sexta-feira, 1 de março de 2024

Climáximo, critérios mínimos


Imagem roubada a Vítor S.

O artigo, em coautoria com Manuel Afonso, foi publicado ontem no Azul (Público). Nem de propósito, Eduardo Oliveira Sousa, cabeça de lista por Santarém do PSD-CDS-PPM e putativo Ministro da Agricultura de um Governo que não existirá, fez ontem um discurso de negacionismo climático desabrido. Não, os partidos não são todos iguais, insistimos.

Climáximo, critérios mínimos

Nos dias 19 e 20 de fevereiro, o coletivo Climáximo decidiu vandalizar outdoors dos partidos políticos, colando mensagens que os responsabilizam pelo “colapso climático”.

Estas ações nada têm que ver com justiça climática e merecem o nosso repúdio.

O movimento climático não é isto. É um movimento política e socialmente diverso. É um movimento que valoriza as liberdades democráticas. É um movimento que procura construir alianças alargadas. Embora não caiba – e bem – na esfera de influência de nenhum partido político, não confunde aliados com adversários e não se revê na lógica demagógica que pretende falar pelas “pessoas” e contra os “políticos”.
 
Convém assinalar que a ação em questão equipara esquerda e direita, reproduzindo uma narrativa perversa que afirma que os partidos são “todos iguais”. Além disso, esta ação ocorre num contexto de escalada de forças negacionistas de extrema-direita, alimentadas pelo capitalismo fóssil, que ameaçam os direitos e as liberdades democráticas, o que torna ainda mais perigosas as falsas equivalências e a desvalorização do processo eleitoral.

Ora, as propostas dos partidos de esquerda, ainda que sempre passíveis de melhorias e aprofundamentos, são parte da luta por uma transição energética justa. Verifica-se um consenso alargado no seio do movimento climático acerca da necessidade de investimento público em larga escala para a adaptação e mitigação, nomeadamente, em transportes públicos, na instalação de energias renováveis, numa política industrial vocacionada para a transição energética, na eficiência energética ou ainda na criação de empregos socialmente úteis e com direitos, tendo como horizonte a justiça social. 

Caso não cumpra estas condições, o corte de emissões de gases com efeito de estufa seguirá uma lógica socialmente regressiva, de austeridade verde. Se assim for, as classes populares não se mobilizarão para a transição, retirando-lhe qualquer respaldo democrático e possibilidade de vencer. As ações que aqui criticamos e os argumentos adotados para as justificar ignoram que, em diferentes graus – e, naturalmente, sujeitos à crítica inerente ao escrutínio democrático –, são os programas dos partidos à esquerda que convergem com esta visão de justiça social e climática. 

Precisamos de um movimento climático forte e independente, mas não apolítico, nem antipartidário. Esse movimento existe, ainda que deva crescer e muito. Existe e não se revê nestas ações.

Nota final: as linhas acima foram escritas na sequência das ações que visaram outdoors de partidos. Posteriormente, novas ações tiveram lugar: no debate televisivo entre os partidos com assento parlamentar e na campanha da Aliança Democrática, quando ativistas da Greve Climática Estudantil atiraram tinta a Luís Montenegro. Eventualmente, até à publicação deste texto, ações semelhantes acontecerão – aliás, a promessa dos ativistas é atingir todos os partidos. Esta ausência de critérios políticos, o pendor abstencionista que desvaloriza o processo democrático e a vertigem antipolítica surtem efeitos. 

Não obstante, esses efeitos não se traduzem num aprofundamento do debate sobre a crise climática na campanha. Pelo contrário, passam precisamente pela desvalorização desse debate. Além disso, no terreno político, a equivalência absoluta entre partidos não os atinge por igual. A direita ganha um pretexto para se vitimizar; a esquerda, tipicamente associada à causa climática, é desacreditada ou até acusada de orquestrar as ações. 

É imperativo salientar que a ação sobre Luís Montenegro foi usada como desculpa para evitar responder à polémica sobre a interrupção voluntária da gravidez, que estava a prejudicar a AD, após um dos seus candidatos ter defendido a reversão da lei do aborto. Torna-se evidente quem beneficia com estas ações. No fim, as ações do Climáximo e da Greve Climática são um pouco como a ida dos candidatos a programas da manhã: um ritual esvaziado para marcar agenda, despolitizado, a que nenhum partido escapa, mas que acaba por ser mais favorável à direita. 

3 comentários:

Anónimo disse...

Muito bem, Vera. Muito bom texto.

Anónimo disse...

Deixe-me acrescentar: um texto com as ideias muito bem arrumadas.

Anónimo disse...

Muito de acordo.
Mas permita-me um aparte: a "estratégia climáximo" poderia integrá-los na corporação dos idiotas úteis (pintar Montenegro foi um enorme favor que lhe fizeram). Mas no geral creio que se integram mais nos idiotas inúteis.
FD