segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

Neoliberal ou social-democrata?

Marcelo Rebelo de Sousa está preocupado com falta de apoios sociais no Orçamento de Estado de 2021. 

Quando instado a explicar-se, numa das entrevistas conduzidas por João Adelino Faria (JAF) na RTP, não soube explanar o que pretendia. Mesmo após as insistências - desta vez bem dirigidas - à la JAF, manteve frases lacónicas.

Era um reforço das despesas no Serviço Nacional de Saúde? Eram mais apoios aos trabalhadores afectados pela crise? Eram mais verbas para pagar a serviço privado de Saúde? Eram mais apoios a entidades do sector social para as entregar aos mais pobres, como se indicia da sua obcessão com a pobreza (mas não com os baixos salários). Ou eram mais apoios às empresas, como se indicia da ideia de Marcelo de que deveria haver mais apoios à retoma económica? Por que não o diz explicitamente? Ou foi uma mera arma de arremesso ao Governo, destinada a cativar eleitorado para a sua votação? 

Estas dúvidas não são dispiciendas. Porque explicá-las obrigá-lo-ia a entrocar-se em distintos corpos de ideias e de políticas económicas. E Marcelo não o quer fazer. Ele é... 

"o presidente de todos os portugueses", mesmo que isso nada queira dizer senão "eu sorrio e vocês votam, para que eu faça o que me der na real gana". 

Foi muito divertido ver Marcelo Rebelo de Sousa, no debate com o candidado Mayan, do partido Iniciativa Liberal, criticar o candidato por ser... neoliberal. 

"Como é que se resolve a pobreza sem políticas sociais?", atirou Marcelo ao candidato. "Como é que o Estado liberal resolvia o caso dos lares?" 

Mas Marcelo Rebelo de Sousa, enquanto comentador, esteve sempre do lado da aplicação das políticas neoliberais económicas traçadas com a troica. Pior: ele achou essa política deixou um legado de que a direita se deve orgulhar, quando esse legado foi, sim, a ampliação da pobreza, o alargamento do fosso social, a consagração da pobreza laboral e da fragilização contratual, a antítese de uma política social!  

Mais horripilante foi assistir ao candidato da IL afirmar: 

"Defendo uma visão radicalmnte diferente" para combater a estagnação do país, a emigração e o facto de os bons empregos só serem conseguidos com o cartão do PS. 

E foi arrepiante ver que, nem ele, nem o entrevistador, saberem ou terem percebido que, se a situação do país é essa, isso se deve - precisamente! - ao facto de terem sido aplicadas... políticas neoliberais desde os anos 80! E Marcelo ainda riposta usando argumentos como se o corpo principal do ideário institucional neoliberal não estivesse a ser aplicado... presentemente!

É o mais completo jogos de espelhos.

Afinal, como é que acha que se resolve o actual impasse em que está Portugal do ponto de vista da sua política económica? O marasmo, a estagnação, a monocultura do turismo-imobiliário-banca? Os baixos salários em actividades de baixa produtividade? Vai deixar o assunto às estratégias empresariais ou vê um papel essencial na intervenção pública,  nomeadamente protegendo soberanamente sectores nacionais? Marcelo é um social-democrata ou um neo-liberal?

A diferença desses dois conceitos não é de somenos, como já vimos aqui, a propósito de Cavaco Silva. Neste caso, Marcelo pode responder de três formas, vá lá, quatro. 

 

Primeiro, pode responder que é social-democrata e é verdade porque Marcelo já foi quase tudo: se aderiu ao PPD em abril de 1974 é porque aceitou o seu programa que pugnava pela social-democracia como via para o socialismo. E se diz jurou defender e fazer aplicar a Constituição lá terá de defender o socialismo.

Segundo, pode responder que já foi um social-democrata de direita quando, em 1977, à beira da intervenção do FMI, já não queria o socialismo - seguindo aliás a evolução do PSD que deu primazia à iniciativa privada - embora defendesse um "entendimento preferencial com o PS"Uma posição que conduziu ao afastamento de Sá Carneiro. 

