilusões reais. Está bem que é necessário e urgente fazer algo, mas de acordo com princípios e vontades que estão muito para além do que vem dos citados embrulhadores de facilidades pequeninas.
José Luís Moreira dos Santos

Anónimo disse...

Eu cá não estou a ver nenhum governo de esquerda que ande a soldo de uma banca parasita, mas está bem.

Anónimo disse...

Grandes desilusões reais é o que esta politica de direita selvagem liberal nos tem dado.Sabe, os números não mentem ...e a situação económica actual também não mente.....é uma pena estes membros do governo não emigrarem mesmo.

Anónimo disse...

Lamentavelmente a nossa política é feita por pessoas que nunca tiveram um "trabalho a sério" e cujo intuito é terem muitos € no "bolso" pois foram essas as lições que os "Amigos" e o facilitismo lhes deram. Gostaríamos nós os Portugueses, que fazem este país, de ver Políticos com um salário bruto inferior a 2.000€ e transparência nas suas contas pessoais. O parlamento estaria vazio.