sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Carta aberta a Helena Matos


Senhora investigadora, a sua recente entrevista a este jornal ultrapassou os limites da decência ("Os jovens podem chegar à reforma numa pobreza que já não devia existir", 1 de Fevereiro).

Não preciso de ler o seu livro porque me basta o que ouvi e li na comunicação social para perceber a mensagem. O seu objectivo está à vista: angariar apoio político para o desmantelamento do actual sistema de segurança social a fim de o substituir por um modelo que alimentará os fundos de pensões. O título do seu livro - "Este país não é para jovens" - diz o essencial: os mais velhos, os bem instalados na vida (os da "conspiração grisalha"), não querem saber do futuro dos seus jovens. Como se não bastasse a promoção da inveja entre gerações, há na sua entrevista um lamento pela passividade dos jovens ("Há-de acontecer tudo daqui a muito tempo"), que mais adiante é substituído por um apelo subtil à revolta: "Os nossos jovens terão de ter uma voz", porque depois será tarde e "já não poderão fazer guerras com quem não está cá". Promovendo um conflito entre avós, pais e netos, o seu discurso baixou a um nível repugnante.

Depois, o que diz sobre o Estado, a demografia e a segurança social é pura ideologia. A Helena Matos diz que o Estado tomou conta das pessoas e as desresponsabilizou. Pois eu digo-lhe que um Estado social forte, administrado em função do interesse público, é um Estado que garante a provisão de serviços sociais de qualidade e protege os cidadãos de diversos riscos sociais. Liberta-os da insegurança económica, do receio de não terem recursos para enfrentar esses riscos. É verdade, a sociedade portuguesa continua a ser uma das sociedades europeias mais desiguais na repartição do rendimento. Seria intelectualmente honesta se tivesse assumido que a desigualdade é fruto das políticas neoliberais que defende, em vez de a imputar ao Estado social. Ao menos diga abertamente que defende um Estado mínimo.

Sobre demografia e pensões, a sua entrevista é uma tentativa manhosa de fazer crer que não há alternativa ao modelo de segurança social que prefere. Evidentemente, tem o direito de preferir as contas virtuais da Suécia e da Itália, as tais "contas imaginárias" que refere. Porém, não insinue que essa é a única via que resta aos jovens para virem a ter alguma pensão. Aliás, esse modelo tem sido muito contestado, pois paga pensões baixíssimas e empurra os que conseguem poupar para os braços da finança, com as consequências nefastas que se conhecem melhor depois de 2008. Por iniciativa dos sociais-democratas, agora arrependidos, esse modelo será questionado nas eleições deste ano na Suécia.

Helena Matos, com a sua mais que duvidosa sociologia, evidentemente não podia deixar de dizer que o Tribunal Constitucional está muito condicionado pela mentalidade de funcionários públicos dos juízes. Conversa de baixo nível. Já sobre o desemprego nada diz. Porém, tenho de lhe lembrar que foi o baixo crescimento da economia portuguesa desde que aderimos ao euro, agravado pela actual política de austeridade, que produziu um nível de desemprego que tornará insustentável a segurança social. Apesar de não ter lugar no seu discurso, afinal é a moeda única, com tudo o que implica, que está a comprometer o futuro dos nossos jovens. Não são os seus pais e avós, nem o nosso modesto Estado social.

Helena Matos, far-lhe-ia bem não ter tantas certezas e começar a ler alguma literatura séria. A si, e a todos os que nos lêem, recomendo Alan Walker (2012), The NewAgeism, The Political Quarterly, 83(4). Ajuda a perceber de onde vêm as suas ideias e quem está consigo.

Sem consideração.

(O meu artigo no jornal i)

6 comentários:

Anónimo disse...

Faço minhas as palavras da carta aberta a Helena Matos.
Essa fulana é de facto de uma grande baixeza.
Quando tenho o azar de a ver na TV e logo que posso a primeira coisa que faço é mudar de canal.
É demais ver tanto convencimento, tanta tolice numa só pessoa e ainda por cima sempre com ar muito "doutoral".
Tenha dó menina.!

meirelesportuense disse...

Na verdade se não fossem os pais e avós de muitos dos jovens, em que tipo de dificuldades estariam eles hoje envolvidos?
Não quero pensar nisso porque sei o que foram os meus anos de infância e juventude e com o que me confrontei na altura.
Não morri é certo, mas não o quero para os meus filhos, assim como não o desejo para ninguém...
As pessoas que falam e pensam de forma diferente desta, não viveram nada, nem sentiram nada do que viveu a maioria de uma geração como a minha.