Terceiro, pode responder que deixou de ser social-democrata de direita, nos anos 80, mas que continuou a ser militante do PSD. Nessa altura, depois de ter de deixado de ser jornalista e accionista do jornal Expresso (por ter escrito que Pinto Balsemão, então primeiro-ministro, era lé-lé da cuca), dirigiu e foi accionista do jornal Semanário (1983/87), o qual albergou a direita e extrema-direita defensora de um programa neoliberal para o país, que deu corpo a uma das tendência no PSD, a qual veio a empurrar Cavaco Silva para presidente do partido e o catapultou para o Governo, aplicando uma agenda neoliberal; que, enquanto  presidente do PSD nos anos 90, no rescaldo do cavaquismo, se quis demarcar do PS; e, que, em 2011/2014, enquanto comentador político, nada teve a objectar às linhas de força da actuação neoliberal da troica em Portugal. 

E quarto: Marcelo pode dizer que foi sincero em todos esses momentos e que, a cada momento, se deve pensar de uma maneira adequada... mas que julga ser um social-democrata, que sempre foi um social-democrata, e que, apesar de ter defendido a aplicação das políticas neoliberais, não acha que é um neoliberal, se bem que não veja qualquer antagonismo entre as duas ideologias...  

Pois claro. 


10 comentários:

Jose disse...

Sempre a mesma conversa: tudo que está mal é por causa das políticas neoliberais.
Entende-se por isso que o que está em falta requer mais despesa ou investimento do Estado; donde ou faltam impostos ou dívidas.

Em final tudo acaba em saque; não se esclarece é a quem.

TINA's Nemesis (Geringonço) disse...

Há pelo menos uma coisa consistente em Marcelo, ele gosta de mostrar os peitos tanto para levar vacinas como para nadar no Tejo...
Marcelo, um profissional do show-off mais superficial! Tudo em nome do Capita... nação!

Monteiro disse...

Conforme Antero de Quental a causa da decadência de Portugal vem de 1536. Agora estarem uns contra os outros isso é característico de irmãos que vivem divididos porque ambos querem ficar com o pote. É só isso. O resto é falso.

Lowlander disse...

Essa foto e espectacular, o tipo parece mesmo o Hyman Roth do Padrinho 2.

Anónimo disse...

O nacional-porreirismo no seu melhor. Ou pior. Tudo depende do ponto de vista.

João Ramos de Almeida disse...

Caro José,

Então a quem é que se deveria pedir responsabilidades? Pois, se todo o cardápio de políticas foi sendo aplicado tanto pelo PSD como PS desde 1987 - politicas monetário-cambiais, institucionais, orçamentais, sectoriais, até filosofico-teóricas, todos os dias bomnbardeadas pela comunicação social como verdades absolutas, etc., etc. - acha que se deveria pedir explicações a quem?

Esse é verdadeiramente o sistema que tem de ser alterado.

o problema é que, quem está mergulhado nesse corpo teórico, nem dá pela enxurrada em que está envolvido. E depois acha que a culpa é da não aplicação integral desse programa... o que justificará - como o José defende - ainda mais medidas vindas desse corpo teórico. É perversão completa.

Caro José: temos de rever o quadro vigente ou vamos todos parar ao esgoto. E seremos apenas uma praia da Europa, onde nós servimos bicas a quem vem. Isto sem desprimor para quem serve bicas, mas não é disso que pode viver um país.

Jose disse...

Caro João,
Não podia estar mais de acordo em que «temos que rever o quadro vigente».

Ora o quadro contém de tudo, do neoliberalismo ao estatismo.
Esse é 'corpo teórico', que obviamente não é mais que os muito propagandeados 'equilíbrios; tolerâncias; consensos; estabilidades', uma salsada variável no tempo e no modo que de corpo teórico tem nada.

Não se avista em que prazo possamos vislumbrar uma economia socialista para o país, o que por definição pressupõe a acumulação de capital no Estado; entretanto luta-se denodadamente para evitar a acumulação de capital nos privados por políticas de redistribuição e consumo que nos atiram para uma economia de 'servir bicas', tudo regado a gritaria de exploração e emprego garantido, propaganda de direitos e silenciamento de deveres.

O 'corpo teórico' é um somatório de slogans sem coerência nem futuro; tendo-se tornado quase incompreensível, dá lugar as todos os oportunismos, populismos e a uma larvar corrupção onde o serviço público se confunde com serviço de facção.

Quando se fala em reformas estruturais o 'corpo teórico' todo se assanha e a facção socialista logo imagina que só poderão ter lugar no sentido de um caminho de voluntariado do capitalismo para o socialismo, que de revolução já ninguém fala!

Anónimo disse...

