sexta-feira, 29 de novembro de 2013

A espiral segue dentro de semanas


Defendendo na Assembleia da República a proposta de Orçamento para 2014, a Ministra das Finanças afirmou que "a recuperação da autonomia financeira perdida exige um processo de ajustamento que vai além das condições do programa". Para os que ainda suspiram pelo fim do protectorado, a ministra lembra que o ajustamento não decorre apenas dos compromissos com o Memorando, decorre também dos compromissos assumidos com a participação na zona euro e da necessidade de restabelecer a confiança dos mercados financeiros. De facto, quem não questiona a participação de Portugal na zona euro tem de aceitar estes constrangimentos. Mais, tem de aceitar as novas exigências do Tratado Orçamental quanto aos défices e à dívida pública, bem como o escrutínio prévio dos orçamentos dos estados--membros no âmbito do "semestre europeu". Em suma, tem de abdicar da política orçamental como instrumento de estabilização dos ciclos económicos e de promoção do investimento público em ordem ao desenvolvimento. Evidentemente, é sempre possível acreditar que um dia o ordoliberalismo alemão será expurgado dos tratados e da legislação europeia. É sempre possível acreditar que o objectivo do pleno emprego será um dia a prioridade da política económica europeia. É sempre possível acreditar no Pai Natal.

Com o novo pacote de redução de salários e pensões, o Orçamento retoma a espiral recessiva iniciada em 2011. É verdade que, após a terapia de choque inicial, a economia tem dado ténues sinais de poder vir a retomar o crescimento. Daí que, tanto o governo como os ideólogos do regime, se tenham apressado a lembrar que estavam errados os economistas radicais que clamaram contra a espiral recessiva em que o país tinha mergulhado. Para falarem assim, omitem dois elementos essenciais: primeiro, a austeridade teve um compasso de espera em 2013, deixando extinguir os efeitos multiplicadores sobre o produto; segundo, tendo as famílias (no seu conjunto) aumentado muito a poupança, e estando a relação com o resto do mundo em equilíbrio, então forçosamente o sector público terá um défice elevado. Esta última relação é contabilística, não é uma opinião. Infelizmente, a ministra das Finanças não parece conhecer as identidades básicas da macroeconomia porque, no debate parlamentar, se atreveu a relacionar a austeridade com o "equilíbrio efectivo das finanças públicas". Porque esta identidade contabilística é mesmo irrevogável, em 2014 voltaremos a ter um orçamento rectificativo para reconhecer que o défice se recusa a baixar e teremos mais encarniçamento nos cortes. Ou nos impostos, se o Tribunal Constitucional decidir que todos os portugueses, e não apenas os funcionários públicos, têm de pagar pela política errada e cruel de quem nos governa, aqui e em Bruxelas, Berlim e Frankfurt.

O que mais espanta é a forma como altos responsáveis de partidos da esquerda, acompanhados por alguns comentadores da mesma área política, aceitam o quadro teórico que informa os termos do debate orçamental formatado pelo governo e seus ideólogos. É frequente aceitarem a necessidade de reduzir os défices, como se estes não fossem um instrumento de política económica de que um governo de esquerda não pode prescindir. É frequente acusarem o governo de ter falhado as metas do défice por incompetência quando o que está em causa é a impossibilidade de tal acontecer num contexto em que não é possível a desvalorização externa da moeda e a chamada "desvalorização interna" não só é socialmente insustentável como nunca permitirá aos exportadores vender numa moeda forte e competir com países de baixos salários. É triste a pobreza do discurso das oposições, e também é por essa razão que não se vê luz ao fundo do túnel. Razões de sobra para criar uma alternativa.

(O meu artigo no jornal i; fui buscar a figura aqui)

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