domingo, 3 de janeiro de 2021

Um filme para retemperar forças


Depois dos últimos debates, sobretudo do mais violento, talvez seja de relembrar uma das obras-primas do cinema mundial.  

Sete Samurais (1954), realizado por Akira Kurosawa (filho de um membro de família samurai e com uma história de juventude que passou pela pintura e pela participação na Liga dos Artistas Proletários no final dos anos 20), é um filme épico de 3,5 horas a preto e branco, magistralmente composto, que relata a batalha passada no séc.XVI entre um bando de bandidos que regularmanente saqueiam as aldeias e uma aldeia organizada e mobilizada por sete samurais, dispostos a sacrificar-se pelo bem dos camponeses desprotegidos. 

O embate é cinematograficamente original pela forma como é filmado e encenado, usando técnicas que, mais tarde, depois de tanto ser repetidas, se tornaram clichés

A mensagem deixada tem vários matizes dependentes do olhar de cada um. Poder-se-á dizer que Kurosawa era um grande admirador de westerns e que o filme acabaria, como tal, por ser adaptado nos Estados Unidos. Mas dificilmente se escapa à ideia de que aqueles que antes viviam aterrorizados por um grupo inferior em número, mas dominantes pela violência, souberam ultrapassar o seu medo; a sua resistência individual a ceder a um bem comum; a sua incapacidade para ver um futuro melhor, e - transformando-se pela acção - conseguiram igualmente mudar a sua vida. Mais fundo, ver-se-á que a fragilidade dos camponeses é fruto da violência da guerra trazida pelos samurais, que os fez seres individualistas, mentirosos, receosos, chorões e cobardes, apenas valentes diante de samurais vencidos, a quem saqueiam as armas e armaduras. E que a guerra é igualmente uma guerra contra si mesmos, pelo regresso a si; a guerra que, pelo seu contacto com o risco inevitável, é o terreno fértil para o deslace dos preconceitos repetidos pelo medo e a libertação do essencial - o amor, antes proibido.

No final, um dos samurais sobreviventes conclui - diante da vida alegre que sobreveio - que a vitória fora dos camponeses. Os samurais, guerreiros e personagens únicos, generosos e movidos por princípios éticos de gesto preciso, antes usados ao serviço dos senhores da guerra, não têm lugar nesse novo mundo de paz. Apenas estão de passagem, como  o vento. Mas - além dos quatro samurais mortos na contenda - algo deles ficou na terra. Espera-se que sim.

4 comentários:

Augusto disse...

Debates....Eu assisti a UM DEBATE , entre a Marisa Matias e o Marcelo, e a uma peixeirada, entre o Ventura e o Ferreira.

Jaime Santos disse...

Isto, João Ramos de Almeida, já é bem mais digno de comparação com a luta política do que exemplos anteriores. Chapéu!

Jose disse...

«a fragilidade dos camponeses é fruto da violência da guerra trazida pelos samurais, que os fez seres individualistas, mentirosos, receosos, chorões e cobardes.»
A fortaleza dos samurais é fruto da violência cultivada pelos samurais, que os fez seres individualistas, «generosos e movidos por princípios éticos de gesto preciso» e por tal amordaçavam o medo e os faziam valentes.

Um bom princípio de conversa sobre indivíduos com ética e coragem…

Anónimo disse...

Os camponeses acabam por vencer. Parece que João Ferreira é quem os defende.
AV faz parte do grupo de bandidos
A luta contra os bandidos é mesmo necessária.