quarta-feira, 6 de abril de 2022

Para memória futura


Aqui fica a minuta para apresentação da declaração de princípios da NATO no sentido de responsabilizar e punir todos os responsáveis de todas as principais guerras que aconteceram no passado e para todas as futuras guerras. Basta preencher os espaços a negro.
"O secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, responsabilizou pessoalmente o Presidente da Federação Russa, Vladimir Putin, “pelas atrocidades, pelas vítimas e por todos os efeitos e consequências da guerra na Ucrânia” — que, repetiu, é o desafio de segurança mais sério que os aliados enfrentam desde o fim da II Guerra Mundial “e é absolutamente inaceitável”.“Foi Putin que escolheu fazer esta guerra; é ele que é responsável por todos os crimes de guerra”, declarou Stoltenberg, numa conferência de imprensa no quartel-general da Aliança, em Bruxelas, em que manifestou o seu horror com as “imagens terríveis de civis assassinados em Bucha e noutras áreas controladas pelo Exército russo na Ucrânia”. Chamando a atenção para a escala e a “brutalidade insuportável” da ofensiva russa e lembrando que “atingir civis é um crime de guerra”, o secretário-geral da NATO garantiu que a Aliança está a apoiar os esforços do Tribunal Penal Internacional e todos as outras instâncias nacionais e multilaterais que estão a investigar as acções da Rússia. “Todos os factos devem ser apurados e todos os responsáveis devem enfrentar a Justiça”, armou Stoltenberg. Quarenta dias depois da invasão da Ucrânia, o mundo inteiro pode ver “a natureza da guerra de Putin e a sua total falta de respeito pelo Estado de direito, pela legislação internacional e pelos direitos humanos mais fundamentais”, acrescentou. “Infelizmente, penso que ainda vamos ver mais imagens atrozes nos próximos dias”, lamentou o secretário-geral da NATO" (Declarações tratadas em notícia do jornal Público, 6/4/2022)
Até lá e procurando a maior consistência nesta declaração, espera-se a todo o momento que os Estados Unidos ultrapassem as suas reticências e reconheçam a função do Tribunal Penal Internacional.

Porque é que são os salários que estão a pagar a fatura da inflação?



A subida dos preços da energia e de outras matérias-primas está a ter previsíveis efeitos de contágio em boa parte dos mercados. Os aumentos registados nos combustíveis traduzem-se nos transportes e na eletricidade, o que, por sua vez, tem impacto na maioria dos processos produtivos e cadeias de distribuição, desde a indústria do papel à do óleo, passando por diversos bens alimentares. As consequências em termos salariais já se estão a notar. Embora, no início do ano, se previsse que a reabertura gradual das atividades e a recuperação das economias traria aumentos salariais, as perspetivas alteraram-se radicalmente desde o início da guerra. Na verdade, ao longo do ano passado, os salários reais registaram uma queda significativa na Zona Euro, depois de uma década em que estiveram praticamente estagnados.

Vale a pena olhar para as principais origens da inflação. Os dados da Zona Euro mostram que a subida do índice harmonizado de preços do consumidor se deveu sobretudo à energia e, em menor dimensão, aos produtos alimentares. Ambos têm uma relação direta com a guerra na Ucrânia: a Rússia é uma das principais fontes de petróleo e gás natural da Europa e, juntamente com a Ucrânia, é responsável por uma parte substancial das exportações mundiais de cereais. As quebras na produção resultantes da guerra e a incerteza em torno do possível embargo à economia russa explicam, em boa medida, o aumento dos preços destes produtos, que depois se estendem a vários mercados.

Noutros contextos, a escalada dos preços motivou pressão acrescida por parte dos sindicatos para tentar garantir que os salários reais os acompanhavam. O problema é que, ao longo das últimas décadas, as taxas de sindicalização têm caído a pique na maioria dos países europeus, como se vê no gráfico ao lado (retirado de um relatório da OCDE). Portugal não foi exceção: a densidade sindical (isto é, a percentagem de trabalhadores sindicalizados na força de trabalho total) caiu de 60,8% em 1978 para apenas 15,3% em 2016, segundo os dados da mesma instituição. O declínio da organização coletiva e a erosão do poder negocial perante os empregadores são dois dos principais motivos para que os salários não estejam a acompanhar a inflação.

O aumento das taxas de juro, defendido por muitos economistas como resposta à inflação, teria tendência para agravar este cenário. Aumentar as taxas de juro tem um efeito principal: dificultar a recuperação da atividade económica e do emprego, ao tornar o crédito mais caro para as empresas e famílias. Por outras palavras, uma política monetária mais restrita serve apenas para controlar a inflação através da compressão dos salários. Na década de 1980, o aumento da taxa de juro nos EUA, que ficou conhecido como “choque de Volcker” (em alusão ao então presidente da Reserva Federal, Paul Volcker), foi eficaz a conter a inflação mas desencadeou uma profunda recessão cujos custos foram suportados pelos mais vulneráveis.

