Em Janeiro deste ano, o FMI previa um crescimento de 3% para a economia mundial; prevê-se agora que teremos antes uma contração de 3% do PIB global, bastante maior do que a registada na crise financeira de 2007-08. A recessão histórica que se avizinha e o aumento do desemprego – a OIT estima que se possam perder 200 milhões de postos de trabalho com a crise – fizeram aumentar o receio de que a desigualdade, em crescimento quase ininterrupto nas últimas décadas, se revelasse na distribuição dos custos.
Os dados disponíveis trataram de o confirmar: com o desemprego a disparar para níveis históricos, este atingiu particularmente os trabalhadores de rendimentos mais baixos, as mulheres e as minorias étnicas, bem como as pessoas com deficiência. Nos EUA, houve mais de 20 milhões de desempregados em Abril, sendo que se estima que 12,7 milhões de pessoas tenham perdido o acesso ao seguro de saúde (que era fornecido pelo empregador). Além disso, há ainda diferenças vincadas entre os países que dispõem de recursos para fazer face à crise e os que se veem numa situação bem mais complicada. A pandemia deixou claras as desigualdades existentes. Também contribuirá para as aumentar?
Foi a isso que procuraram dar resposta Davide Furceri, Prakash Loungani e Jonathan Ostry, três economistas do departamento de estudos do FMI. Os economistas analisaram o impacto que as últimas pandemias mundiais tiveram na evolução da desigualdade, tendo por amostra as últimas cinco epidemias que afetaram vários países – SARS (2003), H1N1 (2009), MERS (2012), Ebola (2014) e Zika (2016). Olhando para o impacto de cada um destes surtos nos cinco anos que se seguiram, o estudo indica que o índice de GINI aumenta em média 1,5%, o que, como notam os autores, é um impacto “grande, tendo em conta que este indicador normalmente move-se lentamente ao longo do tempo”. Os autores concluem também que a diferença entre a fração do rendimento que é canalizada para os 20% mais ricos e os 20% mais pobres cresce cerca de 2,5 pontos percentuais após as crises de saúde pública.
A explicação para o aumento da desigualdade, mesmo quando existem esforços redistributivos dos governos, é simples: as pessoas com menos rendimentos e menor nível de escolaridade têm maior probabilidade de perder o emprego durante a pandemia e maior dificuldade em recuperá-lo depois. As habilitações escolares são um dos fatores decisivos – se, para pessoas com escolaridade alta, a pandemia tem pouco impacto no emprego, para as pessoas com escolaridade baixa, esta traduz-se numa queda do emprego de mais de 5% ao fim de cinco anos. A quebra de rendimento contribui, por sua vez, para acentuar pressão recessiva nos países afetados.
As conclusões são semelhantes às de outros estudos sobre o assunto: o britânico Institute for Fiscal Studies já notara o papel da pandemia na diminuição do acesso a serviços de saúde pelas pessoas com menos rendimento, ao passo que no norte-americano Levy Economics Institute se estudou o aumento das desigualdades de rendimento, de género e raciais como consequência da crise de saúde pública, por serem grupos mais expostos a doenças e concentrados em setores de atividade mais afetados.
Todos apontam no mesmo sentido: as epidemias e as crises que estas provocam acentuam as desigualdades. Não por acaso, os autores do estudo do FMI recomendam aos países que apostem na “expansão dos sistemas de assistência social”, na criação de “programas públicos de emprego para aumentar a oferta de oportunidades” e na “implementação de medidas fiscais progressivas”. Por outras palavras, a capacidade de resposta à crise depende de um Estado Social robusto, capaz de organizar e redistribuir os recursos disponíveis e planear a recuperação. Há coisas que não mudam.
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7 comentários:
«…a desigualdade, em crescimento quase ininterrupto nas últimas décadas, se revelasse na distribuição dos custos»
As análises da desigualdade sempre se interrogam, com ares de matéria de mistério, sobre acontecimentos óbvios:
- Quem não consome o seu rendimento enriquece.
- Quem tem por rendimento o seu emprego e o perde, empobrece.
Coincide com esta afanosa investigação que cuidar da diminuição da pobreza raramente os ocupa.
E sempre ficam perplexos quando confrontados com o confisco de rendimentos e tudo o que daí derivaria…
E então não se menciona o facto do Estado(s) estar a ser utilizado pela classe dominante de forma a garantir ainda mais colossais transferências de riqueza da base para o topo?
