segunda-feira, 11 de maio de 2020

“A crise económica é uma consequência do desinvestimento na saúde”

No Público de domingo pode ler-se uma entrevista a Mark Honigsbaum, professor e historiador de Medicina na City University of London e autor do livro The Pandemic Century, publicado no ano passado.

Vale a pena ler a entrevista pelo que nos diz sobre a forma como a organização da sociedade em que vivemos constitui a base da crise que o mundo atravessa. O desinvestimento na saúde é, para o historiador, o principal fator responsável: "Houve um desinvestimento grande nos cuidados de saúde, na preparação de médicos e de enfermeiros. Foi uma escolha feita depois da crise financeira de 2008, em que se optou por medidas violentas de austeridade."

Honigsbaum critica "os programas políticos [que] são cada vez mais pensados a curto prazo", algo que é particularmente problemático no caso do financiamento e organização dos serviços públicos - no início da pandemia, o Financial Times notou que uma década de austeridade deixou o serviço de saúde pública do Reino Unido (NHS) no "fio da navalha", com falta de camas hospitalares e menor capacidade de resposta. Mas o problema do imediatismo também se reflete no impacto que temos no planeta. “A busca pelo lucro e pela produção sem fim […] tem como consequência a destruição dos habitats naturais, que são substituídos por outras culturas.” Restam poucas dúvidas de que teremos de repensar tudo isso.

Além disso, o historiador lembra que "o mais perigoso é que já há muita gente que não confia nas vacinas, nem na ciência biomédica. E qualquer passo em falso vai dar mais força a esses movimentos." É por isso que, na sua opinião, "precisamos que os cientistas cooperem. Quando aparecer uma vacina que seja verdadeiramente eficaz, vamos ainda enfrentar um desafio maior: produzir em grande escala, garantindo que esteja disponível para a maioria da população." A escala dos desafios que atravessamos é enorme e tudo indica que a crise que se aproxima terá proporções históricas. É mesmo preciso politizar a crise: afinal, o escrutínio das opções políticas que nos trouxeram a este ponto e das alternativas possíveis é tão importante hoje como sempre foi.

16 comentários:

Lúcio Ferro disse...

Tem todo a razão, foi o neo-liberalismo, foi o ataque cerrado às "gorduras" do estado, foi a promoção da sociedade de consumo, foi o modelo hoje universal obsolescência dos produtos e foi o sacrossanto valor do individualismo, do cada um por si e os mercados por todos que nos levaram aonde chegámos. É, temos de politizar a crise, o meu receio é que isso não será possível (não com os media nas mãos do de sempre), muito provavelmente o que vai acontecer é o contrário, mais doses de austeridade, mais salva-te a ti e os outros e o planeta que se quilhem. É preciso lutar contra isso, mas como?

Mr Outubro29 disse...

Resistir é manter estruturas vivas, como associações, sindicatos etc. Manter e alimentar relações de amizade e solidariedade, nas redes sociais e na vida real. Da partilha de opiniões a renovação das ideias e dos meios de resistência vão surgir.

Anónimo disse...

A vacina não será desenvolvida pelas grandes farmaceuticas pela simples razão de que não compensa.
Mesmo que seja extraordinária cara, o periodo de tempo em que será vendável será muito curto.
Com mais ou menos mortes, a pandemia acabará por passar e a vacina deixará de se vender.
Os estados poderiam - COMO JÁ FIZERAM NO PASSADO - substituir-se às "big-pharma" e construir organismos que desenvolvessem novos medicamentos que não lhes interessam (como o desenvolvimento de novos antibióticos, que é mais importante que a vacina).
Mas isso seria quebrar um dos 10 MANDAMENTOS DA RELIGIÃO "NEOLIBERALISMO": OS ESTADOS NÃO FAZEM CONCORRÊNCIA AOS PRIVADOS!
E aqui chegamos à "PARÓDIA DE ESTADO" chamado UE.
Todos os semestres essa aberracão chamada comissão manda CORTAR CAMAS NOS HOSPITAIS PÚBLICOS, porque os "iluminados" acham que não podem haver camas desocupadas (as pandemias não entram na esquação).
Agora que as camas são necessárias, as alminhas penadas dizem que o problema é dos governos nacionais.

nelson anjos disse...

... como? - "caminando". "El camino se hace caminando". Sem GPS. Porque o GPS levar-nos-há sempre aos caminhos já caminhados.

nelson anjos

Anónimo disse...

De facto é preciso politizar a crise. Pelo nosso futuro.E porque se tem que apontar o nome aos bois

Não ajudará um comentário anónimo de hoje às 11 e 08. Demasiadas colagens de citações avulso. Com algumas fífias

A vacina é de facto um instrumento demasiado importante. Como diz o historiador "o mais perigoso é que já há muita gente que não confia nas vacinas, nem na ciência biomédica."