Há outros instrumentos que os governos podem utilizar para fazer face à subida dos preços. No curto prazo, além do controlo direto sobre a evolução salarial do setor público, também têm poder de influência sobre a negociação dos salários no setor privado. Em Portugal, o governo tem capacidade para melhorar as condições negociais dos trabalhadores através de um reforço da proteção laboral e da promoção da negociação coletiva. Também há medidas que permitem mitigar o aumento dos preços e repartir os custos da crise, como a regulação das margens de comercialização de produtos específicos, que já foi aplicada no caso das máscaras e do gel desinfetante no início da pandemia, ou a tributação dos lucros extraordinários das grandes empresas em setores como o da energia, sugerida pela OCDE devido ao facto de o setor estar a registar ganhos significativos com a crise. Para já, o governo português não parece disposto a adotá-las.

No entanto, para evitar que a inflação se torne persistente, é preciso outro tipo de medidas. A médio e longo prazo, a resposta passa pelo investimento público. A crise dos preços da energia reforça a necessidade de um plano de investimentos nos transportes coletivos, na produção de renováveis e na promoção da eficiência energética dos edifícios, com dois objetivos principais: promover a reorientação das atividades económicas em linha com o combate às alterações climáticas e reduzir substancialmente o consumo de combustíveis fósseis maioritariamente importados, melhorando o saldo da balança de pagamentos do país. Para resolver problemas estruturais, as políticas públicas têm de atuar na raiz do problema.

Proibido por inconveniente

«Só existe aquilo que o público sabe que existe» (Salazar)

«Um dos grandes sucessos da Censura foi criar uma imagem de Portugal pacificado, inerte, pouco conflitual, sem grandes violências, mais de bons costumes do que de maus, que foi eficaz mesmo com aqueles que lutavam contra a ditadura. E continua eficaz quando se lê o que se escreve hoje em dia sobre os malefícios da democracia, em particular a corrupção, com a sugerida e às vezes explícita ideia de que nada disto com esta dimensão existia antes do 25 de Abril. (...) Neste sentido, a Censura foi talvez a mais eficaz arma do regime da ditadura, cujos efeitos ainda hoje estão submersos no nosso quotidiano. Muito mais do que a subversão do “político” o que a Censura protegia era o poder, todas as hierarquias que dele emanavam, exigindo mais do que respeito, “respeitinho”. Em 48 anos, em que não houve um único dia sem censura, foi este o seu legado» (José Pacheco Pereira)

Organizada a partir do espólio do Arquivo Ephemera, a exposição de materiais de censura do Estado Novo, «Proibido por inconveniente» está patente, entre 7 e 27 de abril, das 11h00 às 18h00, na antiga sede do Diário de Notícias (Avenida da Liberdade, 266, em Lisboa).

terça-feira, 5 de abril de 2022

Verdades cruas e falsas virtudes


Uma verdade crua emerge cada vez mais evidente da Guerra da Ucrânia: apenas os que estão disponíveis a ceder estrategicamente a Putin para pôr fim ao conflito têm como preocupação primal o povo ucraniano. Os intransigentes, que se julgam puros nesta história, são, na verdade, os que revelam a maior frieza e cinismo.

Os que defendem uma contra-invasão da NATO têm obrigacção de não ignorar que, tal como em experiências semelhantes no passado, o custo de vidas civis apenas seria amplificado. Já para não mencionar as vidas dos soldados europeus e americanos que morreriam no conflito.

Os que defendem aguardar sem ceder, porque as sanções tratarão de causar um golpe palaciano para depor Putin, fazem uma aposta com as vidas do povo ucraniano. Não sabem como nem quando tal irá acontecer. Semanas, meses, anos? E até lá o massacre continuará.

A orientação justa só pode ser condenar a invasão, rejeitar a escalada militar, rejeitar apostas improváveis de mudança política na Rússia e tudo apostar na via negocial, com vista a um "second best", uma solução menos má, que poupe o máximo de vítimas. Não é capitular. É ser realista.

Negociar não implica nunca concordar com a outra parte. Os que insinuam que os defensores da via negocial e da paz simpatizam secretamente com o agressor fazem um processo de intenção infame, sacrificador da honestidade intelectual e da lealdade do debate.

Trata-se apenas de avaliar a relação de forças e a consequência de assim não proceder, para nós mesmos e para quem está a ser agredido. Sempre houve negociações entre países com posições políticas totalmente opostas, não raras vezes após as mais bárbaras agressões. Quem defende a não negociação tem obrigação de olhar para as alternativas e avaliar se são melhores para o povo ucraniano e para o mundo. Será melhor uma invasão que soma guerra à guerra e morte à morte? E o que dizer da espera sebastiânica pelo putsch em Moscovo?

Não, não são soluções viáveis. Apenas na mundividência dos que apregoam falsas virtudes. Não raras vezes para mobilizar ódios e ganhos políticos internos. Estão muito pouco interessados no povo ucraniano que dizem defender.