Diminuição de rendimentos da classe trabalhadora e pequeno negócio + Estado a criar dinheiro do nada para garantir a continuação do poder do Grande Capital = sociedade grotescamente desigual.
Mas continuemos impávidos e serenos, seguramente "eles" (classe dominante) sabem o que estão a fazer, se sabem!!
A conversa que não leva a lado a nenhum...a desigualdade aumenta sempre e isto é que é absolutamente perverso, o sistema tem de ser rompido, uma parte da esquerda parece não querer perceber isto.
Resposta do Chefe Seattle, em 1855, à proposta do governo dos EUA para compra das terras ancestrais da tribo:
"(...) não compreendemos como será no dia em que o último búfalo for dizimado (...). O fim do viver e o início do sobreviver.".
O coro político-mediático tenta convencer-nos que o Ocidente era "um caso de sucesso" e continuaria a sê-lo não fosse a maldita peste do Covid19 vir estragar o autêntico paraíso que eram a UE, os EUA e o Reino Unido e seus rebentos coloniais (Canadá, Nova Zelândia e Austrália).O que esse coro não canta nem cantará é o facto de a situação político-económica-social desses autênticos oásis ser, antes mesmo do golpe final do coronavirus, uma autêntica desgraça: da pauperização das classes médias, ao esconder do número real dos desempregados, da efectiva estagnação do crescimento económico ao imperialismo belicista gerador do caos em países alheios (com o seu consequente dilúvio de refugiados que neles se origina), da desindustrialização à patranha da "economia verde" fomentada pelos grupos económicos do costume que pretendem meter o pouco dinheiro sobrante do Estado social no seu bolso sem fundo, do crescendo do fascismo (do antigo e tradicional e do novíssimo e muito verde eco-fascismo) ao coma financeiro tecnocrático/burocrático da UE, os sinais aí estavam para quem os quisesse ver.
Foi só a pandemia fazer os primeiros milhares de mortos que a imensa incompetência da classe política transatlântica mostrou a sua verdadeira dimensão no completo ruir das nossas vidas.
Se a pandemia vai aumentar as desigualdades? Pergunta perfeitamente desnecessária face a uma outra tristemente mais pragmática: se quem trabalhava por um salário mínimo trabalhando era pobre, o que comerão, agora que está desempregado, os seus filhos? Mas as filas para a sopa são só na Bélgica e na Itália, não é? Aqui pelo jardim à beira-mar plantado somos peritos em tourear a fome e a nossa saudade do que não foi ainda a chamará de fartura.
Um artigo elegante e preciso de Vicente Ferreira
Que não merecia a espantosa declaração de jose que gosta de dizer destas coisas:
"Quem não consome o seu rendimento enriquece".
Considerar como consumir o rendimento quem vive em condições mínimas, é algo que ofende não só quem está nessa condição, como também a inteligência alheia. De historietas da treta sobre a "formiga e a cigarra" já tivémos a nossa dose e Passos Coelho e a sua governação criminoso-austeritária ainda está bem fresca na memória de todos.
Mas pedia-se a jose que fizesse um esforço de compreensão ou de honestidade, lendo o referido artigo até ao fim
Queixa-se que não se cuida da "diminuição da pobreza"
Não?
Mas estão lá algumas pistas:
"os autores do estudo do FMI recomendam aos países que apostem na “expansão dos sistemas de assistência social”, na criação de “programas públicos de emprego para aumentar a oferta de oportunidades” e na “implementação de medidas fiscais progressivas”. Por outras palavras, a capacidade de resposta à crise depende de um Estado Social robusto, capaz de organizar e redistribuir os recursos disponíveis e planear a recuperação. Há coisas que não mudam."
Há coisas de que este jose foge. Como do diabo da cruz. Com os olhos vendados e os ouvidos tapados
"Quem não consome o seu rendimento enriquece"? Ora não querem lá ver que o cavalo do inglês agora virou economista de referência? O bicho estava quase, quase a ficar rico com a sua espantosa poupança de palha, quando... morreu. Mas onde o bom do cavalinho soçobrou, estou eu certo de que o bom do português, dada a sua proverbial capacidade de manter a teimosa rota, há-de triunfar! Por isso, meus caros concidadãos, mãos à obra e nem mais um cêntimo gasto em luxos inúteis como alimentação, electricidade, água, habitação, educação, saúde, habitação e combustível para o pópó.
Ah, catano, que ainda havemos de tornar-nos num país de Bill Gates!!!
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