sexta-feira, 6 de maio de 2011

O FMI aprendeu alguma coisa (à custa dos gregos e irlandeses)?


O FMI aprendeu alguma coisa com a experiência da Grécia e da Irlanda? A minha resposta é: sim e não.

O FMI parece ter aprendido que a austeridade em contexto recessivo tem efeitos muito mais negativos no crescimento e no emprego do que ainda há bem pouco tempo supunha.

Temos assim neste pacote cortes profundos na despesa pública e aumentos de impostos e taxas comparáveis, senão superiores, aos do Orçamento de 2011 e do PECIV, associados a uma previsão de recessão com duração de dois anos, em 2011 e 2012 (com uma queda do PIB real acumulada de mais de 5%). Estamos assim longe dos cenários idílicos de austeridade com crescimento do governo Sócrates e dos economistas que aconselham o PSD.

Este pacote não é nada suave. Os cortes na despesa pública e os aumentos de taxas, impostos e preços de serviços públicos têm um impacto maior no orçamento familiar do que qualquer corte no décimo quarto mês. Os efeitos previstos no défice e na dívida é que são moderados, mais reduzidos e lentos do que os que o governo anteriormente prometia com medidas semelhantes.

Mas o FMI ainda não aprendeu que o crescimento, e a consolidação orçamental pela via do crescimento, só são possíveis com investimento (necessariamente público porque em recessão os privados, quando não abrem falência, só “investem” em activos financeiros ou pagam dívidas).

O aumento da competitividade de que fala o FMI, e que recomenda como via para o crescimento pelas exportações, seria conseguido exclusivamente à custa da redução dos custos salariais directos e indirectos. É por isso que este pacote vai longe nas medidas destinadas a pressionar a descida dos salários: montante, duração e condições de acesso ao subsídio do desemprego, agilização do despedimento individual, não pagamento de prestação de trabalho extraordinário, etc.

No entanto, a descida dos salários nominais não só é difícil de conseguir quando os salários são muito baixos, como não aumentaria a competitividade da economia portuguesa, não favoreceria o crescimento e não reduziria o desemprego de jovens e menos jovens. As medidas de desprotecção dos desempregados terão como efeito o aumento da “informalidade” e da ilegalidade e a expansão da economia familiar de subsistência. Mas isso são coisas que os tecnocratas do FMI não podem compreender, tal é a distância entre os seus modelos mentais e a realidade da sociedade portuguesa.

Essa será mais uma lição que o FMI terá de aprender, infelizmente à nossa custa.

8 comentários:

Alexandre Cotovio Martins disse...

O aumento provável das desigualdades decorrente destas medidas promoverá o crescimento da economia?

A desvalorização dos salários, num contexto de ausência do crédito como «almofada», promoverá o crescimento da economia?

O aumento das exportações, via aparentemente alternativa para o crescimento da economia, poderá ser feito por uma lógica de desconvencionalização, que desqualifica o trabalho?

Se em décadas de democracia o modelo de baixas qualificações e salários não tornou Portugal um «eldorado das exportações», será agora que este modelo se tornará virtuoso (por exemplo, por obra e graça da «motivação»)?

João Carlos Graça disse...

Caro José Maria
Bom post. Clarificador e colocando os pontos nos ii.
Destaco: "Os efeitos previstos no défice e na dívida é que são moderados, mais reduzidos e lentos do que os que o governo anteriormente prometia com medidas semelhantes."
Bom, claro, dado que o governo sistematicamente faz o pequeno joguinho de controlar a despesa e fazer-de-conta que controla a receita, depois a economia deprime-se (vai ser ainda mais assim, mas não é novidade) e as receitas fiscais não crescem, logo o governo erra e o défice fica maior do que o estimado... e aí entra em cena a "faz-se-conta-que-é-oposição de direita" queixando-se tartufamente do "despesismo"... e aí entram em cena também os media faz-de-conta-que-independentes, promovendo o faz-de-conta-que-debate entre Passos+Portas pedindo combate ao "monstro", faz-de-conta-que-versus Sócrates garantindo que tem feito tudo o que é possível para combater o dito “monstro”, melhor seria impossível, etc.
Enfim, a miséria (política, intelectual, humana) e a impostura do costume.
Ah, mas agora o FMI é mais realista quanto a isso? Obviamente! A cama desta vez está feita para eles todos 3 lá se deitarem, agora explicitamente, dado o que esse trompe l'oeil pelo menos vai ter de acabar. Bom, quanto a isso ganhará talvez a qualidade do debate!...
Onde o FMI continua no flecte-insiste implacável é, evidentemente, na estratégia export-driven do crescimento prometido. É claro: promete/sugere isso a um europeu, acenando implicitamente com os outros... Sendo a UE no seu conjunto um espaço relativamente fechado...
Bom, é impossível enganar toda a gente ao mesmo tempo, mas não é impossível enganar cada um à vez, não é assim?
Para além do mais, pelo caminho lá se "aperta" na repartição do rendimento, à custa do trabalho e dos mais pobres. Lá se privatiza mais uma série de galinhas-dos-ovos-de-ouro naturais, do tipo EDP ou GALP; e uma série de galinhas-dos-ovos-de-ouro financeiras, do tipo CGD-seguros; e lá se obriga à privatização ao preço da uva mijona do BPN. Lá se aumenta também as taxas de todo o tipo, mais o regressivo IVA. Lá se vira cada trabalhador contra os "lucky bastards" que estão um bocadichito melhor do que ele...
Mas daí, por outro lado, quem disse que não era mesmo essa a ideia?
Vá lá, reconheçamos: "And I think to myself... what a wonderful world"...

