sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

Quando Marcelo lixou Sá Carneiro

Quando os políticos morrem, deixam de existir como homens. E são enaltecidos como heróis ao lado de quem se esteve. 

Mas enquanto homens, estiveram sujeitos a todo o tipo de golpes políticos e navalhadas, faltas de solidariedade ou vilezas.

Corria o ano de 1977. Mário Soares era primeiro-ministro, num governo minoritário do PS que começava a arrepiar caminho ao texto da Constituição que aprovara um ano antes. Pairava nos céus a intervenção do FMI e o seu programa de austeridade, como forma - não de desenvolver o país - mas de endireitar as contas externas, à custa da asfixia da procura interna. Sá Carneiro já se manifestava contra a receita FMI, mas pelos motivos mais contraditórios e superficiais e, no entanto, ainda repetidos por tantos:

Depreende-se que tal acordo vai implicar medidas fortemente restritivas do consumo e da actividade económica em geral, as quais se vão repercutir especialmente nos particulares e no sector privado da economia. Se assim for, considero essa política errada. O problema do consumo é sobretudo o excesso de consumo público. Aí devia, pois, incidir especialmente a austeridade, mas é ao contrário que se tem visto. Insiste-se cada vez mais na austeridade para os particulares, aumentam-se os impostos e os preços sobem em flecha, mas vemos que a Administração Pública, a Presidência da República e o Governo gastam cada vez mais, tendo as respectivas despesas aumentado astronomicamente de 1976 para 1977. 

Para criar estabilidade política em torno desse programa, o presidente  da República Ramalho Eanes quis juntar no governo os quatro maiores partidos. Mas o PSD preferia, antes, afastar o PCP do caminho e juntar apenas os "três partidos democráticos". Enceta contactos com o PS e o CDS. Mas apenas o CDS responde à chamada. Reúnem-se os dois partidos, desenha-se uma estratégia conjunta. Mas no meio de tudo, em Novembro de 1977, demite-se o presidente do PSD, Francisco Sá Carneiro.

 - Não é discutível a minha decisão de deixar a presidência do PSD. Trata-se de uma decisão inabalável.(Tempo, 10/11/1977)

Mas não foi. A direita tem destas coisas (vidé caso do Paulo Portas em 2012). Passados uns meses, Sá Carneiro voltou em força. Mas centremo-nos nas razões da demissão. Porquê? 

Essas razões podem ser encontradas no livro que o próprio Sá Carneiro editou intitulado Impasse, edições Macroplan, Abril de 1978, mas que se encontra online, pelo Instituto Sá Carneiro, bem como muitas outras intervenções.  

Primeiro, foi por causa da discordância da linha do partido que, ao arrepio da estratégia aprovada antes, visava um "entendimento preferencial com o PS" e que culminou com a aprovação em Congresso de Janeiro de 1978, de forma inusitada e estranha, de uma moção apresentada por Marcelo Rebelo de Sousa, que, segundo Sá Carneiro, "veio dar razão plena à minha convicção de que, imerso no sistema, o PSD não era capaz de o contestar abertamento, de modo a dar às pessoas a esperança nova de que alguma coisa de fundamental pode mudar". Depois, e antes disso, por causa de inúmeras "fugas sucessivas e sem sanção do que se passa na Comissão Política", que visavam mostrar que Sá Carneiro estava isolado na direcção do partido e que era o único que estava a impedir essa nova linha política, ao querer teimosamente um acordo preferencial com o CDS. 

Dê-se, pois, um salto atrás na História e leia-se a intervenção que Sá Carneiro fez nesse V Congresso, no Porto, a 28/1/1978, bem como outras intervenções anteriores. Nela. Sá Carneiro relata um conjunto de factos anteriores a Novembro de 1977, que, se não foram levadas a cabo por Marcelo Rebelo de Sousa, lhe assentam que nem uma luva. 

Os sublinhados a "negro" são nossos.


