quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

Espero que ainda haja tempo

Depois da experiência dos Açores, ficou à vista que em Portugal também ocorrerá uma recomposição partidária, à semelhança do que aconteceu em vários países da UE. Uma análise preliminar dos resultados eleitorais, a aprofundar por quem estuda estas matérias, mostra que o crescimento do Chega provém essencialmente do eleitorado da direita tradicional, da abstenção e, provavelmente, também de jovens que votaram pela primeira vez. As transferências de voto provenientes do PS e dos partidos da esquerda serão marginais e muito localizadas.

Assim sendo, enquanto o PS mantiver o apoio popular que as sondagens mostram, a direita não terá acesso ao governo. Com a entrada em cena do Chega, o BE e o PCP estão condenados a apoiar o PS até ao fim da legislatura, mesmo que não gostem do resultado das negociações. Se, e quando, o PS gerar desencanto e frustração numa parte significativa do seu eleitorado, por exemplo em resultado da gestão da crise actual e das políticas que nos forem exigidas pela UE como condição para o uso do Fundo de Recuperação, então poderá ocorrer uma transferência de voto do PS para o PSD. Nesse dia, e é doloroso imaginar tal cenário, teremos aquilo que André Ventura anunciou na noite das presidenciais, governo do PSD + Chega.

Por agora, não me parece que estejam no horizonte mudanças significativas na linha política do PS e na dos partidos à sua esquerda, o que lamento porque deixar tudo na mesma não oferece uma alternativa ao voto de protesto. O povo que se sente (e foi mesmo) abandonado com as políticas neoliberais tem direito a uma alternativa de esquerda para sair do buraco em que foi lançado. Após o controlo da pandemia, é muito provável que a UE atravesse alguma turbulência política, o que pode dificultar (ainda mais) as políticas internas de que precisamos para atenuar esta profunda crise económica e social.

As esquerdas têm a obrigação de oferecer uma interpretação alternativa para o caminho que fizemos até aqui e para os obstáculos que impedem o nosso desenvolvimento. A meu ver, têm de oferecer um projecto de sociedade que seja mobilizador, capaz de trazer para o seu lado uma parte importante do voto dos desiludidos com o que a democracia lhes deu, além de outros. E isto exige muitíssimo mais do que trabalho parlamentar; exige diálogo unitário e exige militância de base ao lado dos que ficaram para trás em todo o país. Espero que ainda haja tempo.

10 comentários:

José Neves disse...

Tenho várias discordâncias com a análise do Jorge Bateira:

1ª) “Com a entrada em cena do Chega, o BE e o PCP estão condenados a apoiar o PS até ao fim da legislatura…”.

Porquê? O Chega, não alterou a relação de forças no parlamento, que é onde se joga a sobrevivência do governo. E aí continua a existir uma maioria de esquerda, com diferentes combinações possíveis.

2ª) “Se, e quando, o PS gerar desencanto…então poderá ocorrer uma transferência de voto do PS para o PSD. “

Tanto pode ser para o PSD como pode ser para outras forças à esquerda do PS. Aliás foi nesse cenário político que o BE apostou, a prazo, ao votar contra o último orçamento, ficando descomprometido com o governo do PS e poder capitalizar o provável descontentamento com as consequências da crise económica e social que se deve intensificar.

3ª) “Por agora, não me parece que estejam no horizonte mudanças significativas na linha política do PS e na dos partidos à sua esquerda, o que lamento porque deixar tudo na mesma não oferece uma alternativa ao voto de protesto.”.

O Jorge Bateira "ignora" que depois das legislativas de 2019, o Bloco de Esquerda tem assumido uma posição cada vez mais distante e crítica do governo, culminando com o voto contra o Orçamento do Estado. Na realidade já houve uma mudança na linha política, quer do PS ao eleger o PCP e os Verdes como parceiros preferenciais, quer do Bloco de Esquerda ao decidir fazer uma oposição maior ao governo do PS.
Se essa posição vem ou não a dar resultados é algo que temos que aguardar para ver. A avaliar pelo resultado recente da Marisa Matias (menos de 70% que em 2016) parece que a maioria do eleitorado do BE não aprova esta estratégia, mas no médio prazo, pode ser que o BE venha a ser visto como “a alternativa ao voto de protesto” que o Jorge Bateira entende ser necessária.

Anónimo disse...

Os que ficaram para trás no Reino Unido eram tantos, que imposeram a saída da UE aos que queriam permanecer.
Vão-me dizer que se arrependeram ou vão arrepender.
Olhe que não.
Olhe que não.

Anónimo disse...

"As esquerdas têm a obrigação de oferecer uma interpretação alternativa para o caminho que fizemos até aqui e para os obstáculos que impedem o nosso desenvolvimento. A meu ver, têm de oferecer um projecto de sociedade que seja mobilizador, capaz de trazer para o seu lado uma parte importante do voto dos desiludidos"

Podiam ter começado logo por apresentar uma candidatura que se visse em vez dos cromos que apresentaram.

Jaime Santos disse...

Por uma vez, estamos de acordo. A fraca votação de Matias, Ferreira e Ana Gomes, que representa uma linha mais à Esquerda no PS (por enquanto muito inconsequente), aliada ao crescimento da votação na Extrema-Direita (mas se voto de protesto é, é um voto de protesto da Direita contra a linha de Rui Rio ou contra o próprio Marcelo, a acreditar nas sondagens) enfraquecerá estes dois Partidos face a Costa.

