segunda-feira, 24 de novembro de 2008

O problema não é o Governador, é o sistema !

Como seria de esperar, o tempo de antena dado pela RTP ao Governador do Banco de Portugal tornou evidente que não é fácil afirmar com fundamento que o Governador foi negligente nos casos BCP e BPN. Aliás, a esquerda não deve abordar esta questão numa lógica de bom/mau exercício da função de regulação porque o problema é bem mais profundo e de ordem ideológica.

O mais interessante da entrevista foi ter ficado claro que a supervisão bancária funciona assim. O que aconteceu em Portugal não é inédito. É a vida ! Ou seja, volta e meia estamos condenados a pagar do nosso bolso as consequências "sistémicas" de burlas gigantescas e de aventuras especulativas no seio do sistema financeiro. Mas estamos mesmo?

Já agora ... também estamos condenados a ver o sistema financeiro restringir drasticamente o crédito a sectores específicos da economia (queixa frequente de pequenos empresários) sem que os seus critérios sejam escrutinados? Também estamos condenados a ver subir as taxas de juro quando a economia precisa de taxas mais baixas (ver actuação do BCE)? Também estamos condenados a aceitar o conflito de interesses inerente à relação entre auditores e agências de notação do crédito e os bancos para quem trabalham?

E se a recessão que ameaça passar a depressão vier a revelar que as garantias do Estado dadas aos bancos não são suficientes para que a economia tenha a liquidez de que precisa, então também estamos condenados a aceitar a falência da dita "economia de mercado regulado" ?

A esquerda entende que é o sistema financeiro que deve submeter-se à sociedade e não o contrário. Assim sendo, se a crise o exigir, o Estado deve nacionalizar os maiores bancos comerciais (ver neste sentido a entrevista de Jean-Paul Fitoussi ao Libération) e deixar falir os bancos de investimento. E, mesmo que não venha a ser necessário, há evidência que baste para que a esquerda defenda abertamente que o sistema financeiro é um bem público a gerir com a máxima cautela.

Suspeito que depois desta crise não haverá legitimidade política para manter o actual estatuto do BCE e uma supervisão dos bancos que se faz através de "visitas periódicas" e "pedidos de informação". Razão tinha Karl Polanyi ao defender que a moeda é uma "mercadoria fictícia".

4 comentários:

Dias disse...

“É o sistema financeiro que deve submeter-se à sociedade”

Ao contrário, o sistema financeiro tem gozado de uma aparente independência, vá lá, uma independência consentida pelo poder político. Parece independente, mas não é.
Perante a sociedade, o BdP sempre pretendeu mostrar-se como instituição moralizadora e supervisora; mas nunca funcionou assim, protegeu sempre interesses determinados, por vezes pelos trilhos mais ínvios.
Foram os casos recentes do BCP e BPN que mostraram as deficiências do sistema e do funcionamento do BdP. No entanto, muito antes, quantos milhares de cidadãos teriam reclamado junto da instituição pelos abusos correntemente praticados pela banca, a que o BdP por sistema fazia letra morta, revelando a sua impotência.

Submeter o sistema financeiro à sociedade significa submetê-lo ao poder político, responsabilizar declaradamente o poder político, acabar com esta falsa independência do sistema financeiro.

José M. Sousa disse...

Até neoliberais como Willem Buiter admitem a racionalidade económica da nacionalização do sistema bancário:

«That suggests that either deposit-banking licenses should be periodically auctioned off competitively or that depostit-taking banks should be in public ownership to ensure that the tax payer gets the rents as well as the risks.The argument that financial intermediation cannot be entrusted to the private sector can now be extended to include the new, transactions-oriented, capital-markets-based forms of financial capitalism.
The risk of a sudden vanishing of both market liquidity for systemically important classes of finanial assets and funding liquidity for systemically important firms may well be too serious to allow private enterprises to play. No doubt the socialisation of most financial intermediation would be costly as regards dynamism and innovation, but if the risk of instability is too great and the cost of instability too high, then that may be a cost worth paying.»



http://blogs.ft.com/maverecon/2008/09/the-end-of-american-capitalism-as-we-knew-it/#more-300

Luís Oliveira Martins disse...

O governador do nosso Banco Central deveria ter feito o mesmo do que Alan Greenspan, ou seja, reconhecer publicamente que o BP se enganou sobre os efeitos da "Mão Invisível".
Infelizmente, as ideias económicas ultraliberais transformaram-se em dogmas em muitas instituições, nomeadamente nos Bancos Centrais dos Países desenvolvidos. Os resultados estão à vista de todos...
Ao contrário do que muitos economistas e políticos apregoam, a desregulamentação dos mercados (financeiros e não só) não é promotora de eficiência e de equilíbrio.

Luis Melo disse...

A RTP tem-se tornado numa televisão ao serviço dos interesses políticos e económicos ligados ao estado. Na semana passada Dias Loureiro “solicitou” a ida ao programa Grande Entrevista para se justificar e defender. Esta semana foi a vez de Vítor Constâncio.

Qual criancinha de 6 anos, o presidente do BP choramingou que os outros também fazem a mesma asneira e ninguém os castiga: "Em muitos países têm sido detectadas fraudes maiores e em nenhum se tem tentado executar um linchamento público da autoridade de supervisão".

O Vitinho também se queixou dos batoteiros. É o mesmo que jogar ao monopólio e o amigo fazer batota, assim não vale!!... “Sobre fraudes e assuntos escondidos não há supervisão que resista”.

Enfim… não mudes Portugal… não mudes e hás-de ir longe… mas será que estes senhores não têm vergonha na cara?

in Mudar Portugal?