Guerra permanente

Montagem a partir do jornal Público, 5/4/2022
“Uns, os mais cínicos, sabem perfeitamente aonde é que vão: desejam a guerra e preparam-na como se prepara um mau golpe, porque têm a convicção de que, num tal momento, as circunstâncias lhe serão favoráveis.” (Os Thibault, Roger Martin du Gard, Edições Livros do Brasil, volume 2, pag.322

Outros, dizem condenar a guerra, mas defendem mais guerra:  

"Então, por que razão os europeus hesitam? Por que razão continuam a estabelecer uma linha divisória mais ou menos abstracta entre armas defensivas e ofensivas? (...) Há excepções, naturalmente. O Reino Unido está a rever o tipo de armamento que faz chegar à Ucrânia, para adaptá-lo a esta nova fase. Mas Londres sempre foi o país europeu que mais armamento enviou para a Ucrânia, aliás, bem antes do início da invasão. (...) Quem arrasta os pés? Há algumas hesitações em Washington, embora as últimas notícias indiquem que o envio de tanques, por entrepostos países da NATO que foram do Pacto de Varsóvia, pode estar a ser considerado. A França, a Alemanha e, aparentemente, a generalidade dos países ocidentais da União são os mais relutantes. Já antes da invasão, quando Kiev lhes pediu apoio, mantiveram uma atitude hesitante (a Alemanha argumentou que não podia fazê-lo à face da lei), com o argumento de que não queriam “provocar” a Rússia. Mantêm hoje o mesmo argumento? Se é assim, estão a pensar a seis meses, quando o que está em jogo na Ucrânia vai determinar o destino da Europa nas próximas décadas. Enquanto Putin estiver no poder sem ter sofrido uma derrota clara na Ucrânia, continuará a ser uma ameaça directa à segurança europeia. É nessa Europa que queremos viver? Os líderes europeus acreditam que Putin se vai sentar à mesa das negociações numa posição de fraqueza? Continuam à espera do milagre de um cessar-fogo? Acreditam nas rondas de negociações que vão acontecendo em Istambul? (...) Nada acontecerá sem que um dos lados tenha obtido uma vitória clara, mesmo que a definição do Kremlin de uma vitória clara possa estar a mudar." (Teresa de Sousa, Público, 3/4/2022)

"A paz, a paz, a paz, a paz, queremos muito a paz, a paz, a paz, a paz. Ouvir tantas exigências de paz a propósito da Guerra da Ucrânia desperta em mim os piores instintos." (João Miguel Tavares, Público, 5/4/2022) 

E há a paz, negociada e tendo em conta os vários interesses em causa. 

Pensar que só se consegue a paz através da guerra, como forma de conseguir uma melhor base negocial, para impor as condições a fixar pelos vencedores, aplicando a justiça dos vitoriosos, é a melhor forma de continuar a guerra. E de fomentar uma escalada do morticínio.  

No fim, ao fundo, sempre em último plano, haverá a vida que sobra das pessoas que sobreviveram à destruição e ao horror da guerra imposta por quem quis negociar através da guerra. Mesmo que haja quem viva bem com isso.


segunda-feira, 4 de abril de 2022

A velha energia do novo governo


Numa notícia avançada pelo jornal Público, no dia 1 de abril – mas que, infelizmente, não é mentira –, pode ler-se: “Programa do Governo passa ao lado da crise energética”. Proponho uma ligeira reformulação, a bem do rigor: “Programa do Governo passa ao lado da soberania energética”. Lê-se ainda: “O Governo quer mais renováveis, mais combustíveis limpos e mais eficiência energética, mas não fala sobre preços, nem sobre apoios a consumidores e empresas”. É tudo velho no programa do novo governo, desde a redução lenta e insuficiente das emissões de gases com efeito de estufa, ao unicórnio do hidrogénio verde em Sines (cuja concretização agravará a posição de periferia energética que Portugal ocupa no seio da União Europeia), passando pela fiscalidade dita “verde”. 

A única transição verde que devemos apoiar é aquela que coloca a justiça social no centro da política climática e energética. E esta transição justa, ao contrário do que a ação do governo nos pode levar a acreditar, não se alcança com medidas assistencialistas e pontuais (tarifa social da energia, vale eficiência, autovoucher e afins), mas sim com a conquista de um direito universal à energia. Urge, por isso, questionar: quem controla a infraestrutura e a produção de eletricidade renovável? Os leilões solares e os consórcios do hidrogénio verde antecipam a resposta a esta pergunta (uma pista: não é o Estado, nem cooperativas ou comunidades de energia). E, já agora, como é que se renova o parque habitacional português – de modo a assegurar a eficiência energética e o conforto térmico no interior das nossas casas – com os 300 milhões de euros previstos no Plano de Recuperação e Resiliência? 

