terça-feira, 29 de junho de 2010
Amin
“Sem Estado não há moeda.” A crise europeia numa frase. O economista Samir Amin escreve sobre os problemas da zona euro. Continuo a achar que, mesmo tendo em conta todas as dificuldades, a prioridade política à esquerda deve ser dada a uma saída por cima. Uma saída que crie os mecanismos políticos de governação económica: de um orçamento europeu com peso à dívida pública europeia e a um BCE que financie os Estados, passando por mecanismos de coordenação salarial e de política industrial que impeçam a corrida salarial para o fundo e que permitam que os países com défices persistentes possam suspender algumas das regras do mercado interno. Caso contrário, temos mesmo de nos preparar para o colapso do euro. Amin continua em boa forma intelectual e política. Pena que o mesmo não se possa dizer de alguns economistas, convertidos em bem pagos consultores da nossa lumpemburguesia, que o liam avidamente nos idos de setenta, mas que nos anos oitenta e noventa passaram a pôr o carro à frente dos bois…
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6 comentários:
Órfãos de um sistema que sucumbiu por implosão, os ideólogos marxistas não conseguiram ainda atinar com um modelo substituto.
Sem rumo, dedicam-se a encontrar lesões no sistema que sempre combateram. O que não é difícil, porque tem muitas.
Há neste esforço peregrino um paralelismo intrigante com os criacionistas: também estes, incapazes de se confrontarem cientificamente o evolucionismo, vivem nos lapsos que a ciência sempre contém.
"Amin continua em boa forma intelectual e política"?
Para os seus seguidores, certamente que sim.
Não vou analisar em pormenor do documento, até porque, como seria esperável, não é refutável em toda a sua extensão.
Remeto-me apenas a uma afirmação de Amim: "A Europe composed of 25-30 states remains profoundly unequal in terms of capitalist development."
Amim fala de uma Europa de que não sabe sequer de quantas nações é constituída.
Depois aquele "remains" dá conta de toda a sua aversão ao objecto que analisa.
Amim deve saber que a Europa é uma construção recentíssima. A Europa não continua a ser, a Europa ainda é.
Mas será assim tanto, que, dessa perspectiva, esteja ferida de morte?
Os EUA são uma federação de estados que comemora dentro de dias 234 anos. Pois bem: A relação entre o PIB per capita entre o estado mais rico (o Connecticut, se excluirmos o Distrito de Columbia por pouca representatividade) e o estado mais pobre (o Mississipi) o primeiro excede em 87% o último.
Na Eurozona, a mesma relação entre a Holanda e Portugal, (exluindo o Luxemburgo pelas mesmas razões que exluimos o Distrito de Colúmbia) apresenta uma vantagem de 69% do mais rico relativamente ao mais pobre.
Há, no meio de todo este rezar de responsos à Europa, uma casualidade intrigante: a esmagadora maioria das carpideiras ou são norte-americanas, ou inglesas, ou marxistas.
Vá lá perceber-se porquê.
Caro Rui Fonseca
Talvez o europeu, social liberal, Paul De Grauwe mude a sua mente formatada. Leia-o:
http://www.bloomberg.com/news/2010-05-13/euro-has-no-future-without-a-political-union-commentary-by-paul-de-grauwe.html
Caro Jorge Bateira,
Em matéria de formatações mentais, não lhe peço meças porque perderia de certeza. Nunca obedeci a catecismos nem cartilhas.
Quanto à união política como forma de consolidar a Europa, que Paul De Grauwe defende (entre muitos outros) não é por aí que discordamos. Se dependesse de mim, fique ciente, que teríamos os Estados Unidos da Europa amanhã de manhã. Nesse aspecto não deixo que, quanto à União Europeia, De Grauwe, e outros mais, seja mais federalista que eu.
A questão não é essa.
Eu não discordo daqueles que defendem uma maior integração política europeia para a sobrevivência da União. Do que discordo é que a integração imediata seja condição sine qua non para essa sobrevivência.
A construção europeia não se fez no passado pela força das armas, não se fará por imposição de causas circunstanciais por mais prementes que possam apresentar-se.
As culturas europeias são democráticas e a democracia, já se sabe, não tem o golpe de rins das ditaduras. A União Soviética foi erigida em três tempos mas deu no que deu.
Um outro argumento de que discordo, é o do carro à frente dos bois: o euro não deveria preceder a união política sob pena de ser relegado ao fracasso.
Convenhamos, no entanto, que há ainda bem pouco tempo quase toda a gente reconhecia no euro um caso de sucesso sem precedentes.
Em que ficamos?
Alguém pode acreditar que alguma vez seria possível construir uma federação de mais de 300 milhões de pessoas, culturalmente diferentes, convocando-as para uma união política sem antes ter percorrido um caminho em conjunto, ainda que muitas vezes tortuoso?
Acreditam os que não estão de boa fé.
Caro Rui Fonseca
Há vários aspectos da sua resposta que merecem uma réplica tendo em vista concluir a discussão.
