Teixeira dos Santos garantiu ontem, numa sessão de venda do país em Wall-Street, que a redução da taxa social única “vai implicar um aumento de impostos e especialmente naqueles que incidem sobre o consumo”. Afinal de contas, o governo comprometeu-se a efectuar um “corte significativo” nas contribuições patronais para a segurança social, o que implicará aumentar o IVA, num dos países europeus onde este imposto regressivo mais pesa na estrutura de impostos. Assim se intensifica a transferência de rendimentos e de activos para certas fracções do capital, sem garantir investimento ou ganhos de competitividade. Entretanto, deixo um excerto de uma crónica que escrevi há um ano, quando colaborava com o i:
Uma imagem diz muito sobre os sombrios tempos que correm: Teixeira dos Santos, rodeado de alguns dos milionários gestores dos grandes grupos económicos com poder político e de mercado em Portugal, onde se destacam os banqueiros do costume, toca o sino que abre o dia de negócios em Wall Street: é “dia de Portugal” na praça norte-americana. O governo age cada vez mais como se fosse o comité executivo dos negócios do capital financeiro, para retomar e adaptar a caracterização de Marx e Engels. Privatizações maciças e austeridade orçamental socialmente selectiva, que atinge sobretudo as classes populares, fazem agora parte do esforço para seduzir precisamente os que causaram a última crise global.
Na ausência de movimentos sociais de contestação significativos, o poder da finança garante que, ao contrário do que aconteceu no contexto da Grande Depressão dos anos trinta, a actual crise, que também começou num sistema financeiro inspirado pelo liberalismo económico, não dará origem a reformas significativas, mas apenas a meros toques de regulação que deixam as destrutivas estruturas da finança de mercado intocadas. Novas, e mais violentas, crises financeiras, acompanhadas de destruição de emprego, no contexto de desigualdades sociais abissais, resultarão desta estranha miopia política. Se tudo correr mal, se assistirmos impávidos à destruição do Estado social e da esfera pública, bem como à erosão dos direitos laborais, arriscamo-nos a regressar, em novos moldes, aos padrões identificados pela economia política crítica no século XIX.
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2 comentários:
Caro João Rodrigues
Quando se compara as grandes "fases más" com uma grande latitude história, uma coisa que salta de imediato à vista é que a Grande Depressão de finais do século XIX foi abertamente deflacionária enquanto, por contraste, a década de 1970 se tornou conhecida precisamente pela "estagflação", ou seja, sem embargo das tendências depressivas a inflação nesse caso manteve-se.
Apesar de no curto prazo esta atingir evidentemente os rendimentos monetário fixos, a verdade é que isto tende a ocorrer em contextos em que as lutas sociais pela elevação dos salários nominais permitem a recuperação rápida da erosão do poder de compra...
O período actual, de obsessão pelo "sound money", como notava o Krugman, indicia, e ao mesmo tempo permite (é a minha opinião), a manutenção dum estado geral de coisas tal que o "mexilhão" tende neste outro contexto a sair de facto, aí sim, bem mais lesado.
Por contraste, quando o espartilho do "sound money" se parte, e sem embargo das perdas iniciais, a iniciativa social passa a pertencer aos assalariados. É ver, por contraste connosco, o que se passa hoje em dia em países como a Argentina, por exemplo.
Só não percebo, neste contexto geral, porque é que tanta gente à esquerda (a começar pela direcção do Bloco) se obstina tão intransigentemente na defesa de um quadro institucional geral que não nos permite mais do que "jogar à defesa", desistindo de todo da própria ideia de "marcar golos"...
Por este caminho, João - e mesmo que tenham finalmente pena de nós e um dia, algures num futuro remoto, lá apareçam os eurobonds ou algo afim - não vamos de facto longe...
Teixeira dos Santos obedece, quer lá saber se está a vender o país a retalho. O dia de S. Portugal em WS é um dia feliz.
Redução da TSU com aumento de impostos (IVA, IMI, IRS), corte e congelamento de salários e pensões apesar da inflação galopar para os 4%, desemprego a crescer, despedimentos a pedido, extinção progressiva do serviço de saúde tendencialmente gratuito. E a cereja em cima do bolo: as privatizações. Uma “crise” há muito almejada pelos donos do dinheiro (donos da terra?); até a UE vê finalmente a oportunidade de pôr fim à golden share do governo.
Não parece que esse tal “programa de governo” seja para aplicar neste Portugal. Deve ser noutro país qualquer, não aqui...Pelo menos a julgar pelo “entusiasmo” da troika portuguesa em campanha, bem secundada por alguns farsantes e ingénuos.
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