Talvez seja um bom momento para recordar que a pobreza energética já era um drama muito antes da guerra na Ucrânia e da atual crise energética. Mas nem a guerra na Ucrânia, nem a guerra contra o planeta, parecem ser motivos suficientemente urgentes para recuperar a soberania energética no nosso país. É claro que podemos sempre confiar nas empresas de combustíveis fósseis para liderar a transição “verde”...

Debater, debater, debater sempre


A pandemia de Covid-19 e, sobretudo, a gestão política e económica que dela se faz, criou um contexto social, político, económico e até existencial que abriu um novo ciclo histórico na implantação de um regime securitário à escala global, nas relações de trabalho e no processo de integração europeia. É ele que configura o que se tem chamado novo normal. Mais do que fixar simplesmente um retrato histórico de época, o que aqui se pretende é intervir no debate sobre os caminhos que Portugal e o mundo seguem num contexto tão desafiante como o actual.

Deixo-vos o resumo do livro e uma garantia: haverá debate, partindo deste estimulante livro, numa sala com vistas luminosas, em homenagem a um pensador luminoso. 


domingo, 3 de abril de 2022

Realismo anti-imperialista

 
 
Baku, há quase 102 anos atrás, um momento fundamental do anti-imperialismo

Vale sempre a pena ler as análises mais ou menos realistas de João Pedro Teixeira Fernandes sobre relações internacionais, já que está muitos furos acima da pura propaganda à OTAN-UE, do que passa por linha editorial no Público

No entanto, a sua visão da história internacional das “democracias liberais” e das suas alianças é aqui e ali problemática. Tropecei logo na sua referência à Primeira Guerra Mundial: teria sido uma luta entre as tais “democracias liberais”, com a relevante excepção da Rússia, de um lado, e impérios, do outro. 

França e Grã-Bretanha não tinham sufrágio universal, mas tinham os dois maiores impérios coloniais, não tendo diferenças ético-políticas de maior em relação às potências centrais. O liberalismo foi tão escassamente democrático quanto amplamente imperialista ao longo da sua história. A Primeira Guerra Mundial foi um mortífero conflito entre potências imperialistas, convém lembrá-lo, até para não esquecer o grande levantamento anti-colonial do século XX e o papel de uma país socialista nascido em 1917 no apoio à sua concretização, bem como na derrota dessa brutal radicalização do imperialismo europeu que foi o império nazi. Este último, qual conhecido efeito bumerangue, industrializou dentro da Europa práticas genocidas anteriores, bem testadas fora do continente pelas potências europeias.

Quanto ao resto, não compreendo a afirmação genérica sobre um ocidental “quadro mental que combina um idealismo superficial com falta de vontade de assumir sacrifícios” e que prevaleceria hoje em dia. Sabemos todos quem é sacrificado em nome da guerra em sociedades capitalistas brutalmente desiguais. E é de um óbvio ululante que na história do imperialismo, com tantos estatocídios mais ou menos recentes no currículo, as referências idealistas raramente passaram de pura ideologia, ou seja, de pura ofuscação. Basta pensar que o racista e imperialista Woodrow Wilson passa por pai do idealismo, naturalmente liberal, em algumas histórias intelectuais do século XX. 

É por estas e por muitas outras que mais de metade do mundo não alinha nas narrativas ocidentais armadas hoje em dia. E até tem algum poder para tal recusa. Já não estamos, realmente, num mundo unipolar, o tal do fim da História. E muito menos num mundo em que funcionários europeus punham e dispunham na China ou em partes dela.

sexta-feira, 1 de abril de 2022

Vade retro, mesmo

 
 
Subscrevi uma carta aberta que Vital Moreira comenta desta forma: “Esta carta aberta não passa, portanto, de um provocatório panfleto filoputinesco, que só pode merecer repúdio, com os seus autores (e seguidores!) lançados à execração pública e interditados académica e profissionalmente, como medida de segurança!”

Bem sei que Vital Moreira adoptou aqui um raro modo satírico para, à sua maneira, apoiar o documento, mas ao ler certos intelectuais belicistas de sofá, e alguns até se dizem de esquerda, temo bem que possa ser levado à letra. 

Muitos dos intelectuais belicistas confirmam uma hipótese: 

Um certo europeísmo, agora também declinado na conversa vagamente racista sobre a “civilização ocidental dos que são como nós”, é a doença infantil de antigos esquerdistas transformados em provicianos passageiros frequentes num certo jornalismo e numa certa academia nacionais; onde antes estava Pequim, Tirana ou, mais raramente, Moscovo, está desde meados da década de oitenta, implícita ou explicitamente, o eixo Washington-Bruxelas. 

A atitude sectária é a mesma. Sim, por uma vez não me apetece referir nomes. Eles, e são quase sempre eles, andam por aí...

quinta-feira, 31 de março de 2022

Incentivos estrangeiros


Era perceptível que forçar a entrada da Ucrânia e da Geórgia [na NATO] poderia desencadear uma crise geopolítica com esta gravidade. A responsabilidade política em tudo o que tem a ver com a violência, com o uso da força é sempre incontornável, mas a responsabilidade das lideranças políticas das grandes potências no desencadeamento de uma crise geopolítica é muitíssimo maior. Se há crise que é preciso evitar é uma crise entre grandes potências. (...) [A China] não me tem surpreendido pela forma muito cautelosa com que tem abordado o tema.
  

