Estavam três grande livros à espera na Almedina do Estádio, em Coimbra, acabados de sair: servem para pensarmos historicamente os desafios políticos que estão para trás e para a frente. Tendo-os já lido em inglês, as traduções parecem competentes, ou não fossem editados por chancelas que dão garantias nesta área. Li o livro de Clara Mattei recentemente e referi-o em crónica no 74. Deixo por aqui o excerto:
Razão tinham os que empunharam cartazes nas manifestações do 25 de Abril onde se podia ler: “um olho no liberal, outro no fascista”. Esta relação entre um certo liberalismo e o fascismo tem tradição, como indica Clara Mattei, historiadora da economia política, num livro importante – The Capital Order: How Economists Invented Austerity and Paved the Way to Fascism –, saído no final do ano passado [2022 e agora editado entre nós].
De facto, ao forjarem as políticas de austeridade, no início dos anos 1920, os economistas liberais não se limitaram a criar as condições objetivas para o fascismo. Em Itália e não só, alguns foram participantes ativos na passagem do fascismo de movimento a regime e outros foram os seus mais ou menos envergonhados apologistas.
Recorrendo a ampla evidência textual, fruto de trabalho de arquivo e do engajamento com obras de economistas relevantes, Mattei indica como a austeridade foi uma reação de classe antidemocrática, movida pelo medo do empoderamento da classe trabalhadora, que requereu todo um trabalho de argumentação económica, articulado com várias formas de violência política estatal.
Ao desenvolver o seu argumento historicamente informado, Mattei fornece uma útil elaboração conceptual das três formas articuladas de que a austeridade se revestiu e reveste. Em primeiro lugar, a austeridade na política orçamental, ou seja, cortes na despesa pública associada ao bem-estar e consolidação de um Estado fiscal regressivo. Em segundo lugar, a austeridade na política monetária, ou seja, políticas deflacionárias, assentes na elevação da taxa de juro. Em terceiro lugar, a austeridade nas relações laborais, ou seja, todo o esforço regulatório para garantir a disciplina e a hierarquia nas relações laborais, para garantir direitos dos patrões e correlativas obrigações dos trabalhadores.
No Primeiro de Maio – não há coincidências em política –, o governo italiano, liderado pela extrema-direita de Giorgia Meloni, anunciou iniciativas liberais: corte nas prestações sociais e alterações regressivas na legislação laboral. Esta é a função da extrema-direita. É tudo brutalmente claro: o poder capitalista instalado quer sempre anular o poder da democracia.
1 comentário:
Antes de ser essa a função da extrema-direita, é essa a sua natureza.
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