1. Reúne este Congresso para apreciar, em primeiro lugar, a situação política. Pretendo não fazer um relatório, nem sequer um discurso, mas dar sobre este ponto um depoimento pessoal. (...)
2.(...) Entre Outubro de 1976 e Novembro de 1977 ocorreram factos que levaram ao meu afastamento do exercício do cargo de presidente do partido e ao Conselho Nacional de Lisboa. Parece-me necessário rememorá-los no essencial, pois tendo embora sido expostos em vários Conselhos Nacionais não foram ventilados perante os congressistas a quem cabe apreciar a situação e decidir em conformidade. Ao fazê-lo, procurarei reproduzir, resumindo-o, o que transmiti aos Conselhos Nacionais.

3. A situação que levou ao meu afastamento assentou em progressivas dificuldades causadas à direcção do partido  que, vindas de fora, algumas vezes no seu interior tiveram eco. Surgiram os primeiros sinais em Maio de 1977, a propósito da chamada convergência democrática. Esta nasceu de um convite do PSD ao PS e ao CDS para conversações, que só este aceitou, concretizando-se em três encontros das delegações de ambos os partidos. A iniciativa do nosso partido inseria-se na estratégia de procurar obter uma maioria democrática estável por acordo dos três partidos democráticos" - ou seja, marginalizando democraticamente o PCP - "oficialmente apresentada em fins de Janeiro de 1977, no encerramento das Jornadas Municipais do Porto e por mim pessoalmente defendida em Outubro, posição essa que aflorara já numa das conclusões do Congresso de Leiria", de 30/10/1976. 

O tema das reuniões com o CDS foi discutido na Comissão Política Nacional que reconheceu a plena legitimidade de iniciativa do seu Comité Permanente, e debatido no Conselho Nacional de Viana do Castelo, em Junho" de 1977. "Numa das conclusões,  para além de consagrar a estratégia seguida, o Conselho rejeita qualquer forma de aliança ou coligação preferencial, até que seja possível concretizar a convergência entre os partidos democráticos". 

A ideia de uma convergência apenas entre os três partidos tinha uma lógica como Sá Carneiro mais tarde explicou, mas que coloco já aqui para que se perceba melhor:  

Procurar através desse voto a aproximação com o PS é, para além destes dois aspectos, um grave erro político. (...) Ficou claro que o PS não está interessado nem aceita o tipo de acordo (...). [O PS, isto é, Mário Soares estava mais interessado num acordo com o CDS que julgava ser, em Portugal, o Partido da Democracia Cristã português, desejando fazer com ele um acordo à italiana]. (...) A necessária política de salvação nacional só pode conseguir-se com o empenhamento do PR e dos três partidos democráticos. Ficarmos sozinhos com o PS é subordinarmo-nos a ele e dar ao CDS as vantagens da oposição, enquanto que, com os três partidos, a nossa posição será a de charneira e eixo da política. I

Interessante ideia, não é? Diz-lhe alguma coisa sobre o panorama actual da direita? 

Retome-se o discurso de Sá Carneiro: 

Nada disso impediu que surgissem as dificuldades referidas: por um lado, alguns dirigentes e responsáveis do PSD sustentavam publicamente, designadamente no Povo Livre, a necessidade de uma estratégia de entendimento preferencial com o PS, divergindo portanto da linha do partido e do seu presidente. Por outro lado, toda uma campanha de imprensa fomentava, a esse respeito, a existência de divergências entre mim e outros dirigentes.   

Assume neste aspecto particular a publicação em Julho, no Expresso [onde Marcelo Rebelo de Sousa era já subdirector], de um dossier sob a convergência no qual, com base numa versão falseada e deturpada do teor das reuniões, algumas das quais informais, se apresenta o presidente do partido como defensor de longa data, mas derrotado, de um entendimento preferencial com o CDS, o qual é falso, em divergência com a maioria dos membros da Comissão Política.  