O "anónimo" atira para canto e dirá " a pandemia acabará por passar e a vacina deixará de se vender"

Revela aqui o seu desejo de nos impingir a não gravidade da presente situação. Assim dum jeito a fazer-se passar por um tonto. E aos tontos não se dá crédito.É isso que o "tonto" quererá?

Jose disse...

As versões são múltiplas, mas a falta de visão política para antecipar que o morcego ia infectar o bicho que o chinês levou ao mercado, é muito alarmante!

Um sistema nacional de saúde preparado para pandemias leva-me a perguntar: há quantos anos se vêm japoneses e chineses de máscaras só porque estão constipados?
O investimento em falta é o da cidadania, não de dinheiro para cima do sistema!

Jaime Santos disse...

Não consigo ler a entrevista, está por detrás do paywall, mas parece-me um exagero de linguagem dizer que o problema foi apenas um desinvestimento em saúde. O SNS resistiu fruto de medidas de confinamento tomadas atempadamente, mau grado o desinvestimento dos últimos anos.

O Norte de Itália tem excelentes cuidados de saúde e o seus hospitais colapsaram por via da afluência de pacientes. Uma doença que requer, para que seja atingida a imunidade de grupo, de uma taxa de infectados de 60% (R0=2,5, como aparenta ter a covid-19) e tenha uma taxa de letalidade de infectados de apenas 0,1% (pode ser tão alta como 0,6%), daria origem a 36.000 mortos em Itália se se adoptasse uma estratégia de mitigação plena (coisa que os italianos não fizeram, procuraram suprimi-la, embora demasiado tarde).

Trata-se de uma combinação de desinvestimento a longo prazo, também nos sistemas públicos de planeamento de crises (de notar que Trump liquidou a task-force no NSC dedicada a pandemias) e de incompetência a curto prazo (a Itália e a Espanha foram surpreendidas por infecções demasiado cedo, e porventura baixaram a guarda porque a informação vinda da China parecia relativamente optimista, mas o RU e os EUA não têm desculpa). A colunista Nesrine Malik tem um artigo interessante no Guardian sobre isso:

https://www.theguardian.com/commentisfree/2020/may/10/anglo-american-coronavirus-crisis

É significativo que a situação seja particularmente crítica em Países governados por populistas com aversão à verdade e às más notícias, RU, EUA, Brasil e também na Rússia, aqui fruto de um Estado capturado por uma elite corrupta.

Já quando à depredação de eco-sistemas onde existem espécies que transportam potenciais agentes de infecção, plenamente de acordo.

Politizem a crise o que quiserem. Mas se as alternativas só servirem para destruir o que existe, como fizeram e fazem Johnson e Trump em particular, então lembrem-se que um dos Estados que melhor geriu a pandemia foi a odiada Alemanha. Confiar em peritos, mas deixar as decisões últimas para os políticos ainda é a melhor maneira de governar...

Anónimo disse...

"a falta de visão política para antecipar que o morcego ia infectar o bicho que o chinês levou ao mercado, é muito alarmante"

Se este jose soubesse um pouco mais, saberia que isto era um acontecimento expectável

Prefere repetir as grunhices sobre o mercado e os chineses

Anónimo disse...

A possibilidade da ocorrência de pandemias era quase certa. Com argumentos científicos e validados

Os Serviços de Saúde têm que estar preparados para Pandemias, Não bastam as idiotices de apresentar chineses e japoneses com máscara como prova de não reforçar o SNS

Isso era o que queria este tipo

O capitalismo mostrou que de facto não presta. E que não funciona

Mais. Provou a qualidade dos seus propagandistas e serventuários. As atoardas enraivecidas contra o SNS e contra os serviços públicos. A promoção dos interesses privados. Com os resultados que estão à vista de todos

Anónimo disse...

O investimento em causa é no reforço do SNS.

E das funções públicas do Estado.

Quando ouvirmos alguém a pedir para se liquidarem estas, devemos saber que o que se quer é promover interesses particulares, quantas vezes sórdidos. À custa das populações e dos que trabalham

E não utilizar dinheiros públicos para cobrir mais desfalques e patifarias da banca, dos banqueiros e dos seus corruptos partenaires


Reforço da cidadania passa pelo reforço das funções do Estado.Passa pelo combate sem tréguas ao racismo e à xenofobia.Passa pela liquidação das rendas de parasitas. Passa pelo fim dos offshores

Passa pela exigência de uma vida digna para as populações



Anónimo disse...

Como desmontar todas as inverdades,as omissões, as manipulações de Jaime Santos?

Logo no inicio:
" parece-me um exagero de linguagem dizer que o problema foi apenas um desinvestimento em saúde"

Apenas?
Quem terá dito tal?

Reponhamos a verdade:

"desinvestimento na saúde é, para o historiador, o principal fator responsável: "Houve um desinvestimento grande nos cuidados de saúde, na preparação de médicos e de enfermeiros. Foi uma escolha feita depois da crise financeira de 2008, em que se optou por medidas violentas de austeridade."

