quarta-feira, 3 de abril de 2013
Saldos
A abordagem dos saldos financeiros sectoriais é uma boa ferramenta para analisar as interdependências da economia: a soma das capacidades/necessidades de financiamento sectores público e privado (empresas financeiras e não-financeiras e famílias) é igual à necessidade/capacidade de financiamento da economia portuguesa, ou seja, ao seu grau de dependência da poupança externa. O grande êxito alardeado por Gaspar é o de ter colocado a economia portuguesa com uma capacidade de financiamento de 0,4% do PIB, em 2012 (contra 5,6% de necessidade de financiamento, em 2011), com os privados a terem no ano passado uma capacidade de financiamento de 6,8% e o Estado necessidades de financiamento de 6,4% do PIB, sendo estas duas faces necessárias da mesma moeda interna com impactos externos, duas faces onde também estão sociedades financeiras de um lado e as administrações públicas do outro: “para este aumento do défice das AP contribuiu essencialmente a forte redução do saldo das transferências de capital, relacionada com a transferência de fundos de pensões de instituições bancárias para as AP que ocorreu em 2011” (contas trimestrais do INE). Neste quadro monetário e financeiro, quantos desempregados e quanta destruição da procura interna são necessários para atingir um resultado que durará o tempo de uma recessão cada vez mais parecida com uma depressão? Entretanto, a taxa de poupança das famílias aumentou, dado que os seus rendimentos caíram menos do que o seu consumo, e as empresas que não faliram reduziram as suas necessidades de financiamento, até porque investem cada vez menos (a procura em colapso). De resto, que famílias são estas? Nas contas do INE só podem ser uma parda média, que oculta as diferenças de classe na base de uma quebra média do seu rendimento disponível de 0,9%, em 2012. Temos os desempregados e os que vivem apenas com o seu salário directo e indirecto cada vez diminuto, dado que as remunerações estão em forte diminuição (queda de 7,2%, em 2012, devido precisamente ao desemprego e às reduções salariais) e temos os que, no topo, têm muitos rendimentos de propriedade (os rendimentos dos vários activos aumentaram 7,1% no ano terminado no quatro trimestre). Esta é apenas uma das assimetrias de classe da politica de desvalorização interna.
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5 comentários:
A abordagem austeritária está errada mas passa muito bem (as pessoas convencem-se da sua necessidade porque parece fazer sentido com a sua expri~ñcia); além disso não depende só de nós.
Seria uma estratégia interessante colocar a tónica do discurso na desigualdade, que é como quem diz "se querem austeridade, tem que ser para todos e com dor proporcional". Desconfio que se resolviam logo metade dos problemas...
"temos os que, no topo, têm muitos rendimentos de propriedade (os rendimentos dos vários activos aumentaram 7,1% no ano terminado no quatro trimestre)"
De acordo com o INE:
"Os rendimentos de propriedade classificam-se da forma seguinte: a) Juros; b) Rendimentos distribuídos das sociedades: dividendos e levantamentos de rendimentos das quase-sociedades; c) lucros de investimento estrangeiro direto reinvestidos; d) rendimentos de propriedade atribuídos aos detentores de apólices de seguros; e) rendas de terrenos e jazigos."
Para analisar melhor este aspecto era necessário perceber melhor que elemento contribuiu para o aumento dos rendimentos de propriedade. É possível obter esses dados?
Concordo. Um factor a levar em conta este ano é a bela taxa liberatória de 28% para as rendas: uma pessao remediada que queira alugar a casa que não consegue vender leva com os 28% mas quem vive de muitos rendimentos prediais ´pagará muito menos imposto. Um bom contributo para a desigualdade e injustiça. Well done!
Este Governo está a aproveitar-se da situação internacional para um retrocesso de muitas décadas e criar amplas desigualdades sociais.
Quer-me parecer que os seus dados indiciam uma outra realidade: num cenário em que o estado e os privados estão sobre-endividados, somente os privados é que estão a suportar o esforço de redução da dívida.
Senão vejamos: os privados geraram capacidade de financiamento (vulgo poupança) de 6,8% do PIB que está a ser consumida pelas necessidades de financiamento (vulgo déficit) do estado de 6,4% do PIB.
Como a poupança traduz-se em investimento e o investimento é a única forma de gerar as tais políticas de crescimento que todos queremos, só nos sobram 2 soluções:
1) endividarmos mais o país para investirmos nas políticas de crescimento (e já não há quem nos queira emprestar dinheiro!) ou
2) reduzimos o déficit estatal para gerar essa poupança
Não seria altura do estado partilhar o esforço de poupança que os privados têm até ao momento suportado?
Só assim podemos ter esperança de gerar condições para crescer e manter um estado social que a nossa sociedade deseja e a nossa economia possa suportar.
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