Diz Pedro Santos Guerreiro: “Que a triste decisão de Cristina Kirchner sirva de exemplo extremo numa Europa nervótica e com instintos proteccionistas.” Trata-se de uma decisão que apenas é triste para os que ainda andam contentes com a oportunidade que lhes é oferecida pela troika para privatizarem tudo o que puderem, ao mesmo tempo que, de forma hipócrita, se queixam da captura privada de rendas em sectores feitos para as gerar. São os que idolatram a ficção dos “mercados livres”, os que repetem a mesma lengalenga sobre o comércio livre, esquecendo tudo o que se sabe sobre o comércio livre como o proteccionismo dos mais fortes, os que definem as políticas públicas em função de forças de mercado “esquizofrénicas”, para recuperar a expressão usada pelo FMI.
De resto, acompanho Guerreiro: que a decisão argentina de renacionalizar, o prefixo re é relevante, a YPF sirva de exemplo, pelo menos nas periferias europeias, já que é uma decisão alinhada com as tendências regionais e internacionais de incremento do controlo público das empresas que exploram recursos estratégicos para a vida económica de um país, deixando a Argentina de ser excepção no campo petrolífero. Uma decisão também consistente, como sublinha Weisbrot, com o notável percurso argentino depois da ruptura, há dez anos, com as desastrosas políticas neoliberais que agora estão sendo replicadas na periferia europeia.
Aqui é preciso começar por notar que ¾ da quebra económica argentina, num total de mais de 20% de quebra do PIB, ocorreram antes da ruptura, simbolizada pelo incumprimento da dívida, com as políticas neoliberais. Na altura os Financial Times e as The Economist, diziam que ia ser um desastre. Foi o que se viu…
Só superando a arrogância desinformada de que Guerreiro dá mostras ao longo de todo artigo – de “a Argentina está a sair de uma intervenção traumática do FMI, iniciada em 2001, quando um país rico ficou subitamente pobre” a um notável conceito de bolha salarial no Brasil sem respeito pelos dados - é que podemos aprender com quem encetou um caminho que, no caso argentino passou pelo incumprimento, pela desvalorização cambial e por uma política de recuperação do mercado interno, ainda mais importante do que a recuperação do mercado externo, e onde as políticas sociais desempenharam um papel relevante. Um caminho que reverteu parcialmente decisões desastrosas como a da privatização da segurança social e que pouco a pouco está reconstruindo as bases de um Estado estratego que tem de ter algum controlo sobre os fluxos económicos e assegurar investimentos (coisa que a Repsol não estava inclinada a fazer...).
Reconstruir as bases materiais mínimas da soberania democrática tem riscos? Claro que sim. Mas a política da troika apoiada por Guerreiro só nos dá certezas: depressão e saque. Como nos diz Larry Elliot, editor de Economia do The Guardian: “A não ser que os dirigentes politicos na Europa consigam oferecer aos seus cidadãos algo mais mobilizador do que a austeridade permanente, um passeio pela avenida Buenos Aires tornar-se-á cada vez mais atraente.”
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5 comentários:
Pedro Guerreiro não gostou da decisão de Cristina Kirchner, achou-a demasiado proteccionista…O “ideal” seria a Argentina continuar a importar milhares de milhões de dólares de combustível, apesar da riqueza natural aí existente. E da mesma continuar a ser explorada e gerida, a seu bel-prazer, pela Repsol.
Será que a coberto da globalização se esconde o neocolonialismo? E o interesse nacional, será que deixava de existir por decreto, assim de repente?
Além da decisão de pôr 51% da empresa na posse do Estado, gostei da sua declaração: “sou chefe de Estado, não sou uma vendedora de legumes”. Só bons exemplos.
Por estas e por outras é que não percebo (ou melhor, percebo) a razão por que houve tanto empenho em enxotar o Estado português para fora dos sectores estratégicos da energia e da água (esta, que está na calha). Já nem falando das injustificáveis rendas…que nos estão a prejudicar, e que nos vão doer a todos, a propósito não se sabe bem de quê.
Eu acho que devíamos nacionalizar já a EDP, a REN e a Galp. Isso é que era de homem.
Gostava de ver esse gráfico em euros ou USD ou a preços constantes. O PIB pc argentino é hoje inferior ao que era em 2000.
O gráfico está a preços constantes de 1993.
Vou colocar aqui um comentário, que nada tem a ver com aqueles que você defende, sim defende ..... porque a Repsol tem uma grande responsabilidade em muitos factos que você desconhece porque não é argentino e nem compreenderia o que vai acontecendo naquele PAÍS em vez do que acontece no seu: uma economia em fase descrescente, uma população em profunda depressão seguindo o caminho da Grécia (só não vê quem não quer!) a mando do FMI e dos seus lambe-botas e você parece-me, maioritariamente, um deles. O que você recebe do artigo que escreveu não sei, mas não deve ser pouco!
A minha PRESIDENTE é uma mulher de fibra, não é a Maria de Belém ou outra da praça portuguesa, que falam mas não dizem rigorosamente nada, além de nada fazerem como convém! Como disse aqui um anónimo gostei e aplaudo a sua declaração: “sou chefe de Estado, não sou uma vendedora de legumes”. Isto para mim diz tudo, não é preciso mais!!! toda a sua informação está muito degradé porque o gráfico e os dados já eram ... mas para se falar por falar, qualquer coisa serve!
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