Há várias passagens da entrevista de Luís Amado ao Público surpreendentemente razoáveis, tendo em conta que, na linha de Jaime Gama, seu mentor, já foi um peixe de águas profundas do Atlântico Norte, do Consenso de Washington, o do fim da História. Mais recentemente, parece que mudou para as águas do Pacífico, para o emergente Consenso de Pequim, o do reinício da História num quadro multipolar mais sadio. 

Afinal de contas, Amado está na EDP, sendo presidente do Conselho Geral e de Supervisão de uma empresa estratégica nacional, hoje controlada pelo Estado chinês e que nunca devia ter sido privatizada, claro. Os chineses não o fizeram, porque sabem que sem empresas estratégicas nas mãos do Estado não há estratégia de desenvolvimento: da banca à energia, passando pela ferrovia. 

Com esta burguesia compradora, fórmula de Mao, é simples: os incentivos estrangeiros explicam tudo.

quarta-feira, 30 de março de 2022

O parque habitacional público não se vende, reforça-se

É sabido que Portugal tem um parque habitacional público muito limitado, que representa apenas cerca de 2% do total de alojamentos. Em 2021, na Europa dos 15, esse valor coloca-nos na cauda da Europa, com apenas três países (Espanha, Luxemburgo e Grécia) a registar valores ainda mais reduzidos e também eles significativamente abaixo da média do conjunto, a rondar os 9%. A política de habitação minimalista, em termos de promoção pública direta, que prevaleceu durante décadas, e a aposta prevalecente nos apoios à aquisição de casa própria - sem reflexo na descida dos preços - ajudam a compreender como se chegou até aqui.


Como se não bastasse, este défice estrutural de oferta pública foi agravado por práticas de alienação de habitação social, limitando ainda mais a capacidade de resposta pública neste domínio. Uma estimativa do impacto desta opção, de venda de património habitacional do Estado, sugere que foram retirados do parque público mais de 50 mil fogos desde 1981. De facto, existiam nesse ano cerca de 122 mil alojamentos sociais, um universo praticamente igual ao registado em 2011, apesar de terem sido construídos 56 mil fogos ao longo do período. Ou seja, caso toda a promoção pública se tivesse mantido como propriedade pública, ter-se-ia atingido um valor de 178 mil fogos sociais em 2011, permitindo falar de um setor habitacional público de 3,7% (acima dos 3,1% registados nesse ano).


Suscita por isso grande perplexidade a intenção, por parte da coligação de direita que hoje governa Lisboa, de integrar na política habitacional local a alienação de fogos municipais, reduzindo a já de si escassa capacidade de resposta às carências e necessidades existentes. Intenção essa que, felizmente, foi entretanto travada pelos partidos de esquerda. De facto, mesmo que se esteja a falar da venda dessas habitações às famílias que nelas residem, tratar-se-á sempre da alienação de um recurso, limitando de forma permanente e definitiva a oferta pública construída e disponível.

Apenas em casos muito excecionais, como sucede em situações de realojamento que permitiram, com o tempo, a constituição de comunidades estáveis, esta opção deverá ser equacionada. Mas mesmo nessas situações, sempre com o pressuposto assumido de que o resultado financeiro das respetivas operações seja exclusivamente destinado à promoção de novos fogos sociais e reforço da oferta, de modo a pelo menos manter, e não reduzir, o parque habitacional público existente.

terça-feira, 29 de março de 2022

Tempos anacrónicos


Lembram-se deste episódio televisivo da recém-estreada CNN Portugal?

O lapso cómico inflamou num ápice as redes sociais, ressoando como uma enorme e sonora gargalhada. Era uma gargalhada sincera pelo momento irracional daquela falsa ligação sináptica, mas ao mesmo tempo representava um gozo crítico à arrogância com que a TVI irrompera à cowboy na concorrência informativa, batendo-a, com a imagem "de qualidade" e o apoio da CNN norte-americana. Era como se tudo estivesse muito bem embrulhado, mas cheio de lacunas de base por parte das estruturas montadas. Era a imagem simbólica de que parecia informação, voava como informação, mas era outra coisa qualquer.

Pois bem, a todos os que riram da situação, saibam no que dá esse momento hilariante, num ambiente cegamente concorrencial: há propostas de despedimento da pessoa que foi dada como responsável pelo lapso!

É como se quem está a frente da TVI visse o filme "Tempos Modernos" de Charlie Chaplin (de 1936!) e aplaudisse o despedimento daquele operário que não conseguiu acompanhar o ritmo infernal das máquinas, que o obrigava - a ele e a todos os operários - a laborar sem descanso, sem pensar, sem lógica humana que não o resultado final favorável a quem era dono da máquina.

