Vivemos tempos em que a nossa indignação recebe apelos de muitos lados, mas há casos que, apesar de locais, são particularmente chocantes na medida em que afectam pessoas especialmente desprotegidas. É o caso do processo em curso de despejo e demolição do bairro de Santa Filomena, na Amadora.Trata-se de um bairro de génese irregular habitado por centenas de famílias que não foram abrangidas pelo recenseamento do Programa Especial de Realojamento, em 1993, e que, por esse motivo, estão excluídas do acesso ao realojamento em prédios de habitação social por parte da Câmara. Estamos a falar de famílias inteiras com rendimentos muito baixos, que incluem muitas crianças e idosos, e que, em resultado da recessão, se defrontam actualmente com problemas de desemprego especialmente graves.É neste contexto que a Câmara Municipal da Amadora insiste em levar por diante o processo de despejo, sem se preocupar minimamente com assegurar o direito destas famílias à habitação para além das insultuosas ofertas do pagamento de três meses de renda no mercado de arrendamento (ao qual estas famílias não têm a menor possibilidade de aceder), ou, no caso de famílias originárias de outros países, do pagamento do voo para esses países. E tudo isto rematado, num padrão que começa a ser habitual, com uma carga policial violenta sobre a manifestação dos habitantes do bairro que reivindicavam os seus direitos à frente dos paços do concelho, no passado dia 21 de Junho.
Note-se que, segundo o famoso mas muito desrespeitado artigo 65 da Constituição da República Portuguesa, a habitação é um direito. Não é uma prioridade nem um objectivo - é um direito constitucionalmente garantido. E é-o porque se considera, e bem, que uma sociedade decente não pode deixar os seus elementos mais desprotegidos a dormir na rua. Pode-se com certeza debater a quem cabe, em cada caso, assegurar o cumprimento efectivo desse direito constitucional. Mas enquanto não se chega a uma conclusão sobre isso, o executivo camarário da Amadora será culpado de uma inconstitucionalidade activa e de um atentado aos direitos humanos se levar por diante esta acção de despejo sem que seja proporcionada uma alternativa válida a estas famílias. Visto que foi eleito nas listas de um partido que se diz socialista, fará bem em pôr a mão na consciência e arrepiar caminho enquanto é tempo.
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4 comentários:
"Estamos a falar de famílias inteiras com rendimentos muito baixos" - muitas vezes não é verdade, por uns pagam todos, mas há muita gente que não lhe apetece trabalhar, preferindo ficar no cafe a beber cerveja, a viver de contribuições pagos por quem trabalha. Uma coisa é ser de esquerda e ter valores solidários, outra é andar a trabalhar para pagar as contas e ver outros a receber casas de borla. Não mudo os meus valores, mas a paciência também se esgota.
Caro Henrique,
Tem direito à sua opinião, mas não me parece que possa qualificar como de esquerda a ideia que o desemprego é fundamentalmente uma questão de escolha.
Alexandre, é duro que se diga, ainda por cima nos dias de hoje, mas o desemprego é POR VEZES uma questão de escolha. Há muita gente à espera da casa de borla e não faz nada para a ter. E as forças de esquerda perdem votos entre quem trabalha e se esforça para ter mais rendimentos.
O discurso de Gama Pinto é apenas pernicioso, é o dos rotos que culpam os nus pela sua desgraça. Os discurso dos que culpam os trabalhadores do sector do público pela desgraça dos do privado.
É o discurso dos que vêem em cada pobre um marginal, mas que são incapazes de um gesto consistente contra os dias loureiros.
Que se enchem de moral contra o facilitismo com o aluno que passa com três negativas ou sem fazer exames, mas ao mesmo tempo incentivam os percursos dos relvas.
É o discurso dos que se insurgem contra o desperdício no SNS, mas depois entregam-lhe a gestão às parcerias público-privadas. dos que se dizem de esquerda, mas depois votam nos que preferem combater o rendimento mínimo a combater os saques na banca.
A esquerda perde é votos quando não se define claramente. Quando recebe no seu seio trânsfugas que para a sua construção ideológica apenas incorporam o que lhes chega por uma leitura individualista e egoísta da realidade, gente que joga com um discurso de invejas e mesquinhices, em vez de jogar com o discurso claro de quem afrontará a iniquidade.
nuno magalhães
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