terça-feira, 12 de janeiro de 2021

Passar o tempo


Final de Agosto de 1991: Miguel Sousa Tavares afiança na sua coluna do Público que “o PCP acabou”. Ler na praia sempre foi desconfortável. Na altura, mais valia passar horas a fio no mar. 

Tavares tornou-se um escritor medíocre e um jornalista tão bem pago quanto impreparado, como se confirma nas entrevistas que anda a fazer aos candidatos presidenciais: “tem algum amigo preto”, perguntou a certa altura a Ventura. Ontem, perante Vitorino Silva, perguntou se ele voltaria daqui a quatro anos, tendo a resposta que não são quatro, mas sim cinco anos, o tempo do mandato presidencial. 

Tavares nunca deixou de ser preconceituoso, esforçando-se por tornar a sua profecia amplamente partilhada daquele Verão em realidade, recorrendo a truques de uma cartilha anticomunista cada vez mais gasta. O insuspeito historiador Pacheco Pereira tem-se precisamente queixado, desde 2015, da falta de qualidade intelectual da recente vaga anticomunista em Portugal, indissociável da tentativa colectiva de abrir uma nova fase da vida política nacional. Nunca primou pela qualidade, creio. 

Entretanto, no sábado passado, confirmou-se o que já se sabia: o Expresso está editorialmente enlevado com o candidato “liberal” Mayan Gonçalves, um fanático que, em debate com João Ferreira, classificou Assunção Cristas, a da nova e desastrosa ronda de liberalização das rendas, como socialista. 

Fez lembrar um economista político que conhecemos bem: Ludwig von Mises, o que nos anos cinquenta terá saído de uma reunião da Mont Pelerin Society, esse núcleo do neoliberalismo original, a bradar: “sóis um bando de socialistas”, depois de ter apoiado Mussolini nos anos vinte, porque este teria salvo a propriedade privada em Itália. De resto, essa sociedade apoiaria Pinochet nos anos setenta e oitenta, tal como o seu presidente actual, o economista monetário convencional John B. Taylor, apoiou Trump na última eleição. No Brasil, apoiam Bolsonaro, claro. Toda uma tradição. Os liberais que quiseram passar a ser democratas tiveram de abandonar a economia política liberal ao longo do século XX, tornando-se pelo menos social-democratas. Houve vários até aos anos setenta. No século XXI, da crise da desigualdade à crise ambiental ou de saúde pública, não pode ser diferente. 

Complementarmente, Tavares fundia na sua coluna do Expresso o candidato racista da “ditadura das pessoas de bem” com o candidato João Ferreira, o que tem sublinhado os valores plenamente democráticos ainda inscritos na nossa Constituição, assentes, por exemplo, na proteção de quem cria tudo o que tem valor neste país, tenha ou não nascido aqui. Vítor Dias foi até obrigado a vir em defesa da verdade e da sua honra, perante mais uma mentira de Tavares. 

Ventura, que é vigarista, mas não é burro, sabe que o seu programa de morte se implementaria muito mais facilmente se esta tradição antifascista desaparecesse. Daí a sua violência, respondida com firmeza e racionalidade democráticas. 

A história, sabem, não terminou no Verão de 1991, mas a ilusão do seu fim, mais um sono da razão, produziu, uma vez mais, monstros, mostrengos e monstrinhos.

5 comentários:

Anónimo disse...