Passaram quase 100 anos, mas ainda há não tenha ainda percebido o filme...


segunda-feira, 28 de março de 2022

Meias verdades do Instituto +Liberdade: a taxa de IRC e o rendimento dos países

Uma das publicações mais recentes do Instituto +Liberdade diz respeito às taxas de imposto sobre as empresas. O gráfico apresenta-nos o conjunto dos países europeus da OCDE e compara a taxa estatutária máxima de IRC existente em cada um destes com o seu nível de rendimento por habitante (medido por um indicador que representa o rendimento nacional bruto per capita de cada país face à média da região). O instituto destaca o facto de Portugal ter a taxa estatutária mais elevada entre os países escolhidos e de ser também um dos mais pobres. Não é difícil adivinhar a prescrição dos liberais: se descermos os impostos sobre as empresas, estaremos a dar-lhes mais condições para criar riqueza e pôr a economia a crescer. No entanto, os problemas deste raciocínio começam no próprio gráfico partilhado.

Por um lado, o que o gráfico mostra é que não existe qualquer relação entre a taxa nominal de IRC de um país e o seu nível de rendimento per capita. Há países com taxas mais elevadas e níveis de rendimento per capita mais elevados (Alemanha, Áustria, Bélgica ou França), países com taxas mais baixas e níveis de rendimento inferiores (Hungria, Lituânia) e países com taxas semelhantes e níveis de rendimento profundamente diferentes (veja-se, por exemplo, os casos da Suécia e da Turquia, ou do Luxemburgo e da Grécia). O que não há é qualquer relação observável entre a taxa nominal de IRC e o rendimento per capita dos países.

Por outro, há também países cujo valor do rendimento nacional bruto se encontra bastante inflacionado, por exemplo, pela presença de multinacionais no país. É o caso da Irlanda, acerca da qual o indicador escolhido não nos diz quase nada, uma vez que não reflete o nível de vida realmente existente no país.

Além disso, o instituto usa os valores da taxa estatutária de IRC e não os valores da taxa efetiva. Se se olhar apenas para a taxa estatutária máxima, não se tem em conta as isenções ou reduções de impostos de que as empresas beneficiam em cada país. As taxas efetivas são calculadas comparando o valor que é pago em impostos com o valor dos resultados das empresas antes de impostos, dando uma ideia mais aproximada daquilo que estas efetivamente pagam. De acordo com os dados da OCDE, as empresas em Portugal pagam uma taxa efetiva de 25%, ligeiramente acima de países como a Holanda (23,7%), a Áustria (23,4%) ou a Espanha (23,3%), e abaixo de outros, como a Alemanha (28%) ou a França (29,4%).

Baixar o IRC melhorava a situação do país?

A direita tem repetido à exaustão que os cortes de impostos para as empresas estimulam o crescimento económico. A ideia é relativamente intuitiva: menos impostos sobre as empresas permitem-lhes aumentar os montantes que reinvestem, contribuindo para melhorar a produção e os salários. O problema é que os factos teimam em desmenti-la, como mostra a recente revisão de literatura feita pelos economistas Philipp Heimberger e Sebastien Gechert. Heimberger e Gechert analisaram dezenas de estudos empíricos sobre os impactos de cortes de impostos para as empresas e procuraram perceber se havia algum padrão identificável, mas concluíram que, ao contrário do que os partidos de direita têm dito, não há evidência empírica que nos permita afirmar que esses cortes promovem o crescimento económico.

Temos até exemplos recentes do contrário, como o dos EUA: depois de o governo de Donald Trump cortar a taxa de IRC de 35% para 21% (o valor mais baixo desde 1939), o investimento privado não acelerou e os salários não beneficiaram da medida. Quem beneficiou da medida foram os acionistas e gestores de topo, cujos rendimentos aumentam com o reforço da capitalização bolsista das empresas. Para os trabalhadores com salários médios ou baixos, o saldo acaba por ser negativo, dado que o Estado perde receita fiscal com que se financiam os serviços públicos de que todos beneficiam.

Na página do Instituto +Liberdade, pode ler-se que um dos seus objetivos é o de “melhorar a literacia financeira e económica no país” para que “as pessoas tomem decisões informadas”. No entanto, têm sido várias as publicações que constroem argumentos a partir de meias verdades ou da omissão dos factos que não encaixam nestes (por exemplo, aqui, aqui, aqui ou ainda aqui). E isso dificilmente contribui para o debate informado.

 

domingo, 27 de março de 2022

Presenças e ausências marxistas


A força do impacto dos textos de Losurdo sobre mim se deve a dois elementos diferentes mas interligados: a vinculação da luta comunista à questão colonial/racial e a retomada de uma visão realista das experiências de socialismo real quando estávamos todos hipnotizados pela verdade absoluta da superioridade moral e política do chamado 'mundo livre'.