Maria Coelho disse...

Obrigada, Jorge, por confrontar os pseudo-pensadores, sem cultura nem ética, do nosso país - e são tantos!

Anónimo disse...

Enquanto não forem varridos da cena política o grupo que faz e apoia este governo, muita(o)s "helena matos", vão surgir.
Quando chegar a hora de serem varridos, esta menina e outros desaparecem nos média.
É por causa destes biltres que eu e outros (velhos como eu)vamos deitando a mão aos filhos e outros com o que nos sobra do que nos roubam.
Funcionário público reformado.

Alexandre de Castro disse...

Esta esquizofrénica manobra de promover uma guerra geracional entre novos e velhos, para justificar a desvalorização abrupta das pensões atuais não aparece de maneira avulsa e isolada, nem resulta de iniciativas individuais. Faz parte de um plano, devidamente estudado e estruturado, de uma qualquer secreta agência do imperialismo, e que está a ser testada em Portugal, para depois poder ser aplicada, com mais segurança, noutros países do sistema, mais evoluídos.
O objetivo é acabar com o Estado Social na Europa, a fim de nivelar o perfil social e económico dos seus vários países pela matriz neoliberal dos EUA.
Os três pilares do Estado Social (Saúde, Educação e Segurança Social), que têm um grande peso no PIB, estão na mira dos grandes grupos económicos, pela grande rentabilidade que a sua exploração poderá representar.
Esta guerra geracional, que se tenta promover, faz parte de uma outra guerra, que vem a caminho, uma gigantesca e violenta guerra contra o Estado Social.

brancaleone disse...

A guerra contra o Estado Social começou desde a introdução do €.
Deixou aqui a tradução de umas frases de um artigo de um dos "fundadores" da moeda unica, Tommaso Padoa Schioppa, pedindo desde já desculpa pelo meu portugues(!)
O artigo original de 2003 é este:
http://archiviostorico.corriere.it/2003/agosto/26/BERLINO_PARIGI_RITORNO_ALLA_REALTA_co_0_030826002.shtml
As palavras, assustadoras, deste "cabrão", ministro da economia de um governo de "esquerda" são as seguintes:
"Na Europa continental, um programa completo de reformas estruturais deve abranger a área das pensões, da saude, do mercado de trabalho, da escola etc.
Mas deve ser guiado por um único princípio: atenuar aquele diafragma de proteções que durante o seculo XX afastaram gradualmente o individuo do contato direto com a dureza da vida, com os reveses da fortuna, com a pena ou prêmio para os seus defeitos ou qualidades."

A União Europeia é a realização do sonho dos "netinhos do von Hayek". Um espaço juridico e economico em que os Estados e as suas Constituições são desmantelados todos os dias atraves de um principio muito simples: abdicar da soberania monetaria (e não só) e manter a contabilidade nacional.
A Portugal e Grecia calhou um governo de direita. Na Italia e na França as "esquerdas" neoliberais estão a seguir o mesmo caminho, que será o mesmo do PS portugues e do Siryza grego depois das proximas eleições. O Seguro confirmou a sua posição €uropeista, O Tsipras, ontem, na Italia foi defender o €(!!!)
O sonho dos liberais continua bem firme com os traidores das esquerdas que agora andam a vender a ideia que a Europa pode mudar, que vai tornar-se uma União ferederal (em que a Alemanha vai aceitar transferir -calculos do J.Sapir- 10% do seu PIB aos paises com defice da balança comercial!), sabendo muitissimo bem que se isso acontecesse os credores nordicos seriam os primeiros a sair!
Deve ser neste espirito de mudança (como era a historia que a UE iria mudar depois das eleições na Alemanha) que o Bundesbank "aconselhou" outro dia aos paises em dificuldade um imposto patrimonial extraordinario...

Os "Tsipras", os "Hollande", os "Letta", os "Seguro", vão continuar a vender os direitos consitucionais dos seus paises por uns trocos.

Mas já sabemos, o importante, o essencial, agora, são os direitos das minorias, dos gays, os casamentos e as coadopções.
Os direitos a trabalho, saude, educação, reforma, implicam despesa publica, e todos sabemos que o Estado é o inimigo a abater...
De resto graças ao € uma gigantesca crise de divida privada, de fracasso do Mercado, tornou-se "magicamente" numa crise ainda maior de divida pública.
Boa €uropa a todos os €uropeistas, felizes emprestadores de ultima instancia...