Anónimo disse...

As afirmações de JS sobre a taxa de letalidade são afirmações à JS.

Carecem de comprovação. Ou papagueiam uma qualquer fonte de informação lida à última hora.Não é possível com exactidão saber a taxa de letalidade no presente momento da Pandemia

(Depois poder-se-á explicar o que é a taxa de letalidade dos casos e a taxa de letalidade dos infectados. E os problemas à volta destas questões)

Anónimo disse...

As afirmações de JS sobre a situação particularmente grave nos países governados por "populistas" leva-nos a pensar que JS tem dificuldades em contar mais de 4. E que confunde as coisas, mostrando que a mente de JS foi capturada por um qualquer vírus neoliberal

Depois dos Estados Unidos, Reino Unido, Itália, a Espanha e a França. Os campeões da mortandade

Cinco países capitalistas. Cinco países em que ocorrem precisamente aquelas situações descritas no artigo. Cinco países neoliberais, trÊs deles tanto do agrado de JS que ele até mendiga pelas algemas deles

Ainda um país governado por um demente. Outro governado por um fascista, cujo ex-ministro da justiça foi recebido por um governante português, em Portugal.

Anónimo disse...

A propósito de Itália e indo ao encontro do dito no post:

El área de Italia más devastada por la Covid-19 es un gran polo industrial. No se declaró nunca zona roja debido a las presiones de los empresarios. El coste en vidas humanas ha sido catastrófico
«(…)¿Por qué no se hizo lo mismo en Val Seriana? Porque en este valle del río Serio se concentra uno de los polos industriales más importantes de Italia, y la patronal industrial presionó a todas las instituciones para evitar cerrar susfábricas y perder dinero. Y así, por increíble que parezca, la zona con más muertos por coronavirus por habitante de Italia –y de Europa– nunca ha sido declarada zona roja, a pesar del estupor de los alcaldes que lo reclamaban, y de los ciudadanos, que ahora exigen responsabilidades. Los médicos de cabecera de la Val Seriana son los primeros en hablar claro: si se hubiera declarado zona roja, como aconsejaban todos los expertos, se habrían salvado centenares de personas, aseguran, impotentes.
La historia es aún más turbia: quienes tienen intereses en mantener las fábricas abiertas son, en algunos casos, los mismos que tienen intereses en las clínicas privadas. La Lombardía es la región italiana que más representa el modelo de mercantilización de la sanidad y ha sido víctima de un sistema corrupto a gran escala liderado por el que fue su gobernador durante 18 años (del 1995 al 2013), Roberto Formigoni, miembro destacado de Comunión y Liberación (CyL). Era del partido de Berlusconi, quien le definía como “gobernador vitalicio de la Lombardía”, pero contó siempre con el apoyo de la Liga, que gobierna la región desde que Formigoni se fue, acusado –y luego condenado– por corrupción en la sanidad. Su sucesor, Roberto Maroni, inició en 2017 una reforma de la sanidad que recortó aún más las inversiones en la pública y que prácticamente ha abolido la figura del médico de familia, sustituyéndolo por la del “gestor”. “Es verdad, en los próximos 5 años desaparecerán 45.000 médicos de cabecera, pero ¿quién va todavía al médico de cabecera?”, dijo impertérrito en agosto del año pasado el político de la Liga Giancarlo Giorgetti, entonces vicesecretario de Estado del Gobierno Conte-Salvini.

https://otempodascerejas2.blogspot.com/2020/04/a-proposito-de-qualquer-coisa.html

Mais aqui:
https://ctxt.es/es/20200401/Politica/31884/Alba-Sidera-Italia-coronavirus-lombardia-patronal-economia-muertes.htm

José Monteiro disse...

Pois
«Tudo é suposto progredir e no entanto as instituições mostram-se incapazes
das mais simples tarefas. Assim, na Grã-Bretanha temos o Serviço Nacional de Saúde
no qual o número de administradores aumentou à medida que o número de camasdiminuiu. Aparentemente incapaz de tarefas básicas como manter as enfermarias limpas…preocupando-se
apenas com os números que passam pelo sistema.
Na vida pública um escândalo de qualquer género – quer se descubra
que alguém é corrupto, traiçoeiro ou simplesmente incompetente – já não
leva à demissão se existir alguma hipótese de uma negação descarada
e/ou desculpa serem suficientes.
O FIM DO IMPÉRIO ROMANO
Adrian Golsworthy
Londres 2009
Esfera dos livros, 2010

Anónimo disse...

Pois J Monteiro

Mas a questão não é propriamente a vergonha ou falta dela dos trafulhas neoliberais.

Vai mais além.

É mesmo preciso politizar a crise: afinal, o escrutínio das opções políticas que nos trouxeram a este ponto e das alternativas possíveis é tão importante hoje como sempre foi.