terça-feira, 11 de setembro de 2018

Para quê e para quem?


Até à crise de 2008, demasiados jornalistas, sobretudo no topo, funcionaram como uma claque do capital financeiro, em especial dos grandes bancos. Os economistas convencionais, armados com a extraordinária hipótese dos mercados financeiros eficientes, eram os chefes da claque, claro. Depois de um período de alguma desorientação, em 2008-2009, passaram a claque da transferência dos custos sociais da crise para os de baixo, os que teriam vivido acima das suas possibilidades, através da austeridade.

No actual contexto, funcionam de novo como a claque da financeirização, depois da restauração política dos seus actores, centrada, uma vez mais, numa bolha imobiliária, onde a componente rentista e especulativa assume grande importância, ou não estivéssemos a falar de terrenos bem localizados e de ganhos de curto-prazo que caem do céu, sem qualquer trabalho. 

Entretanto, os jornais conheceram um enorme declínio, o que os tornou ainda mais vulneráveis aos grandes interesses. Para tornar esta conversa concreta, olhemos para o Público de hoje.

Perante a apresentação pela esquerda, do BE ao PCP, de propostas para refrear, também por via fiscal, os ímpetos especulativos no imobiliário, cujos contornos concretos são desconhecidos, até porque estão a ser negociadas, o Público confirma, uma vez mais, concentrando a atenção no BE, que o suplemento promocional do imobiliário da quarta-feira colonizou o resto do jornal nesta área. Na notícia, dá-se apenas voz à associação capitalista do sector e a um economista convencional, dos que conduzem a claque. A mais básica regra - partir da proposta concreta e dar também voz aos que as podem defender, confrontando argumentos - não é respeitada. Já não há referências.

Por sua vez, o editorial, da autoria do novo director Manuel Carvalho, aceita basicamente o enquadramento do CDS-PP, usando os termos deste partido: “taxa Robles”. Sem surpresa, com Manuel Carvalho, a observadorização do Público continua. Os cinco argumentos apresentados são fraquinhos.

Em primeiro lugar, Carvalho faz doutrina, dizendo que a especulação até pode ser “feia” em algumas das suas consequências, mas é legal. Até parece que o que é legal não deve ser taxado (ou “punido fiscalmente”, para usar os seus enviesados termos perante uma proposta que se desconhece). Os fiscalistas que se cuidem.

Em segundo lugar, afiança que há uma “distorção na relação entre oferta e procura”, mas que tal está desligado de comportamentos especulativos danosos (ou “comportamento empresarial”, para usar os termos de quem não sabe distinguir empresa produtiva e casino da especulação). Claro que está ligado. Há actores, grandes fundos imobiliários, entre outros, e comportamentos especulativos prevalecentes que contribuem, entre outros factores, para gerar custos sociais reconhecidos, neste caso a falta de casas a preços acessíveis.

Em terceiro lugar, Carvalho, insiste na ideia reaccionária de que isto é um plano inclinado para acabar com o lucro, não sendo, uma vez mais, capaz de o distinguir da renda e do ganho especulativo, que devem ser especialmente taxados.

Em quarto lugar, declara basicamente não saber o que é a especulação. O grande economista keynesiano Nicholas Kaldor, definiu, no final da década de 30, este comportamento, em linha com as tendências regulatórias e fiscais, que haveriam de estabilizar o sistema durante várias décadas, reprimindo a finança dita de mercado: “compra (ou venda) de um bem, com vista à sua revenda (ou recompra), tendo por único motivo a expectativa de mudança nos preços relevantes relativamente ao preço em vigor, excluindo qualquer uso, transformação ou transferência entre mercados do bem em causa”. Acrescentaria também a associação deste comportamento a um horizonte de curto-prazo. Obviamente, esta definição genérica só pode ganhar vida fiscal através de convenções, que implicam, como em tudo nesta área, limiares, valores, taxas, prazos, etc.

Em quinto lugar, Carvalho regressa à ficção institucionalmente ignorante e historicamente desmemoriada do mercado livre, dez anos depois do início crise, esquecendo que todo o mercado é instituído pelos poderes públicos e que a questão é sempre, nesta área de economia política, saber quem é empoderado e quem é vulnerabilizado pelas regras em vigor, quem tem liberdade e quem é que está a ela exposto. Ná área da habitação, os especuladores têm rédea solta com as regras em vigor.

Enfim, é caso para perguntar: estes jornais para quê e para quem?

13 comentários:

Jose disse...

Houve um tempo em que falava Medina Carreira para grande desprazer da esquerdalhada - um pessimista do pior, diziam.

Agora,
Se o imobiliário é barato para estrangeiro, e querem cá comprar, devemos vender abaixo do preço possível?
Se as rendas pagas por estrangeiros e portugas bem-de-vida, justificam investimentos por valores que se dizem excessivos, deve vender-se mais barato?
Se os juros nos depósitos são uma merda, espanta que a poupança acorra a comprar coisa duradoura, aumentando ainda mais a procura?

