segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

Novo ano, novas lentes para avaliar as contas públicas?

Depois de, no início do mês passado, Larry Summers e Jason Furman terem causado surpresa com um artigo sobre a sustentabilidade da dívida pública, foi a vez da economista-chefe da OCDE, Laurence Boone, reconhecer que é preciso de rever os critérios normalmente utilizados para avaliar se as finanças públicas de um país são saudáveis.

Para Boone, os países devem "abandonar a ideia de que precisamos de uma abordagem de 'tamanho único' (one-size-fits-all) em relação às regras orçamentais para regressar a uma determinada meta da dívida pública". Por outras palavras, é errado pensar que podemos aplicar a mesma regra a todos os países de forma a resolver a questão do aumento do endividamento público face à crise provocada pela pandemia. A economista-chefe da OCDE defende que "temos de pensar na sustentabilidade [das contas públicas] de forma mais discricionária, num período de tempo mais longo, e também de forma mais democrática, no sentido em que as metas definidas politicamente devem ser avaliadas com mais transparência".

É justo admitir que o recado tem um destinatário claro: a União Europeia, onde a política económica dos países membros tem sido orientada por regras orçamentais, definidas nos tratados, que impõem limites rígidos à dívida pública e aos défices orçamentais, bem como metas de consolidação orçamental para os países que os excedam. O Conselho Orçamental Europeu, um órgão consultivo independente, já tinha considerado que estas regras têm uma natureza pró-cíclica, uma vez que restringem a despesa e investimento públicos e impedem que os países endividados respondam a crises como a que atravessamos com orçamentos expansionistas. Foi isso que levou à suspensão temporária das regras no início do confinamento. E é isso que explica porque devemos evitar o seu regresso.

Laurence Boone lembra que o atual contexto de incerteza e taxas de juro próximas de zero reforça a eficácia da política orçamental expansionista, que permite complementar a política monetária e combater a recessão. A conclusão é semelhante à de Summers e Furman, que notam que os défices orçamentais podem não ser a forma mais adequada de analisar a sustentabilidade das finanças públicas de um país e sugerem que se considere, em alternativa, o rácio da despesa com juros sobre o PIB do país.

Outros autores, como Yilmaz Akyuz, ex-diretor da Divisão das Nações Unidas para a Globalização e Estratégias de Desenvolvimento, defendem que a análise da sustentabilidade deve incluir um conjunto de critérios mais alargado, tendo em consideração os riscos específicos de cada país. Variáveis como a evolução da dívida privada e da dívida externa, a liquidez e os riscos do sistema financeiro, ou o impacto negativo que a redução da dívida tem no crescimento económico são importantes para perceber as condições estruturais de um país. Ignorar estes fatores leva a que se prescrevam políticas desadequadas aos países, como aconteceu na União Europeia após a última crise. Reduzir a análise ao défice orçamental é, por isso, um erro que se pode pagar caro.

Certo é que a forma como avaliamos as contas públicas dos países pode vir a sofrer mudanças significativas nos próximos tempos. No Twitter, em tom provocatório, Olivier Blanchard pergunta quanto tempo demorarão os governos a adotar este novo consenso académico em torno da política orçamental. Esperemos que não seja tanto quanto o FMI, na altura liderado pelo próprio Blanchard, demorou a reconhecer os erros que cometeu após a última crise, quando empurrou países como Portugal para medidas de austeridade que se revelaram desastrosas. Nestas coisas, o tempo é decisivo.

5 comentários:

Jose disse...

Havendo seriedade, nada a obstar a melhor análise e mais eficaz solução.

Agora, quanto à solução que «empurrou países como Portugal para medidas de austeridade que se revelaram desastrosas» a pergunta que se coloca é saber quais foram esses desastres para que se avaliem as medidas que, segundo se anuncia, nos permitiu tão rapidamente sair deles.

A falta de seriedade com que se avalia uma e outra dessas acções são um prelúdio seguro de que temos por destino caminhar de desastre em desastre, independentemente dos progressos teóricos da análise económica.

Paulo Marques disse...

Isso não são novas lentes, são novas fórmulas para modelar a economia. Não estou a ver grande diminuição do erro de previsão só porque a fórmula soa ligeiramente mais humanista.
Afinal de contas, são os bancos centrais que definem a taxa de juro, como eles já admitem, com o impacto negativo na inflação, idem, por isso não abandonar o castelo de cartas da modelação monetarista é garantia que tudo fica na mesma.

Manuel Galvão disse...

O FMI reconheceu, mas não indemnizou os países que tiveram prejuízos desse erro de avaliação.

Lágrimas de crocodilo... dá cá o meu!

Anónimo disse...

A "teoria" económica é parecida com as seitas evangélicas.
Baseia-se em dogmas não observáveis e cresceu a parasitar os crentes.
Hoje dizem uma coisa e amanhã o contrário e ninguém os manda apanhar ... o autocarro para a patagonia.

JE disse...

Uma pérola

Aquele que gritava pela troika, que chorava pela troika. que rangia os dentes pela troika , que exigia a vingança contra Abril, aquele que foi o autor de uma inúmera prosa caceteira nas suas exigências do ir mais além do que a troika, está agora reduzido a "isto":

Não viu os desastres das medidas de austeridade

Há mais?



Aquele que andou montado no cavalo do diabo, com Passos como corneteiro ou vice-versa, aquele que prognosticava o fim do mundo a mais além, agora fala em medidas que, "segundo se anuncia, nos permitiu tão rapidamente sair deles".

Não vale tudo na troca de ideias. Mas a aldrabice travestida de argumento sério não passa.O oportunismo político duma direita sem coluna vertebral ( de que é também exemplo um tal galvão pimentel ferreira) e sem princípios é o exemplo mais claro que esta direita não presta.

Por isso fica tão incomodada quando ventura é desmascarado como vigarista