Anónimo disse...

Muito sinceramente: alguém ainda acredita que se trata de aprender alguma coisa? Os economistas do FMI devem saber muito bem o que fazem, o problema das orientações que eles nos dão não será essencialmente de finalidades políticas e objectivos sociais que eles representam? Se assim for, eles nunca irão ditar nada diferente dos objectivos que presseguem e para os quais são mandatados. A questão não é que eles aprendam porque não é de falta de conhecimento, é de que os fins (crescimento, emprego, diminuição das desigualdades sociais) não entraram nas equações da troika. Rui

Anónimo disse...

Muito sinceramente: alguém ainda acredita que se trata de aprender alguma coisa? Os economistas do FMI devem saber muito bem o que fazem, o problema das orientações que eles nos dão não será essencialmente de finalidades políticas e objectivos sociais que eles representam? Se assim for, eles nunca irão ditar nada diferente dos objectivos que presseguem e para os quais são mandatados. A questão não é que eles aprendam porque não é de falta de conhecimento, é de que os fins (crescimento, emprego, diminuição das desigualdades sociais) não entraram nas equações da troika. Rui

Anónimo disse...

Desculpem lá ó srs da troika estrangeira mas para fazerem esta m.....não eram cá precisos.
Nós já cá temos uma troika cujas medidas em pouco ou nada diferem das agora impostas.
Neste aspecto, aliás, gostava de saber qual é a ciência destes srs de ambas as troikas.
É que para cortar a torto e a direito como eles fazem, qualquer analfabeto ou qualquer pessoa com a 4ª classe faria.
Que grande ciência e que grandes craneos que estes srs são não há dúvida.!

Pedro Veiga disse...

Vamos ficar com o esqueleto à vista. Recessão de 2011 + recessão de 2012 + recessão de 2013 = bancarrota com uns 40 % de pobres.
O que vale é que o PS e o PSD jamais deixarão cair a sopa dos pobres!

São Canhões? Sabem mesmo a manteiga... disse...

1º o FMI tem uma experiência de décadas

2º as medidas aplicadas na zona euro não foram exclusivas do FMI

3ºOs cortes na despesa pública
que só aqui em cimento camarário
orçam em 70 milhões de euros
e em empresas públicas e serviços de ministérios 200milhões

extrapolando para as cento e tal cidades que Portugal tem...dá uns trocos valentes

e os aumentos de taxas, impostos e preços de serviços públicos têm um impacto maior no orçamento
é deixar de consumir ou ter consumos alternativos

diminui o nº de pessoal com indegestas manifestações ou ulcerosas perfurações e comas alcoólicos associados

ratos com fome duram mais 25% o que aumenta a duração das reformas

4º Os efeitos previstos no défice e na dívida é que são moderados, mais reduzidos e lentos do que os que o governo anteriormente prometia com medidas semelhantes.

um governo que em 6 anos prometeu tudo e tirou muito mais

é provavelmente incapaz de fazer qualquer reforma eficaz a tempo

quando o seu salário for de 5 ou 10 mil contos e não comprar nem um sexto do que compra agora em euros

aí estaremos numa perspectiva mais interessante

marina disse...

só não percebo o desdem pela economia familiar de subsistência ( e independência). coisa boa da crise é a importancia que a família vai ter novamente. depender de estranhos é melhor que depender da familia?
e os seus queridos baldios : pensa que valem seja o que for sem ser em contexto de crise?