E pelo meio há especuladores? Quem são? Gente que compra para vender, tal e qual como o tipo que vende fruta. E lucros e mais valias são mais facilmente tributadas em imóveis do que na fruta.

De que se dói a esquerdalhada? De ter um Estado incapaz de investir em habitação social por derreter tudo e mais algum a 'distribuir rendimentos'!
Que querem fazer? Sacar mais algum a quem pareça estar a acrescer proveitos.


PedroT disse...

Os argumentos utilizados pelo Manuel Carvalho conseguem neste caso ser ainda mais fracos e inconsistentes do que é seu apanágio. Geralmente tem de recorrer a alguma forma de apelo ao "bom senso" ou à suposta virtude de estar ao centro, que no caso do novo editor do Público se converte quase sempre, curiosamente, na defesa de um liberalismo económico mais ou menos simplista. E quando não consegue revestir a argumentação com trunfos de base ideológica mais consistente (como é o caso neste texto em que pela linguagem não se percebe se o Carvalho quer, ou não quer, defender o lucro), é levado a produzir argumentos risíveis. A tese de que o que é legal não pode ser taxado é especialmente confrangedora.

A observadorização do Público continua a bom ritmo.

Anónimo disse...

Muito bom post

A denúncia dos pressprostituídos fica sempre aquém do que estes merecem. Mas este desnudar de Manuel Carvalho, da sua afinidade ideológica com o PP, da sua irmandade com o Observador, da sua paupérrima prestação como ideólogo da financeirização, é muito bem vindo

Repare-se tão só que este carvalho é o director do Público, um jornal que , com algumas, poucas, excepções, é um coio do neoliberalismo mais retinto. Mas se do ponto de vista da sua linha editorial já nada surpreende, a mediocridade do bicho é assustadora

Geringonço disse...

"Enfim, é caso para perguntar: estes jornais para quê e para quem? "

Para o próprio Manuel Carvalho mas, especialmente, para quem o paga...

Anónimo disse...

Brilhante este seu texto.

Anónimo disse...

Excelente post.

O Público na melhor promoção dos especuladores, o CDS como é sabido sempre na defesa de qualquer negociata, especulativa que seja, e o Marcelo afectuosamente assessorado pela inteligência da especulação.

Quando a próxima bolha rebentar e espalhar trampa a atingir os mesmos do costume lá veremos este Carvalho com o mesmo descaramento a defender a socialização dos prejuízos dos DDTs.

Gonçalo Avelãs Nunes disse...

Cabe apenas aqui lembra que dentro dos instrumentos tributários ao dispor do nosso legislado sempre existiu e já foi várias vezes implementado a figura dos impostos/contribuições de melhoria ou as contribuições especiais por maior por mais despesas, ex. expo 98 e outros

Portanto denro desta lógica e dentro da CRP e da LGT tal hipótese é perfeitamente equacionável
como um dos intrumentos se calhar haverá outros mais eficientes e melhores para minimizar o problema de especulação imobiliária

Anónimo disse...

José e o paleio

Já percebemos que a área lhe desperta a cobiça própria dos especuladores imobiliários.
A quantidade de bojardas por linha significa apenas que ele está a "trabalhar" no "meio"

Anónimo disse...

Essa de viver das rendas e da especulação imobiliária dá nisto. Numa deriva irracional tentando vender gato por lebre.

Misturada com a "merda" e com o sacar. E até com o medina carreira.

Se o imobiliário do jose ou a sua família ou o próprio jose são baratos para estrangeiro, e querem cá comprar, ele deve vender abaixo do preço possível?

Anónimo disse...

Mas a coisa continua no reino da comicidade.

"E pelo meio há especuladores? Quem são? Gente que compra para vender, tal e qual como o tipo que vende fruta. E lucros e mais valias são mais facilmente tributadas em imóveis do que na fruta"

Ah. esta pieguice para com os especuladores imobiliários. Auto-pieguice seria mais correcto dizer

E este comparar entre um especulador imobiliário e um vendedor de fruta. Para o primeiro uma lagrimazita solidária, para o segundo aquele rancor de classe possidente e abjecta

Unknown disse...


Adoro o José , dá aquele toque kitsch ao blog.

Jose disse...

Fui ver:
'Alguns autores entendem o kitsch como uma atitude e um espírito geral de complacência e supressão do senso crítico...»
Senti-me entre a complacência e os limites impostos pelos editores!

Anónimo disse...

Estes sentimentos do jose não são tão queridos.

Repara-se até numa nota de auto-comiseração pelo próprio. Talvez num dos seus próximos posts tenhamos direito a um brinde auto-biográfico sobre o"coitadinho" que foi e que é.

Com a lagrimazita a condizer