terça-feira, 1 de junho de 2010

A democracia debaixo de fogo (II)



Em segundo lugar, economicamente os peticionários não têm razão. Segundo cálculos do politólogo Manuel Meirinho, em quatro anos a poupança com a redução de 50 deputados seria de cerca de 20 milhões de euros (salários e ajudas). Pelo contrário, de acordo com a lei actual e segundo cálculos do mesmo autor, as subvenções aos partidos, grupos parlamentares e campanhas eleitorais (2010-2013) apontam para um valor à volta de 163 milhões de euros. Portanto, com cortes nestas subvenções entre 30 e 50 por cento (consoante as rubricas) poderiam poupar-se cerca de 64 milhões de euros. Aqui sim, há um esforço a fazer: reduzindo os gastos excessivos com as campanhas e as subvenções aos partidos (assim dispensados de procurar apoiantes que, entre outras coisas, contribuam para o seu financiamento…), sem com isso prejudicar a representação dos cidadãos no parlamento.

Por último, esta petição revela uma atitude anti-política porque faz da política e dos políticos o bode expiatório de todo os gastos excessivos do Estado (e dos problemas económicos do país). Mas não é verdade: os 20 milhões de euros que se poupariam em 4 anos são uma pequena parcela ao pé dos 22,6 milhões de euros auferidos só em 2009 pelos presidentes executivos das 20 empresas do PSI20: em quatro anos teríamos mais do quádruplo dos 50 deputados… (cálculos do economista Sandro Mendonça: Visão, 13/5/10). Só os presidentes da EDP, PT, EDP renováveis, ZON e GALP ganharam, em 2009, mais de 10 milhões de euros. Claro que isto são salários pagos em parte pelo sector privado, mas só em parte. Por outro lado, para um país que está no top 3 das desigualdades na UE, porque é que não há uma fiscalidade muito mais (!) progressiva para reduzir estas escandalosas disparidades? Outro exemplo, cada um dos dois submarinos que Portugal vai comprar (de duvidosa utilidade, sobretudo para um país pobre) custa 1000 milhões de euros. Ou ainda: somos dos países que mais gasta com a defesa na UE mas os gastos militares, em Portugal, continuam sempre a crescer... (ver dados do Stockholm International Peace Research Institute). Ou ainda: a tolerância de dois dias e meio para ver o Papa terá provavelmente custado mais do que os 20 milhões que pouparíamos com menos 50 deputados. E porque é que, apesar de crise, continuamos com a candidatura para organizar o próximo mundial de futebol? Mas estes peticionários estão sobretudo preocupados porque há muitos deputados… o alfa e o omega dos nossos problemas, claro.
É nestas alturas que o governo representativo pode evidenciar as suas virtudes. Veremos se a classe política consegue elevar-se acima do populismo, a bem da democracia, ou se, pelo contrário, cede às tentações de agradar à populaça.

Publicado originalmente no Público, 31/5/2010.

6 comentários:

F. Penim Redondo disse...

Caro ANdré Freire,

Compreendo a sua argumentação e considero-a válida desde que se mantenha a lógica do sistema actual.
O problema é que o sistema actual é bastante antiquado e devia ser objecto de um exercício de inovação.

No parlamento actual os deputados que se sentam a partir da terceira fila desempenham um papel decorativo e só actuam quando há votações e lhes é dada a oportunidade de exercitar as pernas pois têm que se levantar.

É por isso que eu penso que devia fazer-se a separação entre o peso eleitoral dos partidos e o número de deputados de cada partido na Assembleia da República.
Todos os partidos, com mais de 5% nas eleições, teriam grupos parlamentares com o mesmo número de deputados, por exemplo 20, mas no momento da votação pesariam na decisão com o peso correspondente à votação obtida nas eleições.

Os deputados de cada partido deviam constituir essencialmente um grupo de trabalho multidisciplinar preparados para interagir utilmente com os deputados dos outros partidos. Já não faz sentido, é até ridículo, ter um parlamento para fazer discursos e chicanas à moda do século XIX. É desprestigiante.

Há que "desmaterializar" a influência de cada partido fazendo dos grupos parlamentares equipas de trabalho constituídas com base em competências; a solução actual só serve para os chefes partidários distribuirem benesses aos seus "fiéis" independentemente da preparação ou motivação para o cargo.

Quando chegar o momento de decidir através do voto os 20 deputados do partido X podem pesar 35%, de acordo com o seu resultado eleitoral, enquanto que os 20 deputados do partido Y pesam apenas 15% para efeitos da votação.
É um bocado primário pensar que o peso de um partido nas decisões tem que ser obtido pelo número de rabos que se levantam das cadeiras.

Como se sabe os grupos parlamentares votam quase sempre em "manada", e quando isso não acontece é em questões menores, por isso escusamos de fingir que a liberdade de voto dos deputados existe.

Nesta lógica não faz sentido haver círculos eleitorais, e muito menos uninominais, pois não é benéfica a perda de proporcionalidade nem a tendência para influenciar o parlamento nacional com bairrismos ou lógicas regionais.

