Sabem aquele conceito, muito ouvido a Norte, de que naquele sítio se serve «comida honesta»? Talvez valha a pena recuperá-lo como início de conversa sobre o que pode a esquerda aprender com os resultados das eleições autárquicas de 26 de Setembro. Talvez ele seja útil para pensar o processo de aprovação do Orçamento do Estado para 2022, que vai marcar as próximas semanas, e para pensar as escolhas políticas futuras.
A «comida honesta» é simples e saborosa, tem qualidade e alimenta; diz ao que vem, faz o que sabe fazer bem e põe em primeiro lugar servir as necessidades de quem a come. Como conceito, é uma deliciosa prova de que todas as escolhas têm a montante uma dimensão moral. E, em espelho, é um nutritivo lembrete de que nem todas as escolhas são honestas, nem todas servem aqueles a quem se dirigem.
O mesmo se passa com as escolhas políticas. A sua honestidade não se esgota em não mentir, não cometer ilegalidades, não corromper nem ser corrompido. É um conceito positivo, duplamente dirigido à resolução dos problemas concretos que um povo enfrenta e à construção de condições estruturais, sustentáveis, para abandonar o padrão repetitivo de crises cíclicas, em condições cada vez piores.
Não percam o resto do editorial de Sandra Monteiro no site do Le Monde diplomatique - edição portuguesa. Boa leitura da edição de Outubro.
2 comentários:
O problema das escolhas políticas é que raramente se podem comparar a uma qualquer refeição, seja simples, seja opulenta. Mais, na composição de um orçamento numa situação em que o Partido que governa não tem maioria (o que quer dizer que as partes que negociam procuram por vezes defender interesses divergentes), o resultado final assemelha-se mais a uma espécie de salada russa, em que cada um procura acrescentar ou retirar os ingredientes de que mais gosta ou desgosta.
A pureza moral raramente consegue o que quer que seja, porque incapaz de fazer escolhas que são tudo menos ótimas. Aliás, em democracia, a mais das vezes, a escolha é entre o menos mau e o pior, ou mesmo entre o mau e o pior.
Agora, quem a quiser salvaguardar pode bem fazê-lo, arriscando-se porém por acabar a tragar algo bastante indigesto, num cenário de regresso da Direita ao poder... Sempre pensei que era melhor obter-se 70, 50, vá lá, mesmo só 30% do que se quer do que 100% do que se não quer.
E note-se, o Povo que vota dá por isso, porque quer que lhe resolvam os problemas e não que quem o representa acabe a defender belos princípios na Oposição...
«todas as escolhas têm a montante uma dimensão moral»
Mas será que a moral já não é um instrumento da classe dominante?
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