No entanto, a crise social e económica que se seguirá à da Pandemia (sendo que estamos longe de saber se a vacinação massiva da população de facto permitirá o regresso a uma vida mais ou menos normal, dado o aparecimento de novas variantes do vírus) pode muito bem levar a uma fractura irreversível entre as Esquerdas, como aconteceu em 2011... Se assim for, teremos o regresso da Direita ao Poder, provavelmente coligada com o Chega.

Agora, Jorge Bateira, o problema é justamente a apresentação de uma alternativa de Esquerda consistente com políticas bem delineadas e com a necessidade de sacrifícios da população claramente assumida, coisa que não tem acontecido até agora.

BE e PCP defendem que basta abandonar o Euro e aumentar o défice para começar a jorrar o leite e o mel. Todos sabemos, como mostra o processo do Brexit aliás, que a recuperação de uma soberania tout court não se faz sem custos.

Não serei eu, bem entendido, que a apoiarei, porque não acredito nada que um regresso a políticas abandonadas, por boas razões, nos anos 70 vá resultar agora, sobretudo perante uma crise climática provocada antes de tudo por um crescimento desenfreado no uso dos recursos naturais.

Mas seria pelo menos refrescante ouvir um discurso realista por parte da Esquerda. O próprio PS ganharia com isso...

Augusto disse...

O BE e o PCP nao estao condenados a apoiar o PS, o PS com a subida do chega, deixa de poder contar com o PSD, e por isso tem de negociar com o BE e com o PCP, senao o fizer, e mantiver a politica de meias tintas, PARTE-SE, com uma parte do seu eleitorado , a mais de esquerda a dar o seu voto BE e ao PCP.

Anónimo disse...

Misturar Presidenciais , com Legislativas e Orcamentos, eh misturar alhos com bugalhos.

O PCP absteve-se no ultimo orcamento, teve talvez como paga o apoio da Isabel Moreira, do Ascenco Simoes, do Alfredo Barroso, e de mais umas figuras do PS, e o resultado foi o mesmo que o Edgar Silva, que ja tinha sido um resultado desatroso.

O resultado da Marisa Matias foi mau, mas as causas desse mau resultados , teem de ser procuradas, na forma como decorreu a campanha, e nao em votacoes de Orcamentos de Estado.

Alias as ditas sondagens, MANHOSAS, nao lhes dou qualquer credito, algumas ate dao o BE com um resultado muito semelhante ao que conseguiu na ultimas eleicoes. Acredito tanto em sondagens, como em bruxas.

Anónimo disse...

Esta do discurso refrescante segundo o vocabulário de Jaime Santos, ê assim.
Façam o que eu e a ala neoliberal da coisa quer
E depois até vos brindarei com análises sobre a vacina e o Covid
Sou especialista

Anónimo disse...

Os que ficaram para trás eram tantos?
E impuseram a saída?
A saída foi fruto de um referendo. E foi complicada a saída Efectiva . Se o anónimo vem fazer propaganda enviesada ao arrependimento, esta não passa

Unknown disse...

Uma boa parte do eleitorado do BE votou em AG. Tem pouco ou nada a ver com demonstrar descontentamento com o facto do BE não ter aprovado o OE.

José Neves disse...

Constato que alguns comentários contestam algumas das opiniões contidas no meu comentário, por basearem-se no trabalho da Aximage. Revendo o trabalho pode-se constatar:

1) A sondagem da Aximagem, apesar de ter sido feita uma semana antes das eleições, tem uma margem de erro pequena quando comparada com o resultado final. No caso do resultado da Marisa Matias a sondagem previa 4,3% e o resultado final foi de 4%.

2) Segundo o trabalho de campo publicado posteriormente, houveram cerca de 266 mil eleitores que haviam votado no Bloco de Esquerda, em 2019, a votar nestas presidenciais. Ou seja só 53% dos que votaram BE em 2019 foram votar nestas eleições.

3) Dos que votaram, 132 mil votaram em Marisa Matias, ou seja, só 26% dos eleitores que tinham votado no BE em Outubro de 2019.

4) Os restantes 134 mil que haviam votado no BE, 81 mil votara em Marcelo, 44 mil votaram em Ana Gomes e 9 mil votaram em João Ferreira.

5) Na sondagem realizada sobre as intenções de voto para legislativas, realizada pela Aximage na mesma ocasião, o BE aparece com 7,2% das intenções. Menos 2,3 pontos que o resultado obtido em 2019 (9,5%). Isto é menos 24% do alcançado em Outubro de 2019.

Conclusão 1: Não é verdade que a razão principal da baixa votação da Marisa Matias tenha sido o voto útil em Ana Gomes, até porque houveram mais "eleitores do BE" a votar em Marcelo que na Ana Gomes.

Conclusão 2: Não é verdade que a votação do João Ferreira tenha sido tão má como a de Marisa Matias. João Ferreira manteve quase a mesma votação que o candidato apoiado pela CDU em 2016, enquanto a Marisa Matias perdeu mais de metade dos votantes.

Isto são factos, que podem ser verificados por qualquer um. Obviamente que são sondagens, que tem uma margem de erro, ainda que pequeno, e a opinião publica é volátil, como sabemos.

Como lemos estes dados e os interpretamos? Eu procuro manter a maior objetividade possível e dar a minha visão com base no conhecimento empírico.

Outros entendem que o comportamento dos eleitores nada tem que ver com as decisões e acções dos partidos e da forma como são percepcionados. Acho que estão errados, mas suspeito que só vão perceber isso demasiado tarde.