No céu cinzento sob o astro mudo
Batendo as asas pela noite calada
Vêm em bandos com pés veludo
Chupar o sangue fresco da manada
Eles comem tudo, eles comem tudo
Eles comem tudo e não deixam nada
Eles comem tudo, eles comem tudo
Eles comem tudo e não deixam nada
Se alguém se engana com seu ar sisudo
E lhes franqueia as portas à chegada
Eles comem tudo, eles comem tudo
Eles comem tudo e não deixam nada
Eles comem tudo, eles comem tudo
Eles comem tudo e não deixam nada
À toda a parte chegam os vampiros
Poisam nos prédios poisam nas calçadas
Trazem no ventre despojos antigos
Mas nada os prende às vidas acabadas
Eles comem tudo, eles comem tudo
Eles comem tudo e não deixam nada
Eles comem tudo, eles comem tudo
Eles comem tudo e não deixam nada
No chão do medo tombam os vencidos
Ouvem-se os gritos na noite abafada
Jazem nos fossos vítimas dum credo
E não se esgota o sangue da manada
Eles comem tudo, eles comem tudo
Eles comem tudo e não deixam nada
Eles comem tudo, eles comem tudo
Eles comem tudo e não deixam nada
São os mordomos do universo todo
Senhores à força mandadores sem lei
Enchem as tulhas bebem vinho novo
Dançam a ronda no pinhal do rei
Eles comem tudo, eles comem tudo
Eles comem tudo e não deixam nada
Eles comem tudo, eles comem tudo
Eles comem tudo e não deixam nada
Eles comem tudo, eles comem tudo
Eles comem tudo e não deixam nada
Eles comem tudo, eles comem tudo
Eles comem tudo e não deixam nada
Eles comem tudo, eles comem tudo
Eles comem tudo e não deixam nada
Eles comem tudo, eles comem tudo
Eles comem tudo e não deixam nada

Mário Pinto disse...

Eu não leio (nem oiço) nada que provenha de Miguel Sousa Tavares e não sinto a sua falta. Antes pelo contrário.

Anónimo disse...

Excelente comentário

Anónimo disse...

O Sr. Miguel Sousa Tavares faz parte daquela velha tradição portuguesa de pais ilustres produzirem filhos medíocres, filhos medíocres esses que, justamente por o serem, falam aos seus demais concidadãos do alto da sua indestrutível autoridade moral alicerçada numa vida cheia de dificuldades económicas transpostas a penas de duro trabalho e de esforços hercúleos no trepar da escorregadia escada da ascensão social.
O mesmo que professava não deixar morrer David Crokect - um herói dos desvalidos, certamente - foi o mesmo que, gostosamente e cheio de certezas, passou a certidão de óbito ao PCP, e nisso foi de uma extrema obediência canina aos seus ídolos neoliberais que, ao mesmo tempo que equiparavam o Comunismo ao Nazismo, importavam cientistas nazis do incinerado III Reich e químicos genocidas do derrotado Império do Sol Nascente imperialista, fascista e racista.
O Sr. Tavares é um verdadeiro génio, pois que outra coisa poderá ser alguém que consegue enfiar no mesmo saco do seu fétiche pela guerrilha a admiração temporalmente paralela pela UNITA e pela Frente Polisário? E que chamaremos nós a alguém que outrora entrou em Angola pela mão da África do Sul do Apartheid para cantar as excelências dos seus fantoches assassinos, tribalistas e racistas e que agora vocifera contra racismos e discriminações?
Mas não nos alonguemos e concluamos chamando ao Sr. Tavares aquilo que ele verdadeiramente é: um "dandy" boçal, um menino mimado e malcriado como todos os meninos mimados o são, um indivíduo com uma cerviz gelatinosa como só pode ter uma cerviz gelatinosa quem, ameaçado com a ira judicial de um Presidente da República de má memória, meteu o rabinho entre as pernas e disse que o que dissera afinal de contas não foi aquilo que disse.

Anónimo disse...

Pode ser comprovado, aqui, que o Mayan chamou, de facto, socialista (!) à Cristas.

E, já agora, aproveite-se para ver o debate na íntegra, que interessará aos leitores deste blog, pois se confrontam, com clareza, duas economias políticas, duas visões do mundo, dois projetos sociais.

Talvez o mais ideológico debate desta campanha. Em tom cordial, mas assertivo. Muito elucidativo!

[Para o caso de o link não funcionar: https://sicnoticias.pt/especiais/eleicoes-presidenciais/2021-01-07-Joao-Ferreira-vs.-Tiago-Mayan-Goncalves-o-debate-na-integra ]