sexta-feira, 13 de março de 2009

Por um novo europeísmo de esquerda

«A União Europeia (UE) contem em si um potencial ímpar de gestão democrática das dinâmicas de integração económica internacional que ocorrem no seu interior: a economia europeia, no seu conjunto, é um espaço relativamente autónomo (isto é, a esmagadora maioria das transacções comerciais e financeiras transfronteiriças têm lugar no espaço da União), o que permite um elevado grau de autonomia na definição de uma política económica orientada para o pleno emprego (contrariamente ao que acontece num país pequeno e fortemente aberto ao exterior, como Portugal); as estruturas institucionais dos países envolvidos, apesar de algumas diferenças que podem acentuar-se, são ainda relativamente próximas, o que facilita a gestão coordenada, ou até comum, das políticas públicas; não obstante alguns sinais de descontentamento, a integração europeia ainda beneficia de um apoio popular pouco habitual para um processo que envolve tamanha transferência de soberania. Por outras palavras, o processo de integração europeia contém em si uma promessa de regulação da globalização.

Por isso somos europeístas. Mas também por isso somos muito críticos do rumo tomado pela União Europeia nas últimas décadas. Mais de vinte anos após o impulso dado ao processo de integração europeia pelo Acto Único Europeu, é tempo de fazermos o balanço das promessas cumpridas e das que ficaram por cumprir. E no balanço que aqui fazemos a UE não fica bem no retrato. Contrariamente às esperanças depositadas por vastos sectores da esquerda europeia, é difícil escapar à conclusão de que a Europa é hoje uma peça fundamental da expansão da lógica neoliberal a vastos domínios da economia e das sociedades. Como afirma Paulo Pedroso, com um notável poder de síntese, “na sua versão europeia, a pulsão neoliberal é nacionalista na soberania, europeísta na (des)regulação dos mercados e devolucionista nas questões sociais”. Dado este arranjo institucional, e contrariamente às expectativas criadas, a integração europeia tem vindo a contribuir activamente para a destruição do modelo social que os partidos socialistas e a generalidade das forças de esquerda europeia ergueram ao longo do século XX.

É tempo dos europeístas de esquerda abandonarem a defesa incondicional da União Europeia que está inscrita nos Tratados, como se a única alternativa disponível fosse a autarcia anacrónica. Na realidade, esta forma simplista de encarar a questão europeia tem atrofiado a imaginação necessária para reformar a deficiente arquitectura do governo económico europeu. Sem uma reforma progressista, os processos de polarização social e regional em curso podem bem pôr em causa o próprio projecto de integração num contexto de crise económica aguda. Aos europeístas de esquerda exige-se por isso que distingam entre a Europa que temos e a Europa que queremos. Comecemos então pela primeira, para melhor definimos a segunda.»

O resto do texto (escrito por mim e pelo João Rodrigues) pode ser lido no próximo número da revista Finisterra, lançada hoje numa sessão pública na Livraria Parlamentar.

2 comentários:

Nelson Ricardo disse...

A nova Europa, a nova União Europeia tem de ser uma Europa dos trabalhadores, dos direitos e soberania dos trabalhadores no seu local de trabalho.

Não podemos deixar que lentamente aqueles que realmente produzem e constroem a riqueza e a civilização sejam alienados da participação democrática na sociedade e das relações laborais para passarem a ser apenas outro tipo de propriedade patronal ou administrativa.

Acredito na União Europeia dos trabalhadores, do Estado presente na economia e nas questões sociais e na solidariedade entre as várias nações europeias.

João Rodrigues:

- já que estamos em tempos de crise semelhante à de 29 e cujas soluções apresentadas são também parecidas, não acha que seria relevante saber qual o real papel da 2ª Guerra Mundial na reestruturação da economia capitalista da altura?

Rui Curado Silva disse...

Aaaahhh!
Estou a gostar mais do que estou a ler agora.
Queria so vincar o seguinte.
A defesa da UE por muitos sectores de esquerda, como os Verdes Europeus, os liberais de esquerda, os partidos radicais e os socialistas que ainda sao socialistas, nunca foi uma defesa cega e acritica e para isso basta ler o que publicaram e os combates que desenvolveram. Essa defesa foi muito importante para impedir varios tiros no pe numa altura em que foi determinante combater o seguidismo aos EUA, pela via que menos se esperava: a alianca entre comunistas e ultra-liberais contra instrumentos que davam mais poder para combater a hegemonia dos EUA. A Irlanda é o pior exemplo. A campanha do NAO paga e ganha pelo ultra-liberal Declan Ganley, que teve a participacao util do Sinn Fein, teve como resultado um retrocesso social na Irlanda com o regresso do fundamentalismo anti-aborto, entre outras aberracoes que voltaram a baila, e a criacao de um verdadeiro partido ultra-liberal europeu, o Libertas, financiado por pelos anti-europeistas furiosos dos EUA e pelos atlantistas de servico na Europa.
É por estas e por outras que nao alinho no discurso cego (esse sim cego) dos comunistas europeus contra a UE, alias porque tive o desprazer de traduzir um texto desses amigos que era de um niilismo indiscritivel (a invasao dos paises de leste pela URSS nunca existiu, etc). É por isso que nao alinhei nesse simplismo de chamar neoliberal a tudo o que mexe e na hora do voto, votar ao lado dos piores ultra-liberais da Europa.