A propósito, leia-se um pormenor da intervenção de Sá Carneiro que fez à Conselho Nacional 10 e 11/11/1977, no Hotel Altis de Lisboa, a denunciar  essa campanha: 

Começou então uma campanha na Imprensa visando criar a imagem de que, em 1.° lugar, essa iniciativa me era atribuída em exclusivo e não correspondia aos desejos do partido e à sua estratégia; que tinha sido um golpe meu para fazer um acordo preferencial com o CDS. Mas ficou bem claro no Conselho Nacional de Viana do Castelo qual a posição do partido, pela aprovação da moção de estratégia, e não por minha imposição. 

Voltemos ao Congresso:

4. Essas tentativas de desacreditar, perante a opinião pública e os militantes, o presidente do  partido, conhecem novo surto em Agosto [de 1977], a propósito da votação da Reforma Agrária. Uma imediata fuga de informação do que se passou na Comissão Política revela que eu seguira posição contrária à da maioria e inutiliza as negociações ainda em curso. Pese embora a extensão desta intervenção, creio que o melhor é ler o texto da minha declaração de voto que relata os factos e analisa na sua gravidade: 

 

 Declaração de voto

A proposta de lei de bases da Reforma Agrária deve passar na Assembleia da República, mas não deve ter o voto favorável do PSD. 

A proposta deve passar a fim de ser substituído o actual regime legal, libertada a agricultura na zona de intervenção do domínio do PCP, abertas algumas possibilidades ao desenvolvimento agrícola. Com a passagem da lei ficará em cheque e mais isolado o PCP, aumentando-se a distância entre ele e o PS

[Tudo tão claro, não é?]

Para que a proposta passe, basta a nossa abstenção. Não deve o PSD votá-la favoravelmente. As alterações que foram obtidas e que consubstanciam várias melhorias ao articulado são suficientes para justificar a nossa abstenção, mas não o voto favorável. (...). Esta não é a nossa Reforma Agrária. A sua filosofia afasta-se daquela que preside à nossa política agrária. Encontra-se ainda orientada esta proposta por espírito colectivista e de nacionalização da terra que transita da legislação  gonçalvista e que nós não podemos sancionar sem grave contradição programática.  (...) 

Votar favoravelmente quando tal não é necessário para a passagem da lei só pode, no actual contexto, explicar-se pelo desejo de agradar ao Presidente da República e pelo intuito de aproximação ao PS com vista a estabelecer com ele uma relação preferencial. Foi isso, de resto, o que explicou a imediata comunicação a Belém e ao PS do que se passou na reunião da Comissão Política, transmissão essa que fez gorar as negociações ainda em curso [com o CDS], desautorizando a posição que eu próprio, de harmonia com as decisões anteriores da Comissão Política Nacional, transmitira ao PR, confirmando-lhe pelo telefone, horas antes da reunião divulgada, que só poderíamos votar a favor se fossem acolhidas as nossas posições quanto às questões dos indivisos e da ineficácia dos actos causadores da redução da área. 

Em face dessa grave quebra dos deveres partidários e dessa deslealdade ainda não identificada, deleguei imediatamente todos os meus poderes de presidente [do PSD], quanto às negociações em curso, nos vice-presidentes Barbosa de Melo e Sousa Franco e estou decidido a não tomar parte em novas reuniões da Comissão Política Nacional enquanto não  averiguado o  comportamento referido e tomadas as respectivas responsabilidades       

 

Mas esta posição voltou a ser objecto de uma nova fuga de informação para a comunicação social. Uma fuga que visava mostrar que o "presidente do partido já não pesava nada, que ficava sistematicamente vencido". Sá Carneiro entendeu que não devia votar contra a sua consciência e pediu à direcção do grupo parlamentar  para não votar, o que lhe foi concedido, não aparecendo na sessão de votação. "Tratava-se de razões políticas, era uma divergência, era o meu direito de deputado". Mas essa divergência foi denunciada à comunicação social.  