Finalmente, para além da "desmaterialização" eu penso que o sistema de votação devia ser alterado de forma a que o eleitor pudesse votar em mais do que um partido. Em vez de um voto o eleitor devia receber cinco votos (valendo 0,2 cada um) e entregar esses cinco votos ao partido ou partidos que entendesse, na proporção que entendesse.

Dessa forma os eleitores dariam também indicações muito úteis sobre o tipo de alianças partidárias que preferem.

Evitava-se o problema do voto útil e, estou certo, aumentar-se-ia a participação nas votações.

jacinto disse...

Caro André Freire,
Os meus parabéns era a resposta que faltava à dita petição e aos seus reais objectivos.
Quanto ao melhor funcionamento do Parlamento, a matéria é vasta, quem esteja interessado pode ler algumas das obras que estão publicadas, incluindo naturalmente os trabalhos que tens publicado.
Por mim deixaria, tão só, a questão simples de saber porque não criar mecanismos que permitam a destituição de um eleito, em qualquer momento do mandato, se essa for a vontade da maioria dos eleitores do círculo pelo qual foi eleito?
Paulo Jacinto

A.Küttner disse...

Estamos numa altura em que não chega dizer que se tem que poupar, é necessário fazê-lo, é necessário dar o exemplo.
E falo em função do que “cá por baixo” todos sentimos. E se de facto é indecoroso numa qualquer empresa privada - por muito bom que seja - o Director Geral/Administrador Executivo ganhar por mês 30 a 50 vezes mais que grande parte dos seus empregados, para além de ter viatura da empresa, seguros da empresa, etc., também não fica bem governantes e deputados, autarcas, etc………. terem muitas mordomias, que o comum dos cidadãos não tem, e nunca terá. E estas “mordomias” são sustentados única e exclusivamente com parte dos impostos directos e indirectos de todos nós.
Pelo que se é necessário reduzir o que, se, é gasto em subvenções ao Partidos, em campanhas eleitorais, etc, faça-se já, mas quanto as deputados, também penso que deve haver uma redução, até porque, tudo junto, fará um significativa poupança!
Quanto a deputados representarem as regiões pelas quais são eleitos, continuo com tremendas dúvidas, primeiro nem sei quem são os deputados, p.e. aqui do Porto, segundo ,porque no Parlamento só falam do que em Lisboa é uso falar.
Logo há muito no público e no privado a corrigir, a muito a poupar no público e no privado, e no Parlamento, essencialmente quando estão lá as televisões, não só os deputados nos passam uma imagem menos correcta para as suas funções, com berros, com “bocas”, etc, como por vezes como no caso das Comissões e mais Comissões, parece que se querem substituir aos Tribunais.
Por fim, os médias, têm grande influência no que transmitem, como transmite, no que está a dar mais!
Assim muito há a mudar, mudar, mudar, não pela mudança mas para ser tudo mais linear, mais correcto e essencialmente dando oportunidades de vida a todos e tudo com vidros muito transparentes!
Augusto Küttner de Magalhães

Dias disse...

(Entusiasmados com os PECs, os peticionários querem estendê-los à Assembleia...)

Subscrevo a sua perspectiva, caro A. Freire, quanto a esta atoarda populista.
A capa de gestão "eficiente" (economicista) em detrimento da representatividade, faz perigar a já mal tratada democracia. Será que a única alternativa é mesmo a Rua?
Haverá outras formas e práticas de introduzir decoro na vida pública. Exemplo disso: aquela questão tardiamente resolvida (aqui não rectroactiva!), mas que foi amplamente saudada, que respeita à cessação dos “direitos a reforma vitalícia” dos deputados com dois mandatos.

João Aleluia disse...

1. É óbvio que reduzir o numero de deputados não tem qualquer impacto orçamental.

2. A representatividade territorial é um disparate, os deputados que são eleitos por uma determinada região muitas vezes nem são de lá, são apenas nomeados pelo partido para concorrer por essa regiao!

3. Reduzir o numero de deputados é positivo no sentido em que reduz o numero de politicos. Mas o verdadeiro problema não é o numero de deputados, o verdadeiro problema é a democracia! A democracia num país como Portugal é um absurdo! Num país em que a esmagadora maioria das pessoas tem um nível de educação baixissimo e nem sequer sabe orientar responsavelmente a sua vida (quanto mais saber como devem ser governados os destinos do país)a democracia nunca pode funcionar! Quanto mais depressa se convencerem disso melhor!

Jorge Almeida disse...

Uma posição corajosa contra um certo populismo anti-democrático.

Reduzir o número de deputados pode levar à diminuição do número de partidos presentes na AR (em risco ficam PCP, BE e CDS/PP).

Se o PCP, BE e CDS/PP não tiverem hipóteses de se fazer representar de forma adequada na Assembleia da República teremos mais uma fatia relevante da população privada de voz na arena política institucional.

Num país em que a abstenção é já praticamente maioritária, o que parece necessário é a promoção de movimentos políticos alternativos que possam mobilizar os cidadãos desligados do processo democrático.

Para isso é necessário que esses movimentos tenham possibilidade de entrar no Parlamento.

Um regime em que a maioria dos cidadãos não se revê nos seus representantes não é uma democracia perfeita, antes uma forma de oligarquia mitigada.