segunda-feira, 4 de abril de 2022

A velha energia do novo governo


Numa notícia avançada pelo jornal Público, no dia 1 de abril – mas que, infelizmente, não é mentira –, pode ler-se: “Programa do Governo passa ao lado da crise energética”. Proponho uma ligeira reformulação, a bem do rigor: “Programa do Governo passa ao lado da soberania energética”. Lê-se ainda: “O Governo quer mais renováveis, mais combustíveis limpos e mais eficiência energética, mas não fala sobre preços, nem sobre apoios a consumidores e empresas”. É tudo velho no programa do novo governo, desde a redução lenta e insuficiente das emissões de gases com efeito de estufa, ao unicórnio do hidrogénio verde em Sines (cuja concretização agravará a posição de periferia energética que Portugal ocupa no seio da União Europeia), passando pela fiscalidade dita “verde”. 

A única transição verde que devemos apoiar é aquela que coloca a justiça social no centro da política climática e energética. E esta transição justa, ao contrário do que a ação do governo nos pode levar a acreditar, não se alcança com medidas assistencialistas e pontuais (tarifa social da energia, vale eficiência, autovoucher e afins), mas sim com a conquista de um direito universal à energia. Urge, por isso, questionar: quem controla a infraestrutura e a produção de eletricidade renovável? Os leilões solares e os consórcios do hidrogénio verde antecipam a resposta a esta pergunta (uma pista: não é o Estado, nem cooperativas ou comunidades de energia). E, já agora, como é que se renova o parque habitacional português – de modo a assegurar a eficiência energética e o conforto térmico no interior das nossas casas – com os 300 milhões de euros previstos no Plano de Recuperação e Resiliência? 

Talvez seja um bom momento para recordar que a pobreza energética já era um drama muito antes da guerra na Ucrânia e da atual crise energética. Mas nem a guerra na Ucrânia, nem a guerra contra o planeta, parecem ser motivos suficientemente urgentes para recuperar a soberania energética no nosso país. É claro que podemos sempre confiar nas empresas de combustíveis fósseis para liderar a transição “verde”...

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