5. Embora não estivesse terminado o inquérito nem averiguadas responsabilidades, por insistência de alguns dos membros, voltei a participar nas reuniões da Comissão Política. 
Entretanto, havia decorrido, em 3 e 4 de Setembro [de 1977], uma importante reunião de fim de semana do Comité Permanente da Comissão Política, juntamente com a direcção do grupo parlamentar. As conclusões dessa reunião, aprovadas pela Comissão Política, estão  subjacentes à estratégia aprovada em Bragança.

Foi uma estratégia aprovada por unanimidade, tendo como relator António Sousa Franco. "Representava um apreciável endurecimento ao Governo PS".   

Considerou-se objectivo fundamental (no horizonte de 1980) a transformação da estrutura do Estado e do sistema económico-social, passando pela alteração do esquema constitucional vigente. (...) Prevê-se nas conclusões o início das negociações para uma plataforma democrática de salvação nacional até 30/10/1977, para que, no início de 1978, entre em funções um novo governo. E, caso qualquer desses requisitos  não se verifique, mais se prevê que a passagem do PSD a oposição sistemática e a apresentação de uma moção de censura, colocando o PS e o PR perante as responsabilidades  históricas.

Após este Conselho, a pressão do PR fez-se no sentido de um acordo a quatro (incluindo o PCP).  Surge a 31/10, um comunicado do primeiro-ministro que foi qualificado pelo Conselho Nacional do PSD de "ambíguo e pouco claro". 

Face a esse comunicado, as opiniões na Comissão Política dividem-se, ficando eu mais uma vez vencido. 

E "dois dias depois, um diário do Porto revela o resultado da votação na Comissão Política salientando em grande título constituir ele mais uma derrota para o presidente do PSD".

Como diria Sá Carneiro ao Conselho Nacional, não era importante ser vencido. Já fora vencido muitas vezes em votações da Comissão Política e isso era "perfeitamente normal":

"O que já não considero normal é que, no sábado, um jornal do Porto, publica o resultado da votação, salientando que, pela 2.a vez, o presidente do partido foi vencido e dando os números da votação com todos os pormenores. Em face disso, e durante esse fim de semana, pensei longamente na situação e tomei a decisão que vos comuniquei na 2.a feira". 

No Congresso, Sá Carneiro continuou: 

A minha reacção é de afastamento em relação ao partido. Comunico-a ao Comité Permanente da Comissão Política em 7/11/1977, pedindo para que fosse transmitida aos membros da Comissão  Política Nacional. Isso baseado: a) na discordância com a linha do partido; b) nas fugas sucessivas e sem sanção do que se passa na Comissão Política; c) na coerência da linha que em Julho adoptou. "Considerando a sua posição definitiva e maduramente pensada, não permitiu a discussão despedindo-se dos presentes", reza a acta. 

A Comissão Política Nacional demite-se. Sá Carneiro, pressionado pelos orgãos locais, "milhares de militantes, simpatizantes e cidadãos", afinal não se demite do partido. "Por minha própria e insistente solicitação, fico no partido, como sempre, a dar ao nosso partido tudo quanto possa". A nova Comissão Política e o seu presidente António Sousa Franco recebem a solidariedade de Sá Carneiro. 

Entre esta crise e a realização do Congresso, Sá Carneiro escrever quarto artigos para o Povo Livre. Um deles não foi publicado. 

"Os meus primeiros artigos no Povo Livre - Impasse e o Retrocesso - causaram alguns problemas na própria Comissão Permanente cuja actuação elogiei, justamente no terceiro artigo, intitulado A linha certa. O quarto artigo - intitulado Indiferença - não foi publicado, sem que se tivesse dado conhecimento prévio" a Sá Carneiro e "contra o parecer de Sousa Franco e da directoria do Povo Livre e sem que os membros da Comissão  Permanente tivessem lido o artigo suspenso".