A questão tem apenas a ver com a velha luta de classes.
Foram as elites que desenterraram as teorias da ortodoxia pré-Keynes, foram as elites que andaram a financiar universidades, think-tanks, media, os diretores dos media, etc para impor a hegemonia da ortodoxia.
Só havia uma pequena nuance a ultrapassar, em relação aos anos 1920s: a perda do padrão ouro na moeda. E daí surgiu o mito da inflação e o mantra da suposta "independência" dos bancos centrais.
De resto, esta aberração é a mesma de há 100 anos atrás.

Jaime Santos disse...

João Ramos de Almeida, existe uma divergência de princípio entre você e MRS (e eu, já agora).

O João considera que a CRP de 1976 está imbuída de uma qualquer espécie de carácter sagrado, à imagem dos conservadores americanos originalistas que insistem em ler o texto constitucional americano, sujeito a múltiplas emendas, à luz daquele que seria o suposto entendimento dos homens de então.

Passaram-se só 44 anos, em lugar de duzentos e tal, mas o problema é o mesmo. As pessoas mudam de ideias e os textos constitucionais mudam também.

Mais, é duvidoso que o capítulo económico da CRP fosse de facto objecto de consenso em 1976, mesmo entre os Partidos que o votaram (todos, excepto o CDS). Creio aliás que Octávio Pato testemunhou isso mesmo. A organização económica ficou a que ficou fruto da pressão exercida pelo MFA sobre a classe política após o 11 de Março. De recordar aliás que a CRP mantinha o poder civil sobre tutela militar com a consagração desse órgão sui generis que era o Conselho da Revolução.

E depois, a social-democracia não tem que ser apenas uma via para o socialismo. Pode simplesmente representar uma via reformista do próprio capitalismo e não foram os ideólogos da Terceira Via que inventaram tal coisa. O SPD renunciou às nacionalizações nos anos cinquenta, por exemplo.

O João pode argumentar que a guinada neoliberal a partir dos anos oitenta representou uma perda real de direitos das classes trabalhadoras mas até aí era bom que se lembrasse que a social-democracia faliu após as crises petrolíferas dos anos 70 e o outro modelo alternativo, o do socialismo real, ruiu de alto a baixo em 1991, mas também apresentava sinais de decadência desde pelo menos a década de setenta.

A derrota da Esquerda derivou da sua incapacidade de se adaptar a novos tempos de menor crescimento. Escusado será ainda lembrar que quando Mitterrand procurou adoptar o modelo estatista em França a partir de 1981, os resultados não foram brilhantes, e a França acabou numa posição ainda mais subalterna em relação à poderosa Alemanha.

A conversão dos trabalhistas britânicos à Terceira Via faz-se justamente porque as classes médias tinham sido atraídas pelas políticas de Thatcher. E sem os votos dessas classes médias o destino da Esquerda é a eterna oposição...

Não confunda divergências político-ideológicas com legitimidade democrática, supostamente conferida por uma visão original da CRP. Essa legitimidade, o PS e o PSD (com o CDS) tiveram-na em todos os momentos, porque o povo decidiu dá-la a esses Partidos e eles actuaram sempre dentro dos limites da CRP a cada momento...

Eu compreendo o azedume dos comunistas. Foram os principais resistentes ao fascismo, mas quando o 25 de Abril trouxe o povo para a terra prometida da democracia, este virou-lhes as costas. É a vida...

Não tente colar todos aqueles que discordam de si a um neoliberalismo puro e duro à IL... A vida não é a preto e branco...

JE disse...

Hum

Pelo contrário JS abraçou o mais puro neoliberalismo. E tenta vender-nos a sua versão da História,como nos tentou impingir que a queda de Cavaco se deveu à abertura aos canais privados.

Depois de abjurar do socialismo,depois de meter os pés pelas mãos com a social-democracia ( faliu e tem vários caminhos blablabla) depois de anunciar a derrota da esquerda, o que faz então este JS por aqui,tão melindrado, tão agastado,tão publicitário das suas grilhetas?

Justificar-se por se ter bandeado para o lado dos "vencedores"? Por endeusar traidores ao seu próprio ideário como o banqueiro Macron,aquele que procura que um seu voto se converta num voto em Le pen? Por ter receio que a História ainda não tenha acabado? Para defender a sua "reforma" como um dia disse?

Para fazer propaganda eleitoral, dentro do partido em que vota, contra Pedro Nuno dos Santos, numa manifestação da falta de carácter comparável aos vendedores de banha da cobra?

A questão tem mesmo a ver com a velha luta de classes. E JS abraça mesmo a dos banqueiros. Chamem-se ou não Macrons