Caetano Veloso resume muito bem o impacto de Domenico Losurdo (1941-2018), grande filósofo e historiador marxista italiano, a que já aqui várias vezes aludimos, no prólogo que escreveu a uma coletânea de textos inéditos em português. No Brasil existe uma cultura marxista digna desse nome e a editora Boitempo é a expressão editorial dessa realidade. 

Em Portugal, se virmos bem, com excepções conhecidas, a cultura marxista peca pela ausência. No Público, por exemplo, Alexandra Prado Coelho consegue fazer uma análise das relações internacionais a um Domingo, ignorando o contributo do marxismo, como se tudo se passasse entre realistas e liberais, com vantagem, claro, para os últimos; como se o desastre do liberalismo armado, da forma ideológica dominante do imperialismo, não estivesse à vista. Na realidade, está muito por fazer e tudo por traduzir...


sexta-feira, 25 de março de 2022

Escutar Francisco


«Senti vergonha quando um grupo de Estados se comprometeu gastar 2% do PIB para comprar armas, em resposta ao que se está a passar. Uma loucura. (...) A verdadeira resposta, no entanto, não são mais armas, mais sanções, mais alianças político-militares, mas sim um foco diferente, uma forma diferente de governar o mundo, agora globalizado, e de configurar as relações internacionais. (...) Para os que pertencem à minha geração é insuportável ver o que aconteceu e está a acontecer na Ucrânia. Mas, desgraçadamente, isto é fruto da velha lógica política de poder que continua a dominar a chamada geopolítica. (...) As guerras regionais nunca faltaram, até se chegar a esta, que tem uma dimensão maior e ameaça o mundo inteiro. (...) O problema básico é o mesmo, continuamos a governar o mundo como um “tabuleiro de xadrez”, onde os poderosos tramam os seus movimentos para alargar o seu domínio em detrimento dos outros».

Papa Francisco (citado em artigo no DN)

Meias verdades do Instituto +Liberdade: os preços dos combustíveis


O Instituto +Liberdade publicou um gráfico sobre o aumento do preço dos combustíveis ao longo do ano. O gráfico destaca a evolução da cotação internacional do petróleo, dos custos de armazenagem, distribuição e comercialização e da receita fiscal por cada litro de gasóleo. O instituto destaca que “a subida da cotação do barril de Brent tem conduzido ao aumento da receita fiscal associada aos combustíveis”. A Iniciativa Liberal, que conta com vários membros nos órgãos deste instituto, seguiu a mesma linha e concluiu que “o único depósito cheio é o do Governo”.

O problema desta análise é aquele a que tanto o instituto como o partido nos têm habituado: a omissão de variáveis que são decisivas para explicar o fenómeno em causa, de forma a enviesar as conclusões. Uma análise séria da evolução dos preços dos combustíveis tem de ter em conta todos os fatores que os influenciam, o que inclui, além dos que já foram referidos, as margens de lucro das empresas da energia. Vamos então aos factos:

Facto nº 1: as taxas de imposto sobre a gasolina e o gasóleo não aumentaram. Na verdade, o governo até reduziu o ISP (imposto sobre produtos petrolíferos, que corresponde a um valor fixo por litro) no ano passado, e voltou a fazê-lo este mês de forma a compensar o aumento da receita de IVA (que é proporcional aos preços).

Facto nº 2: o peso destes impostos em Portugal não se afasta substancialmente da média europeia. De acordo com os dados publicados pela Comissão Europeia no início deste mês, representam cerca de 52,5% do preço da gasolina e 46,5% do gasóleo, face às médias de 50,5% e 44,6% na Zona Euro, respetivamente. Pode-se questionar se este é excessivo ou não, mas a situação é semelhante nos vários países.

Facto nº 3: se há coisa que aumentou consideravelmente no último ano, foram os lucros das grandes petrolíferas. As sete maiores empresas mundiais do setor da energia registaram lucros extraordinários e anunciaram que vão distribuir cerca de 50 mil milhões de euros aos acionistas. Em Portugal, a Galp também registou lucros avultados – 457 milhões – e propôs um aumento dos dividendos e das operações de recompra das próprias ações.

Facto nº 4
: desde o início da guerra na Ucrânia, as margens de refinação dispararam. Estas margens refletem a diferença entre os custos de aquisição do petróleo e o preço de venda dos produtos refinados. A margem de refinação do grupo Neste, da Finlândia, que era de 5 dólares por barril em setembro de 2021 e rondava os 7 dólares por barril no início deste ano, passou para 42 dólares com o começo da guerra. O mesmo se passou nas restantes grandes empresas, o que levou a agência de notação S&P Global a constatar que “as margens europeias de refinação atingiram um pico no quadro de extrema volatilidade na cadeia petrolífera, após a invasão da Ucrânia pela Rússia”. A Galp ainda não revelou os dados deste trimestre, mas é expectável que a tendência não seja muito diferente.

Há um depósito que está a ficar cheio na sequência do aumento dos preços: o das grandes empresas da energia. A resposta ao problema também passa por medidas que contrariem essa tendência.