Disse que “Há, no meio de todo este rezar de responsos à Europa, uma casualidade intrigante: a esmagadora maioria das carpideiras ou são norte-americanas, ou inglesas, ou marxistas.”
Esta retórica sugere dois tipos de mundivisão. A do tempo da “guerra fria” que, na altura ameaçadoramente e hoje pejorativamente, declarava ‘marxista’ todos os que aspiravam a mudanças profundas na sociedade. A segunda, mais recente, remete para uma “teoria da conspiração” conduzida por políticos e financeiros anglo-saxónicos determinados a destruir o euro para preservar a hegemonia do dólar. Estes esquemas conceptuais, implícitos no seu texto, formatam-lhe o raciocínio e impedem-no de entrar em diálogo construtivo com os argumentos de Samir Amin. Chamo a isto formatação mental.
O facto é que, Paul De Grauwe, Martin Wolf (Finacial Times de ontem - “This global game of ‘pass the parcel’ cannot end well”) e Wolfgang Münchau (FT, dia 28 Junho – “Only a closer union can save the eurozone”) convergem com Samir Amin na ideia de que o actual ‘governo económico’ da Zona Euro é insustentável. Ou se avança para um federalismo orçamental que, para ser democrático, tem de ter uma legitimidade do tipo “Estado Federal”, ou então esta Zona Euro desintegra-se. O que não exclui que, mais tarde, possa aparecer outra.
Repare. Paul De Grauwe, Martin Wolf e Wolfgang Münchau são tudo menos marxistas, e custa a crer que estejam envolvidos numa conspiração contra o euro. Paul De Grauwe até é conselheiro de Durão Barroso, embora eu suspeite que os seus argumentos pesem pouco no conjunto das opiniões ouvidas pelo Presidente da CE. Acontece que, ao contrário dos monetaristas dogmáticos, percebem os limites de uma economia capitalista de dimensão idêntica à dos EUA, com livre circulação de capitais e sem Estado.
Pois é, Rui Fonseca a integração económica e monetária foi construída no pressuposto de que, chegada a hora da verdade (esta que estamos a viver), a Alemanha aceitaria construir o que falta para viabilizar o euro. É neste ponto que todos os federalistas conhecedores do risco que se estava a correr talvez se tenham enganado. Digo talvez, porque o jogo ainda não acabou. Tudo vai depender da evolução política na Alemanha e da pressão dos cidadãos europeus, na rua e nas urnas.
Reconheço que o caminho que percorremos em conjunto foi curto antes da criação do euro; mas foi o que foi. Agora, não podemos ignorar a bifurcação que temos pela frente: “uma saída por cima” (mesmo que imperfeita) … ou o desastre. E olhe que Obama não está satisfeito. Uma recessão europeia profunda causada pela submissão ao ‘dictat’ dos capitais especulativos vai neutralizar o precário crescimento dos EUA. É assim: ou nos salvamos todos ou nos perdemos todos.
Se a última palavra tem de ser a sua (estamos em sua casa, e a boa vizinhança impõe restrições aos visitantes)não vou contrapor aqui.
Permita-me, no entanto, que precise um ponto indiscutível.
Eu não disse em lado nenhum que Paul De Grauwe, Martin Wolf e Wolfgang Münchau são marxistas.
Por quem me toma?
O que disse foi:" Há, no meio de todo este rezar de responsos à Europa, uma casualidade intrigante: a esmagadora maioria das carpideiras ou são norte-americanas, ou inglesas, ou marxistas."
O que é completamente diferente.
1. Sobre o orçamento europeu. Será dificil progredir na integração europeia, e na situação actual só mesmo a criação de um orçamento europeu pode salvar o euro. Agora, tembém não pode haver um orçamento europeu sem um desejo claro de mais integração europeia. E esse desejo claramente não existe. Nem os politicos nacionais querem abdicar dos poderes que têm, nem os cidadãos da europa estão conscientes da importancia do projecto europeu. Logo se conclui que um orçamento europeu, ainda que altamente desejavel, é também altamente improvavel.
2.Quanto à divida europeia. Não pode haver divida europeia sem um orçamento europeu, pois isso seria apenas acelarar a catastrofe.
3.O BCE tem que ser independente e ter como mandato controlar a estabilidade dos preços e contribuir para o bom funcionamento dos mercados financeiros assegurando liquidez de forma responsavel. Os bancos centrais dependentes (dos governos) e por norma expansionistas são um episodio interessante da historia da america latina e de alguns paises africanos, mas não são uma experiencia a repetir.
4. A coordenação salarial é fundamental a nível europeu. Tal como o é a coordenação fiscal. Mas infelizmente não vejo grandes possibilidades de isto ocorrer num futuro próximo.
5. Politicas industriais são para governos responsaveis. Não me parece que haja muitos governos europeus à altura neste momento.
6. Suspender as regras do mercado interno da UE não é boa politica, uma vez que de excepção em excepção rapidamente deixariamos de ser uma união.
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