Mais uma vez, como era inevitável já que o artigo se encontrava na tipografia, composto e impresso, o caso transpirou e serviu de pretexto a novos ataques ao presidente do partido, sendo mais uma vez desautorizado. Segundo a imprensa, o artigo suspenso conteria um gravíssimo ataque ao PR e impossibilitaria as negociações em curso com o PS. 

(...) 

8. A questão das tendências, componentes ou linhas dentro do partido veio agravar a situação.  Levantada numa entrevista de Sousa Franco, a que o Expresso deu ampla difusão, tal questão veio a ser discutida nas duas últimas sessões do Conselho Nacional, sendo a existência de tendências defendida pela generalidade dos intervenientes. Haveria, assim, dentro do PSD uma tendência, leitura ou grupo social-liberal, predominantemente nas grandes massas rurais do Norte e Centro do país, identificada comigo; e uma tendência, leitura ou grupo mais socializante, partidária de uma actuação mais moderada, mais social-democrata, com particular incidência nos quadros intermédios, mos técnicos,  nos pequenos e médios empresários. Esta visão do partido não é a minha e causou-me grande surpresa e estranheza. Em termos de opinião pública, as consequências foram imediatas, logo se distinguindo a linha ou tendência, rural, Sá Carneiro, e a linha ou tendência, urbana, mais social-democrata, identificada com Sousa Franco.

Nem por isto não corresponder às intenções ou à visão pessoal de um e de outro, conforme foi esclarecido, deixou de constituir, ainda hoje, um facto político a ter em conta. (...) Como facilmente se compreenderá, para além da discordância de fundo, a simples circunstância de, em termos de opinião pública, estar identificado com uma das tendências impedia-me de aceitar a presidência (...). Não só isso diminuía o cargo, como permitia a ilação, que foi tirada em termos falseados por um comentarista político do nosso partido, de que a dupla presidência correspondia às duas tendências, o que, além de inexacto, nunca estivera nas intenções dos intervenientes da proposta.  

Por último,  a referida questão viria a permitir que, de futuro, os membros do partido, seus responsáveis e dirigentes se identificassem à vontade con uma ou outra das tendências e com as respectivas figuras polarizadoras, demarcando-se da outra, o que iria implicar uma permanente divisão, senão antagonismo, com graves prejuízos para o partido. 

E foi isso que levou Sá Carneiro a comunicar à Comissão Permanente e ao Conselho de Jurisdição que não aceitava ser eleito presidente ou dirigente do partido. E a apresentar aos congressistas a sua posição. Mas o Congresso em si também não lhe correu de feição. 

Numa entrevista que deu ao jornal Tempo, publicada a 9/2/1978 e inserta no mesmo livro, Sá Carneiro descasca o papel desempenhado por Marcelo Rebelo de Sousa. Como conta, Sá Carneiro só admitiria ficar na direcção se "houvesse um acordo" entre si, Barbosa de Melo e Sousa Franco sobre a estratégia a seguir e se o Congresso a aprovasse. No sábado do congresso, depois da intervenção de Sá Carneiro, houve um jantar entre os três, que, segundo Sá Carneiro, foi "importante". 

"Nele se verificou que, não havendo acordo quanto à estratégia, se o Congresso consagrasse aquela que eu defendera no meu discurso, Sousa Franco e Barbosa de Melo não ficariam comigo na direcção do partido. Assim, mantive a minha decisão. De resto, as intervenções  de um e de outro ante o Congresso, nessa noite, foram divergentes da minha". 

Mas Sá Carneiro é surpreendido por Marcelo Rebelo de Sousa

Quando acabei de falar e fui eu o primeiro orador, fui surpreendido com a apresentação da moção de Marcelo Rebelo de Sousa. Não é habitual apresentar moções antes de se ter visto formado um certo consenso sobre pontos a consagrar. Ora, na altura nenhum houvera, já que até aí só eu falara e a simples leitura da moção deixava ver divergências em relação à posição que eu havia claramente enunciado. O Congresso devia estar esclarecido, porque as posições eram nítidas. Não intervi novamente porque achei desnecessário e para não influenciar os congressistas.

