sexta-feira, 4 de setembro de 2020

Até dizer chega


Adam Smith, uma das principais referências da economia política liberal, já nos havia alertado no século XVIII: quando os capitalistas de um mesmo ofício se reúnem para conversar, geralmente é para conspirar contra o público. No último século, capitalistas de diferentes ofícios, ou os seus representantes, reuniram-se frequentemente para conspirar contra as democracias. Em Portugal também. A 18 de Junho de 2020, numa quinta em Loures, como relata uma investigação do jornalista Miguel Carvalho na Visão, foi servido um belo repasto a «seletos convidados», que «pesam muitos milhões na economia nacional e até além-fronteiras»: reuniram-se para conspirar com o deputado do Chega André Ventura; a questão do financiamento deste partido não terá estado naturalmente ausente. João Bravo foi o anfitrião. Este capitalista com negócios nas áreas da defesa, da segurança e dos incêndios, necessariamente entrelaçados com o Estado, afiançou: «desde 1974 que o País se afunda». 

A investigação de Miguel Carvalho deu-nos assim a ver um momento de consolidação das mais importantes redes sociais deste partido, sem as quais a acção nas outras redes, também chamadas sociais, nunca teria a mesma eficácia, até por falta de recursos. Profundo conhecedor da extrema-direita portuguesa, ou não tivesse sido autor do livro de referência sobre o seu terrorismo a seguir a 1974, Carvalho já havia começado a investigar a galáxia reacionária de que é feito o Chega: de quadros fascistas à mobilização de sectores evangélicos em modo bolsonarista, passando pelos negócios mais ou menos sórdidos – da segurança ao imobiliário de luxo – de muitos dos seus dirigentes, sem esquecer as ligações internacionais ou o caldo cultural obscurantista, de onde o negacionismo climático não está ausente. É aliás neste caldo que mergulha hoje toda uma economia política neoliberal ao serviço do aumento dos poderes discricionários indissociáveis do capital e do Estado securitário.

O resto do artigo, que recupera e desenvolve notas críticas recentes a uma apologia deste partido e à sua normalização pelo PSD de Rui Rio, pode ser lido no Le Monde diplomatique - edição portuguesa de Setembro.  

8 comentários:

Anónimo disse...

Tudo expectável, portanto.
A única questão é saber se tanto entusiasmo salazarento terá, ou não, efeitos eleitorais.
Isto porque, os nossos EXTREMISTAS da direita e do CENTRO têm uma grande dificuldade em lidar com a realidade.
Talvez por desprezarem o povo e não ouvirem o que as pessoas comuns pensam, eles iludem-se facilmente.
Querem um exemplo?
Sabem quem ia ser a próxima primeira-ministra da Portugal?
Pois, era a Cristas.
Agora, enfiou a violinha no saco e desapareceu de vez.

Jose disse...

Depois de 46 anos 'a caminho do socialismo', o aborto a que se chegou - nem cá, nem lá, antes pelo contrário - seguramente terá consequências.
Quer isto dizer que nem o socialismo deixou vestígios económicamente operativos nem o capitalismo tem condições decentes de funcionamento.

Jaime Santos disse...

O problema, João Rodrigues é que para si o remédio é ser-se anti-liberal (algo que Smith obviamente rejeitaria).

A seguir vai provavelmente falar na necessidade de recuperar o Estado Nacional, do Brexit, do One Nation Toryism de Johnson e por aí a fora.

Pois bem, o neoliberalismo mais radical veste hoje em dia roupagens nacionalistas e anti-liberais: https://www.theguardian.com/commentisfree/2020/sep/01/no-10-lobby-groups-democracy-policy-exchange.

Johnson e Cummings procuram minar a democracia britânica justamente através da centralização do poder, em nome de uma vontade popular que deve ser cumprida, contra as instâncias de intermediação que supostamente se opõem à soberania do parlamento.

O poder do dinheiro veste o fato que for preciso...

Comparado com estes, Ventura é um principiante...

Tenha cautela com o que deseja, João Rodrigues, é capaz de o conseguir, mas talvez não no formato exactamente imaginado...

JE disse...

Excelente contribuição para lançar mais luz sobre o amamentar da besta

JE disse...

Já há pouca pachorra para as idiotices das múmias paralíticas

Depois de 46 anos a "caminho do socialismo" diz um. Uma espécie de aborto linguístico ou outra coisa pior?

A decência do comportamento do capitalismo refere-se concretamente a quê? Aos offshores directamente apoiados pelo governo de Passos Coelho? Aos porno-ricos saudados publicamente pelo Jose? Aos terratenentes banqueiros do mesmo jose?

O mais curioso é que o texto de João rodrigues fala dos elos que ligam o capital e o chega. E o caldo em que "mergulha hoje toda uma economia política neoliberal ao serviço do aumento dos poderes discricionários indissociáveis do capital e do Estado securitário".

Jose prefere falar nos 46 anos, a "caminho do socialismo". Os patriotas estavam na Pide e no mdlp e jose considerava Cavaco Silva um perigoso esquerdista

JE disse...

João pimentel ferreira fala nos extremistas do centro

RIP


Jaime Santos também tem o mesmo comportamento de jose. Atira para o lado .

Isto de falar nas ligações estreitas do capital com a extrema-direita é um assunto tabu.

(Antes de mais a pergunta impõe-se.Aquele neoliberalismo de pinochet-friedam era exactamente o quê? um neoliberalismo fofinho à espera de poder avançar para outras coisas mais radicais,quando já não conseguir vender a sabujice?)

JE disse...

Parece que JS ficou irritado de se ter trazido ao debate as palavras de Adam Smith, sobre a conspiração contra o público,quando capitalistas do mesmo ofício se reúnem para conversar.

Deve-se ter revisto nas suas afirmações contra a banca pública. Em prol dos capitalistas da área.


Para JS, depois de ele ter lido o post de JR, o problema é o remédio de JR, (de acordo com a opinião de JS, claro)

Assim deste jeito : ser-se anti-liberal

Bom, confesso que estou confuso. O problema é ser-se anti-liberal, porque JS se assume como liberal, é isso? Despiu o casaco social-democrata e assumiu o de liberal?

Mas JS diz que há uns neoliberais mais radicais que são anti-liberais. Fazem parte do problema de JS? Ser-se anti-liberal é o problema,mas JS , neoliberal após a sua rendição ( "eles ganharam", é o que anda para aí a dizer), esboça aqui um comportamento anti-neoliberal mais radical.

Logo, JS faz parte do problema de JS,como anti-neoliberal da classe radical neoliberal


O que faz um tipo para esconder o chega debaixo das asas agora da dita democracia britânica.

O ventura que até é um principiante...e toca de o benzer assim deste jeitinho tão à JS

Bora lá mudar para o Cummings

JE disse...

Que saudades tem Jose desses tempos em que as bestas da pide e da legião, sob as ordens daquele néscio de botas, permitiam condições decentes para o capitalismo funcionar.

Abortaram o fascismo em 25 de Abril de 1974. Jose ainda chora pelo aborto