Uma dezena de telegramas

1. O complexo militar-industrial é a forma norte-americana de política industrial consensual e agora reforçada, o chamado estado desenvolvimentista escondido; 

2. Reforçar o complexo militar-securitário é a forma que a Alemanha tem de contornar os limites ordoliberais auto-impostos ao investimento público; 

3. Confirmando que a globalização e a desglobalização são armas políticas, as sanções económicas são contraditórias: exibem o poder do centro capitalista e podem acentuar a desconexão económica num mundo assim mais multipolar; 

4. A inflação é definitivamente um fenómeno real, tendencialmente puxada pelos aumentos dos custos; 

5. Os principais preços numa economia capitalista, a começar na taxa de juro e a acabar na energia, são ou podem ser politicamente determinados; 

6. O preço do pão continua a ser um termómetro da legítima insatisfação plebeia e dos correspondentes riscos para as hierarquizadas ordens estabelecidas; 

7. A guerra é o teste à resiliência das formas de economia política dominantes: pode exportar-se violência e importar-se lutas de classes intensificadas; 

8. A aparentemente etérea economia dita da informação e do conhecimento depende de coisas bem materiais, confirmando que a economia é sempre geopolítica. 

9. As desigualdades económicas cavadas e os impérios capitalistas sempre armados continuam a ser a principal fonte de guerras e de inimizades entre os povos.

10. A economia convencional, ahistórica e pretensamente apolítica, sem tempo e sem espaço, é imprestável.

quinta-feira, 24 de março de 2022

Para compreender


Como escreveu Sandra Monteiro num editorial claro sobre condenações claras, assim no plural: 

“Compreender as origens deste ataque implica acompanhar as relações internacionais, a política externa dos países, os movimentos geopolíticos, geoeconómicos e geoestratégicos. Exige acesso a fontes plurais e o seu confronto, e é incompatível com visões do mundo a preto e branco, povoadas por agentes do bem e agentes do mal.” 

No meio de uma decadente comunicação social, que às vezes parece um somatório de porta-vozes da OTAN-UE, atentem, por contraste, no dossiê do Le Monde diplomatique – edição portuguesa sobre a crise na Ucrânia que está disponível gratuitamente no site de um jornal a assinar.
 

quarta-feira, 23 de março de 2022

Há infografias da Pordata que são todo um programa

Fica a dúvida sobre se é apenas enviesamento ideológico enquistado, mera ignorância ou simples sonsice. Provavelmente é de tudo um pouco, sem que isso torne as coisas mais aceitáveis, num portal que é consultado por milhares de pessoas e que tem o mérito de ter feito o que o INE não fez no tempo devido: coligir séries longas de dados estatísticos em vários temas. Mas o facto é que se encontram na página do facebook da Pordata publicações que suscitam perplexidade. A título de exemplo, atentemos em três, publicadas nos últimos dois meses.


A primeira (imagem da esquerda) é recorrente, remontando a uma infografia pulicada no 1º de Maio do ano passado. Sugere, num erro grosseiro, que a produtividade depende do «desempenho dos trabalhadores», ignorando que este indicador resulta de um conjunto diverso de fatores (ver aqui) e não, simplesmente, do volume de horas trabalhadas. Razão pela qual, aliás (como assinalado aqui), há países com um volume de tempo de trabalho inferior ao de Portugal e que atingem níveis de produtividade bem mais elevados. Mas não, o importante para a Pordata é passar a ideia de que os trabalhadores são responsáveis pela baixa produtividade no nosso país.

A segunda (imagem ao centro), toma como referência os dados dos Censos de 2021 para dar destaque ao ligeiro aumento (0,6%), nesse ano, da população em situação de pobreza material severa, face a 2020. Ignorando portanto, para além da omissão da pandemia como fator explicativo dessa variação, a tendência de fundo que mais importa reter. Isto é, a queda continuada da taxa de privação material severa desde 2013, ano em que se atingiu o valor de 10,9% (ou seja, no tempo em que a maioria de direita se entretia a empobrecer o país) para os 6,0% registados em 2021. Mas não, a Pordata prefere assinalar a subida de 0,6% entre 2020 e 2021, como se o país andasse a empobrecer.

A terceira publicação destaca a ideia de que «foram perdidos» dias a «reivindicar direitos». Isto é, não resiste à tentação de dar relevo a esta formulação na imagem, preterindo a que consta do texto de entrada, bem mais objetiva e ideologicamente neutra («quantos dias cada trabalhador se ausentou, por motivo de greve»). O desprezo pela melhoria das condições de vida e de trabalho, pelo combate à precariedade e pela valorização salarial e redução das desigualdades, entre outras questões relevantes para a economia como um todo, torna-se indisfarçável. O que mais importa é sugerir nas entrelinhas, com a subtileza possível, que dias de greve são dias perdidos, prejudiciais ao país.

Por mais que tudo isto fosse inadvertido, o resultado configura toda uma agenda ideológica, todo um programa.