A moção, como disse Sá Carneiro, defendia "uma linha política mais moderada do que aquela que eu entendo dever ser seguida", de aproximação com o PS e visando ter com o PS uma aliança preferencial. Pessoas conotadas com as ideias de Sá Carneiro intervêm no Congresso para que o debate prossiga. Marcelo Rebelo de Sousa é membro da mesa do Congresso. O debate fica-se por ali. 

Abstive-me na votação, que foi global, porque, como disse no domingo, embora concordasse com muito do que constava da moção, a achava insuficiente; daí o meu voto que traduz divergência e não qualquer espécie de desinteresse. Como no Congresso ficou claro. No dia seguinte, após a votação, disse isso mesmo porque fui no Congresso interpelado para o efeito; mas logo em seguida manifestei a minha discordância com uma repetição da votação que foi requerida, a qual, como disse, só nos diminuiria a todos e causaria compreensíveis problemas. 

Sá Carneiro repele mesmo a possibilidade de ter colocado o Congresso perante a opção: ou o PSD consigo presidente, mas assumindo a estratégia que para ele preconiza; ou PSD sem si e com essa outra orientação.

Estou certo de que sairia vitorioso, mas isso envolveria uma pressão sobre o Congresso que eu nunca faria. Pus o problema no meu discurso tal como o entendi dever pô-lo, com respeito pela liberdade do Congresso e pela sua capacidade de discernimento, e não estou arrependido. O Congresso aprovou uma estratégia da qual discordo. Não me candidatei. Se se voltasse, procederia exactamente do mesmo modo. 

Prossegue o jornalista do jornal Tempo: 

- (...) Mas que reservas lhe merece, afinal, a orientação do PSD que a proposta de Marcelo Rebelo de Sousa formulou? Que contrapontos faz concretamente? 

- (...) Entendo (...) que devemos lutar por um governo de salvação nacional ou por novas eleições, se ele não for possível; que devemos fazer oposição, sem adjectivos, ao actual Governo, graduando a sua intensidade conforme a actuação do executivo e as necessidades do país; que devemos desde já preparar, apresentar ao público e fazer discutir no partido a nossa proposta de revisão da Constituição a efectuar em 1980, e que devemos criticar abertamente, sempre que o mereça e tem merecido, o PR. Também entendi, e assim o disse no Congresso, que este devia pronunciar-se sobre a revisão do sistema económico-social, sobre a estrutura do Estado, sobre o Conselho da Revolução, sobre o papel das Forças Armadas, tudo no quadro da revisão da Constituição e no horizonte de 1980, bem como sobre a rejeição de qualquer acordo preferencial com o PS ou com o CDS e de qualquer entendimento com o Governo. 

Noutra entrevista, ao jornal Comércio do Porto (inserta no mesmo livro), Sá Carneiro demarca-se igualmente da moção de Marcelo Rebelo de Sousa:  

CP: A moção Rebelo de Sousa foi previamente concertada consigo?

FSC: A moção Rebelo de Sousa não foi, directa ou indirectamente, concertada comigo. Constituiu, pelo contrário, uma surpresa para mim, já que ninguém dela me falara

CP: E tê-lo-ia sido com Sousa Franco ou Barbosa de Melo? 

FSC: Quanto à posição dos dirigentes que menciona, relativamente à moção, desconheço em absoluto qual ela tivesse sido, visto que foi assunto que comigo não abordaram. (...) O Congresso ao aprovar a moção apresentada por Marcelo Rebelo de Sousa ficou aquém daquilo que eu sustentei ser necessário seguir como estratégia.

Ele há, pois, caminhos do passado que mereceriam ser iluminados. Porque talvez haja traços de personalidade que se tenham mantido no personagem em questão.

1 comentário:

Jose disse...

Este partidos inorgânicos são uma confusão.
Nada como aquela orgânica de secretismos e capelas em que os bispos só são apeados sem que ninguém saiba porquê.